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domingo, 25 de setembro de 2011

Produção de alimentos X conservação: um conflito inventado

Por Joaquim Maia Neto
As discussões sobre a reforma do Código Florestal e a proteção das florestas definitivamente se consolidaram como um dos temas mais importantes na atualidade. Isso é bom. O Brasil, que é uma das nações mais bem dotadas do mundo no quesito biodiversidade não pode prescindir desse debate, que é estratégico para nosso futuro enquanto nação. Não obstante o tema ganhe projeção, com pautas diárias nos meios de comunicação de massa, e torne-se assunto comum nas mais diversas rodas, a condução dos debates não é a mais adequada. Está havendo uma polarização, entre o “agro” e o ambiental, que tenta transmitir uma imagem falaciosa à sociedade de que agricultura e conservação ambiental são áreas que se contrapõem.
O agronegócio lançou o movimento “Sou Agro”, patrocinado por gigantescas corporações do setor, com o intuito de convencer cidadãos urbanos a aderir à causa “agro”. É um movimento muito mais de marketing do que de informação ou de discussão sobre problemas e desafios da agricultura. Artistas “globais” são garotos-propaganda das campanhas publicitárias do movimento, cumprindo o mesmo papel que cumprem nas novelas veiculadas pela Rede Globo: formar opinião a partir de informações superficiais e distorcidas dos fatos concretos, levando a um determinado comportamento que seja do interesse de um grupo minoritário, geralmente contrário ao interesse público. O “Sou Agro”, guardadas as devidas proporções, me lembra as estratégias de marketing da indústria do tabaco, que durante anos mentiu para a sociedade, afirmando que não havia provas dos malefícios do cigarro.
A tônica do movimento tem chegado às discussões no Senado, que acabou de aprovar a reforma do Código na Comissão de Constituição e Justiça, cujo relator, o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), é o mesmo que, quando governador de Santa Catarina, sancionou uma Lei estadual que reduzia consideravelmente a proteção florestal em relação à legislação federal, o que é ilegal. O mesmo senador será ainda o relator nas comissões de Ciência e Tecnologia e de Agricultura e Reforma Agrária.
Por outro lado, diversos estudos e manifestações de juristas, ambientalistas, comunidade acadêmica e pequenos produtores rurais têm sido produzidos e trazem luz ao debate. O mais recente estudo foi publicado na revista Nature, nesta semana e demonstra que as florestas primárias nunca mais chegam a sua condição original após a intervenção humana, mesmo que sejam conduzidas técnicas de recomposição. Segundo a publicação, as florestas tropicais da América do Sul têm um índice de alteração de 44%, muito superior às do México e América Central (10%), onde a exploração do turismo sustentável tem garantido um impacto menor.
Os interesses da agricultura (que não são necessariamente os dos “agros”) não são opostos aos da conservação, por um motivo muito simples: não há agricultura sem conservação. A agricultura depende de água, de estabilidade climática, de solos conservados, de polinizadores, de ecossistemas em equilíbrio. Avançar no desmatamento, como ocorrerá caso seja aprovado o “novo Código”, é um tiro no pé da agricultura brasileira. O que os mentores do movimento Agro estão defendendo, não é a agricultura, mas sim o dinheiro. Querem lucrar rapidamente a qualquer custo. Recente estudo do INPE em parceria com a Embrapa mostra que dois terços dos 18% do bioma amazônico que já foram desmatados são ocupados por pecuária de baixíssima produtividade. A lógica predominante é a de investir pouco e ter retorno na expansão das áreas. A produção agrícola ocupa apenas 5% das áreas desmatadas da Amazônia. Estes números mostram que o Brasil não precisa desmatar mais para aumentar a produção de alimentos, basta utilizar melhor as áreas já abertas.
A demanda por alimentos tem sido o grande argumento dos “agros” para se opor à legislação ambiental. Recentemente a senadora Kátia Abreu (PSD-TO) posou como a grande entusiasta do combate à fome no mundo, ao comentar um relatório da FAO que afirma que o planeta deve aumentar em 70% a produção de alimentos até 2050 para atender à população humana que deverá ser de 9 bilhões de pessoas. A senadora usou o relatório para mais uma vez atacar a legislação de proteção às florestas, mas omitiu o fato de que o mesmo relatório recomenda o cumprimento de acordos ambientais como forma de mitigar os impactos que afetam a produção de alimentos. Na realidade a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), presidida pela senadora, não representa a grande maioria do contingente de produtores de alimentos do país. Dados do IBGE mostram que 20% dos fazendeiros possuem ¾ das terras agrícolas (o grande agronegócio representado pela CNA), mas 70% da produção de alimentos é feita por agricultores familiares.  Nos discursos para a mídia, os “agros” pregam a produção sustentável de alimentos e a convivência harmoniosa com o meio ambiente, mas no dia-a-dia tentam acabar com leis que garantem nosso futuro e pouco se importam com a redução da fome no mundo.
Enquanto os pequenos produtores que nos alimentam diversificam a produção para atender à demanda interna, os “agros” plantam monoculturas mecanizadas altamente envenenadas que causam grandes impactos ambientais. Se dependêssemos deles, comeríamos apenas soja, cana e carne bovina.
Um belo exemplo da preocupação dos “agros” é o Projeto de Decreto Legislativo do Senado – PDS nº 90/2007, da senadora Kátia Abreu, que pretende desobrigar a rotulagem de alimentos elaborados com Organismos Geneticamente Modificados (transgênicos). A nobre senadora entende que o direito à informação do consumidor sobre os alimentos deve ser suprimido para que o lucro de quem produz transgênicos não seja ameaçado.
Outro exemplo recente de ataque à conservação ambiental foi o discurso do deputado Reinhold Stephanes (PMDB-PR) proferido em um seminário sobre hidrovias. Em meio às discussões sobre as vantagens, principalmente ambientais, do modal de transportes hidroviário, o ex-ministro da agricultura destilou um forte pessimismo, afirmando que as hidrovias jamais iriam integrar a região norte ao restante do país devido à “barreira ao desenvolvimento” representada pelo conjunto de unidades de conservação recentemente criadas no “arco do desmatamento” entre o norte de Rondônia e Mato Grosso e o sul do Amazonas e Pará. As unidades de conservação não impedem as hidrovias nem o desenvolvimento. Elas impedem sim o desmatamento e o lucro fácil e irresponsável dos “agros”. Mas estes preferem distorcer os fatos para angariar apoiadores incautos à sua causa.
O Senado ainda tem a chance de agir com responsabilidade entendendo a grandeza de seu papel diante de um tema de tamanha relevância ao país. Cabe à sociedade acompanhar seus representantes e cobrar uma discussão em bases técnicas e científicas deixando a guerra de marketing em segundo plano. Precisamos ouvir quem estuda o assunto com seriedade. A Giovanna Antonelli e o Lima Duarte que me perdoem, mas não sabem do que estão falando, porém falam mesmo assim porque o cachê compensa.

domingo, 18 de setembro de 2011

Religiões e seus caminhos

Por Joaquim Maia Neto
As religiões sempre acompanharam a humanidade. Historiadores acreditam que a existência da religião antecede até mesmo os mais antigos registros históricos de que se tem conhecimento. O Hinduísmo, uma das religiões mais antigas, pode ter suas origens por volta de 6000 a.C..
Praticamente todos os povos que existiram no planeta professaram algum tipo de crença no sobrenatural, em espíritos ou divindades, e essa crença sempre influenciou profundamente os sistemas de organização social. Desde as sociedades tribais simples até as de organização complexa, a religião ou a fé sempre desempenharam um forte papel na elaboração de códigos de conduta e de padrões éticos e morais. É comum em várias culturas a figura de um líder religioso com forte influência sobre a comunidade. Esse líder geralmente cumpre o papel de intermediar a comunicação e interação entre o homem e o divino.
Alguns pensadores acreditaram que o avanço científico e tecnológico da humanidade levaria ao esvaziamento das religiões e à extinção da fé. Em 1999 a revista The Economist chegou a publicar uma “nota necrológica de Deus”, prevendo o iminente fim das religiões, mas em 2007 se retratou, admitindo que, ao contrário do que previra, a influência das religiões tem crescido a cada dia.
Se por um lado a religião perdeu influência na Europa, onde se detecta atualmente um aumento do número de pessoas que se declaram atéias, por outro, continua tendo forte poder em países desenvolvidos, como os EUA, e em países emergentes, como Brasil e Índia.
As doutrinas religiosas trouxeram coisas boas e ruins para a história da humanidade. Foram utilizadas como instrumentos de poder, dominação e imperialismo em várias partes do mundo. Perseguições e guerras foram empreendidas em nome de deuses e vários estados foram, e alguns são até hoje, aliados ou até mesmo controlados por instituições de cunho religioso. Religiões foram responsáveis por muitas atrocidades, como genocídio, imposição cultural, escravidão, conflitos bélicos, assassinatos, etc.. Ainda convivemos com intolerância religiosa em muitas sociedades humanas modernas. Noutro giro, em todo o mundo as religiões cumprem importante papel de coesão social e de estabelecimento de padrões de comportamento necessários à vida em sociedade.
Independentemente da denominação, praticamente todas as crenças religiosas exigem de seus seguidores determinada conduta compatível com os valores que professam. Procuram explicar as origens do homem e do mundo. Não há registro de religião que doutrinariamente atente contra a vida de quem não seja seu seguidor. Em geral, pregam a paz, a solidariedade e a honestidade.
As religiões do Extremo Oriente, de uma maneira geral, são identificadas como pacificadoras e contemplativas e muitas vezes são procuradas por pessoas de cultura ocidental como forma de reconexão com a natureza, com o equilíbrio orgânico e cósmico. De fato, tiveram um papel fundamental na forma de vida dos povos do leste da Ásia, refletindo na alimentação, longevidade e saúde, entre outros aspectos.
As três grandes religiões monoteístas originadas no Oriente Médio – Cristianismo, Islamismo e Judaísmo – apesar de terem, como todas as demais religiões, uma doutrina de paz e solidariedade, são consideradas responsáveis por conflitos que levaram e levam à morte milhares de pessoas. Qual a razão dessa contradição? Assim como em todas as organizações humanas, as religiões são permeadas por estruturas de poder que despertam a ganância e o desvio de comportamento de parte de seus seguidores. Os conflitos, mesmo quando patrocinados pela alta cúpula das organizações religiosas, na realidade são desvios doutrinários totalmente incoerentes que muitas vezes acabam sendo objeto de retratação, ainda que esta ocorra séculos depois. Lamentavelmente não faltam exemplos desses conflitos: Cruzadas católicas, terrorismo praticado por grupos islâmicos, imperialismo judeu sobre povos árabes, etc..
Acusar as religiões de responsáveis pela intolerância e pela guerra é procurar um bode expiatório para um problema que é da humanidade e não da fé. Recentemente uma campanha ateísta veiculada em outdoors no Rio Grande do Sul mostrou-se tão intolerante quanto as mais reacionárias manifestações religiosas. Sob o pretexto de combater uma suposta discriminação que sofreriam por serem ateus, os organizadores da campanha disseminaram mensagens extremamente provocativas e desrespeitosas contra os crentes, comparando célebres humanistas supostamente ateus com sanguinários religiosos. Não é difícil exibir uma razoável lista de virtuosos religiosos e de ateus igualmente sanguinários. Este tipo de provocação, ao contrário de contribuir para a tolerância entre as crenças e entre essas e os ateus, apenas acirra ainda mais os ânimos dos que repudiam o saudável diálogo baseado na pluralidade de pensamentos.
No Cristianismo ocorreu uma extensa fragmentação em distintas igrejas e seitas, com diferentes doutrinas, que acabaram levando a conflitos que deturpam o sentido da doutrina Cristã. Os conflitos entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte, que persistem até hoje, são exemplos de como as divergências na fé são manipuladas para se transformarem em disputa de poder.
A religião pode e deve ser usada como instrumento de vivência comunitária saudável, incentivando a proteção à vida, a solidariedade, a reflexão sobre ética e o respeito à diversidade, inclusive a religiosa. O respeito aos que não professam qualquer fé deve ser garantido pelos religiosos. A dimensão do respeito à natureza, tão comum em muitas religiões orientais, começa a ganhar corpo entre as instituições ocidentais, pois passa a ser entendida como uma frente de proteção à vida.
Infelizmente algumas igrejas cristãs têm sido fundadas como propósitos meramente financeiros para beneficiar sua cúpula. Aproveitam-se da legislação que isenta as igrejas de obrigações tributárias. Surgem doutrinas que cultuam a prosperidade econômica, o consumismo e o dinheiro. Essas igrejas, na realidade, pegam carona na “religião” que mais cresce no mundo: o culto ao individualismo e aos bens materiais. Os novos templos, ícones dessa religião, são os shopping centers. Seus sacerdotes são os publicitários que nos bombardeiam com campanhas para nos convencer a adquirir as infinitas coisas das quais não precisamos para sermos felizes. Os símbolos dessa religião são as grifes que ostentamos para professar nossa “fé”.
Não há um caminho único que leve à salvação, seja ela entendida no seu aspecto divino ou na dimensão social, representada por um mundo justo. Penso que bons exemplos devem ser buscados na pluralidade de crenças que nossa Constituição exemplarmente protege. A dimensão política, muito presente nas religiões monoteístas, pode ajudar a transformar positivamente a sociedade e é importante que esteja aliada à observação e compreensão das leis naturais, como pregam as religiões orientais, a fim de que possamos nos integrar à natureza e ao universo, como parte deles que somos.

domingo, 11 de setembro de 2011

A origem dos maus políticos

Por Joaquim Maia Neto
No último dia 30 o plenário da Câmara dos Deputados absolveu Jaqueline Roriz (PMN-DF), flagrada recebendo propina do esquema conhecido como “Mensalão do DEM”. A votação foi amplamente favorável à deputada: 265 votos pela manutenção do mandato, contra 166 pela cassação. Protegidos pelo absurdo do voto secreto, seus pares preferiram não abrir um precedente que pudesse ser estendido a outros parlamentares envolvidos em escândalos semelhantes. O episódio foi o estopim para a adesão de muitas pessoas aos protestos que ocorreram por todo o país no dia da independência. A motivação inicial para a organização das manifestações foi a série de denúncias sobre corrupção no governo, principalmente no Ministério dos Transportes onde, segundo a CGU, houve prejuízo ao erário de 682 milhões de reais.
O Brasil vive altos e baixos no que diz respeito à moralização da máquina pública. Num passado recente, manifestações populares levaram ao impeachment de um presidente da república. Posteriormente, outro presidente foi acusado de comprar votos dos parlamentares para que houvesse uma alteração constitucional a fim de permitir sua reeleição. Acompanhamos durante meses notícias sobre dois grandes esquemas de corrupção por meio de pagamento de propinas periódicas a deputados, um no Governo Federal e outro no Governo do Distrito Federal. Recentemente o Congresso Nacional aprovou a Lei da “Ficha Limpa”, originada de um projeto de lei de iniciativa popular.
Condutas delituosas praticadas por políticos, dificilmente resultam em punições. Vários fatores contribuem para isso: foro privilegiado, julgamento político pelos próprios pares, voto secreto, brechas jurídicas exploradas por bons advogados e, sobretudo, o desleixo do eleitor na hora de votar e no acompanhamento dos trabalhos dos parlamentares que o representam.
Maus políticos contam com a memória curta do eleitorado e por isso tendem a melhorar a qualidade do seu trabalho apenas nos períodos imediatamente anteriores às eleições. Um número muito grande de pessoas não se lembra em quem votou na última eleição e sequer acompanha as ações dos políticos. Você sabe dizer os nomes dos candidatos a deputado em que votou no ano passado?
Estamos vivendo uma grave crise institucional que afeta a maneira como a sociedade enxerga a classe política. Essa crise pode trazer consequências muito prejudiciais para a democracia na medida em que a população começa a desprezar os parlamentos nas três esferas federativas. Aquilo para o qual deixa de haver um reconhecimento de sua importância passa a ser visto como supérfluo ou até mesmo como nocivo. Já não é incomum ouvirmos discursos de que o Congresso poderia ser fechado, pois não faria falta e economizaria dinheiro. Essa visão é equivocada, porque o poder legislativo deveria ser representativo da vontade do povo. A falta dele caracterizaria um regime autoritário, com implicações negativas para o país, como já aconteceu há nem tanto tempo assim, durante a ditadura militar.
Ultimamente fala-se muito que o Congresso tem voltado as costas à vontade popular, mergulhando em uma crise de representatividade. Parlamentares estariam mais preocupados com seus esquemas para ganhar dinheiro fácil e em grande quantidade do que com os anseios dos eleitores. A absolvição de políticos envolvidos em escândalos seria um exemplo. Na área ambiental temos outro exemplo incisivo: recente pesquisa Datafolha demonstrou que 85% da população brasileira entende que o novo Código Florestal deve priorizar a proteção das florestas, ainda que isso limite a produção agropecuária, mas, no entanto, a Câmara dos Deputados aprovou um texto altamente prejudicial à conservação e exageradamente permissivo ao setor agrícola.
Mas será que o parlamento realmente não representa a população? As pessoas dispostas a protestar contra os desmandos comuns na administração pública são poucas. Mesmo em manifestações bem organizadas, como foram as de sete de setembro, o percentual de cidadãos que participa é pequeno em relação ao total de eleitores. Muitos respondem pesquisas dizendo–se insatisfeitos com determinado posicionamento deste ou daquele parlamentar, mas acabam votando nos mesmos políticos em eleições posteriores.
Manifestação de 7/9/2011
Foto: Roberto Jayime/UOL

Temos maus políticos porque os elegemos. É o nosso voto que os coloca no poder. É natural que sejamos enganados por um falso discurso de um candidato de primeira eleição, pois não há experiência a ser observada. Mas é inadmissível reelegermos aqueles que traíram seus eleitores.
A cultura eleitoral predominante no Brasil é aquela de se votar mais pela aparência do que pelas propostas e pelo passado do candidato. Políticos que já têm mandato e os que gastam muito nas campanhas costumam ter mais votos que os demais. O brasileiro prefere votar em alguém que vai lhe fazer um favor pessoal ou em quem ele tenha acesso, do que em outro que tenha uma posição mais ideológica e propositiva e esteja mais distante.
Sou da opinião de que nossos parlamentos, federal, estaduais e municipais, são realmente a representação de nossa sociedade. Muitas pessoas agem no dia-a-dia levando pequenas vantagens indevidas sobre os demais: o troco a mais, recebido por erro do operador de caixa do supermercado, que não é devolvido; o pedido para quebrar uma regra, a fim de beneficiar parentes ou a si próprio, em detrimento de outras pessoas; a furada de fila; a apropriação de um material de escritório ou as cópias particulares feitas no trabalho. Essas atitudes, praticadas por muitas pessoas, costumam ser vistas como esperteza, uma oportunidade a ser aproveitada. Na realidade são atitudes desprovidas de senso ético. Não se deve esperar que pessoas que faltam com a ética nas coisas de pequeno valor ou interesse venham a agir eticamente em oportunidades de maior responsabilidade. Como será que aquele servidor público que aceita um pequeno presente para fazer sua obrigação agiria se fosse um deputado e recebesse uma proposta indecorosa de uma empreiteira interessada em determinada obra pública?
A falta de compromisso ético de uma importante parcela da sociedade explica a enorme transigência para com políticos desonestos. Se o eleitor desprovido de princípios morais vislumbra alguma possibilidade de ser beneficiado por certo político, ainda que em prejuízo de terceiros ou da coletividade, não hesita em contemplá-lo com seu voto. Às vezes nem é a iminente vantagem que motiva o voto no político desonesto, mas a simples identificação dele como uma pessoa sagaz, no mau sentido da palavra, alguém que sabe aproveitar uma oportunidade de se beneficiar da máquina pública. O deputado Tiririca talvez seja o melhor exemplo para ilustrar essa situação.
Infelizmente uma pequena parcela dos nossos parlamentares age imbuída de valores nobres. Poucos colocam o interesse público em primeiro lugar ou são coerentes com os programas partidários e com suas promessas de campanha. Por que a banda podre é maioria, se vivemos em um país com eleições periódicas nas quais o voto de todos tem peso igual? Só podemos ter duas respostas a essa questão: ou a maioria da população se identifica com os maus políticos, ou nosso sistema eleitoral é repleto de distorções que permitem vantagens aos candidatos que faltam com a ética. As distorções existem sim, e são muitas. Por isso vamos lutar por uma reforma política que mude esse quadro, na esperança que a primeira resposta não seja a verdadeira.
Que as manifestações ocorridas no sete de setembro sejam a retomada da consciência cívica dos brasileiros, como aconteceu na década de 80, durante as “Diretas Já”. Que sejam uma esperança de banirmos políticos como Jaqueline Roriz e outros tantos, junto com seus mensalões, superfaturamentos, propinas e escândalos, infelizmente tão comuns no cenário político brasileiro.

domingo, 4 de setembro de 2011

Refletindo sobre água

Por Joaquim Maia Neto
Todos nós sabemos que dois terços da superfície da Terra são cobertos por água. Apesar disso, caso não façamos boa gestão dos recursos hídricos, correremos o risco de nos depararmos com um futuro de escassez desse bem, o mais essencial à vida.
Aproximadamente 97,5% da água existente no planeta é salgada, encontrada em mares e oceanos. Dos 2,5% da água doce existente, apenas 0,007% é facilmente acessada para consumo humano, por estar em rios, lagos e na atmosfera, e 2,493% está em geleiras e aquíferos (água subterrânea), de aceso mais difícil.
A distribuição de água doce no mundo é muito desigual. Onze países da áfrica e nove do oriente médio já não dispõem de reservas para atender o mínimo necessário à sua população. Nesse aspecto, o Brasil é privilegiado. Detém 11,6% de toda a água doce superficial do mundo, mas nossa água não é distribuída homogeneamente por todo o país. 70% das águas brasileiras disponíveis para consumo estão na região amazônica, a menos populosa, enquanto que os 30% restantes estão localizados onde habitam 93% dos brasileiros. A região Norte, com 6,98% da população, possui 68,5% dos recursos hídricos e o Sudeste, com 42,65% dos habitantes do Brasil, tem apenas 6%. Essa distribuição desigual já começa a causar conflitos pelo uso da água devido aos problemas de abastecimento existentes nos grandes centros urbanos.
O acesso à água tem sido dificultado devido ao desperdício, ao mau-uso, à poluição e às mudanças climáticas. Muitos corpos hídricos estão contaminados com produtos químicos utilizados na mineração, agrotóxicos e dejetos urbanos e industriais. A supressão de matas ciliares provoca o assoreamento dos rios. O desflorestamento, aliado às queimadas e demais atividades responsáveis pela emissão de gases do efeito estufa, tem provocado alterações no ciclo hidrológico, levando à concentração excessiva de chuvas em determinados períodos do ano e à escassez em outros.
Muitos analistas preveem que a disputa pela água provocará conflitos entre nações em um futuro próximo e que haverá um grande contingente de refugiados ambientais, o que já começa a acontecer no chamado “Chifre da África”. Na Somália a situação é catastrófica. Milhões de pessoas são atingidas por fome crônica e muitas delas estão deixando o país em busca de locais onde possam se alimentar. A grave seca que assola o país tem sido atribuída por especialistas ao aquecimento do Oceano Índico, consequência do aquecimento geral do planeta.
Uso da água na agricultura
A atividade que mais consome água é a agricultura, responsável pelo uso de 70% dos recursos hídricos utilizados pela humanidade, contra 20% da indústria e 10% do uso doméstico. O uso da água na agricultura é paradoxal no que diz respeito ao seu impacto ambiental. Apesar do setor agrícola ser taxado como vilão, a agricultura irrigada possibilitou enorme aumento de produtividade por área, viabilizando a alimentação da população em tempos de explosão demográfica, o que evitou um grande aumento da área plantada. Diante de um crescimento populacional global da ordem de 100% nos últimos 50 anos, tivemos um aumento de apenas 12% de áreas ocupadas pela agricultura. Se a área plantada crescesse como cresceu a população, as consequências ambientais teriam sido desastrosas.
Não se pode imputar a responsabilidade pela escassez de água à produção de alimentos, pois é uma atividade absolutamente essencial. As crescentes taxas globais de crescimento populacional são um grande problema. Mas na área agrícola há dois vilões reais: os biocombustíveis e a pecuária. Apesar de contribuir para a redução de emissões de gases do efeito estufa, a produção de combustíveis automotivos de origem vegetal tem desempenho ambiental questionável. De acordo com Alexandre Müller, diretor do programa de recursos naturais da FAO, cem quilos de cereais podem alimentar uma pessoa durante um ano, mas produzem apenas um tanque de combustível. O crescente aumento do consumo de proteína de origem animal por parte dos países emergentes é outro problema grave. A produção de um quilo de carne bovina consome 16 mil litros de água. A pecuária é uma das atividades mais intensivas no uso de recursos hídricos.
No último dia 26 foi encerrada, em Estocolmo, a 21ª Semana Mundial da Água. O relatório final do encontro, que será remetido à Rio+20, sugere que os governos adotem uma meta de 20% de aumento de eficiência no uso de água na agricultura. A adoção de metas de eficiência é uma importante estratégia de gestão dos recursos hídricos. Qualquer ganho na agricultura trará um grande impacto na conservação da água, devido ao tamanho da fatia que o setor representa no consumo total. Novas tecnologias, como irrigação por gotejamento ou desenvolvimento de linhagens mais produtivas em períodos de estiagem são exemplos de onde se pode obter o aumento de eficiência. Igualmente interessante é o desenvolvimento de sistemas agrícolas que contribuam com o ciclo hidrológico, como os sistemas agroflorestais.
Estratégias para a gestão dos recursos hídricos
Estratégias para a redução do consumo doméstico são bem vindas, pois o desperdício é altíssimo. Estima-se que apenas na distribuição nas cidades, as perdas superam 35%, o que poderia ser resolvido com maiores investimentos em manutenção. Hábitos domésticos como a utilização de mangueiras na lavagem de calçadas, pisos e automóveis, bem como deixar torneiras abertas durante atividades rotineiras de higiene, contribuem para a escassez. A indústria também deve dar sua parcela de contribuição para a solução do problema.
Uma boa política de recursos hídricos deve atuar em várias frentes. Mecanismos econômicos são eficazes. Na maioria das cidades brasileiras a água tratada é subsidiada pelo poder público. As tarifas são muito baixas e estimulam o desperdício. É recomendável tarifar progressivamente de acordo com o consumo, mantendo tarifas sociais para a população de baixa renda até um determinado limite de metros cúbicos. Há um debate interessante sobre a concessão da exploração dos serviços de captação, tratamento e distribuição. Existe um grande tabu em se promover negócios com recursos hídricos, dado o direito universal conferido ao acesso à água. Mecanismos que promovam negócios e que mantenham o caráter público podem resultar em melhor racionalidade no uso do recurso, a exemplo do que acontece com a energia, mas para isso precisamos desenvolver um forte aparato regulatório estatal. Já temos uma agência reguladora no setor.
A cobrança pelo uso da água bruta, seja para captação ou para a diluição de efluentes, foi iniciada pelo Comitê de Bacia do Rio Paraíba do Sul e já se expandiu para outras bacias hidrográficas brasileiras. É um importante instrumento de gestão fundamentado no princípio do poluidor-pagador, semelhante às Impact Fees desenvolvidas nos EUA, uma espécie de pagamento pelo impacto causado aos serviços públicos. O pagamento por serviços ambientais, voltado a produtores rurais que conservam mananciais, seria um interessante complemento: paga quem usa, recebe quem produz. Mecanismos de comando e controle associados aos econômicos também são importantes, como a fiscalização sobre o uso perdulário.
A conservação dos ecossistemas é outra estratégia fundamental no enfretamento do problema. A manutenção de áreas protegidas e de zonas úmidas contribui para a regularidade do ciclo hidrológico e é mais efetiva do que intervenções como construção de barragens ou transposição de bacias. Há alguns casos onde a água distribuída no abastecimento urbano provém de unidades de conservação, como em Brasília, por exemplo.
Conservar a água é essencial para a vida. Atitudes individuais no dia-a-dia são importantes, mas inócuas se não houver políticas públicas eficazes.