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domingo, 28 de agosto de 2011

Limpa Brasil

Por Joaquim Maia Neto
Ontem foi comemorado o “Dia da Limpeza Urbana”. Acredito que pouca gente sabe que esse dia existe. Muitas pessoas devem achar que é mais um dia inventado por algum político que, ao invés de apresentar proposituras para melhorar a vida da população, fica inventando datas comemorativas. Em todos os dias deveríamos ter a preocupação com a limpeza urbana, mas uma data no calendário ajuda a refletir sobre o assunto, que não é banal, ao contrário, deveria ser tratado como prioridade.
Dados da ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais - mostram que a quantidade de resíduos sólidos urbanos gerados no Brasil em 2010 foi 6,8% superior à de 2009. O aumento foi seis vezes maior que o crescimento populacional registrado no mesmo período, o que significa que a produção de resíduos de cada brasileiro está aumentando muito. Em 2010 cada morador do país produziu sozinho, em média, 378 Kg de lixo, mais de cinco vezes o peso de uma pessoa de 70 Kg! A quantidade de resíduos sólidos urbanos com disposição inadequada, ou seja, destinados a lixões ou aterros controlados (não adequados) passou de 21,7 milhões de toneladas em 2009 para 23 milhões de toneladas em 2010. 
A região campeã em má gestão de resíduos é a centro-oeste, com 71% de disposição inadequada, seguida do Nordeste, com 66%, Norte (65%), Sul (30,3%) e Sudeste (28,3%). Esta última região é a que mais produz resíduos sólidos urbanos, sendo os estados de São Paulo e Rio de Janeiro os maiores produtores de lixo, com 55 mil e 20 mil toneladas diárias, respectivamente.
Entende-se por disposição adequada de resíduos sólidos, o cenário no qual o lixo é depositado em aterros sanitários adequados, que possuem impermeabilização que impede a contaminação do lençol freático e do solo adjacente e que estão licenciados pelo órgão ou entidade ambiental competente. Além dos impactos de contaminação, a decomposição do lixo produz metano (CH4), um dos gases que mais contribui com o efeito estufa. A disposição adequada de resíduos em aterros sanitários não elimina a produção de metano, também chamado “biogás”, motivo pelo qual a redução na geração de lixo é fundamental para reduzir o impacto causado ao planeta. De acordo com estudo recente do Banco Mundial¹, o cenário ideal para redução de emissões de carbono oriundas de resíduos seria a queima do metano, com 75% de eficiência de coleta, em 100% dos aterros. A combustão completa desse gás gera dióxido de carbono (CO2), que contribui menos do que o metano para o aquecimento global. Outras ações, como a compostagem aeróbia doméstica dos resíduos orgânicos, que não gera metano, também são importantes. Hoje em dia, no Brasil, uma parcela pequena do biogás gerado pelos resíduos é queimada.
Além da disposição dos resíduos coletados, outro grave problema comum no país é o hábito de se jogar lixo na rua. No domingo passado participei do movimento “Limpa Brasil! Let’s do it!” e juntamente com minha família, tornei-me um catador de resíduos por um dia. O movimento é uma iniciativa de empresários brasileiros em cooperação com a UNESCO, patrocinado por grandes empresas. Na realidade os organizadores trouxeram para o Brasil uma ação que começou na Estônia e já aconteceu em quase vinte países, entre os quais estão Finlândia, Índia, Portugal e Ucrânia. Consiste em instar as pessoas a recolher o lixo que está espalhado em sua cidade, aquele que é inadequadamente jogado nas ruas. No Brasil já foram realizadas as campanhas de Brasília e do Rio de Janeiro. Neste final de semana a ação está acontecendo em Goiânia e ainda estão agendados mutirões de limpeza em Belo Horizonte, Campinas, Guarulhos e São Paulo.
Por mais que saibamos que o problema existe, passar um dia catando lixo é uma experiência extremamente enriquecedora. Nas horas em que fiquei trabalhando nessa missão, percebi as reações das pessoas que nos viam naquele trabalho. Alguns envergonhados por não estarem participando, outros se juntaram a nós e houve aqueles que olhavam com indiferença ou com asco. Mas a maior reflexão foi sobre o que catávamos. O Plano Piloto de Brasília parece uma cidade limpa, mas não é. Como é bem vegetada, o lixo fica escondido entre as árvores e gramados. O problema é mais de educação do que de gestão de resíduos. Fiquei impressionado com a quantidade de papéis de bala e de filtros e embalagens de cigarros. Os consumidores desses produtos são, em geral, muito mal educados. Parece que a regra é jogar no chão. As pessoas não conseguem esperar para jogar o papel quando encontrarem uma lixeira. Não podem colocar a pequena embalagem no bolso. Tampouco podem apagar o toco do cigarro e depositá-lo adequadamente. Sequer sabem, ou se sabem não se importam, sobre o tempo de decomposição de seu resíduo.
Outra coisa impressionante foi a quantidade de embalagens descartáveis dos restaurantes fast food. Essas grandes redes de franquias devem ser responsabilizadas economicamente por seus resíduos, pois lucram com a venda de seus produtos e deixam o ônus da imundície com a sociedade, inclusive com aqueles que não são seus clientes. Num gramado, em volta de um desses restaurantes, era impossível não pisar no lixo, devidamente identificado com a logomarca da franquia. Acabei me convencendo de que essas redes são inimigas do meio ambiente. Copo de plástico, tampa de plástico, canudo, embalagem de sanduíche, até o guardanapo é embalado em plástico. As pessoas, depois de consumir, acreditam que existe uma magia universal que faz aquele monte de resíduos desaparecer milagrosamente. Afastar o lixo dos olhos é suficiente para ter a sensação de que aquilo não existe mais.
Fiquei imaginando o que pensam os profissionais da limpeza urbana, ou aqueles catadores autônomos que tiram seu sustento do que não nos serve mais. São pessoas simples que muitas vezes não têm acesso ao consumo que gera os resíduos que coletam. Devemos valorizar muito essa gente. Depois da catação passei a dar ainda mais importância ao seu trabalho. Esses trabalhadores mitigam, com seu suor, o impacto de uma multidão de irresponsáveis abastados tidos como pessoas mais importantes do que eles.
Além de tudo o que observamos, foi triste ver fezes de cachorros espalhadas por todos os lados, oriundas de animais que passeiam com seus donos, já que em Brasília praticamente não há cães vadios. A maioria não cumpre a legislação que obriga catar a caca que os animaizinhos produzem confortavelmente fora dos caríssimos apartamentos das superquadras.
O “Limpa Brasil” não vai resolver diretamente o problema da sujeira das cidades brasileiras com as ações pontuais de catação, mas é um importante instrumento de reflexão, marketing e educação para a mudança do nosso comportamento.
______________________________________________________________
1. ALVES, J. W. S. & C. DE GOUVELLO (Coord.). Estudo de Baixo Carbono para o Brasil – Relatório de Síntese Técnica – Resíduos. O Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento / Banco Mundial. 2010. 112 pp. (disponível em http://www.esmap.org/esmap/sites/esmap.org/files/Waste_Portuguese_final_09-12.pdf)

domingo, 21 de agosto de 2011

Em busca do céu escuro

Por Joaquim Maia Neto
A humanidade surgiu e evoluiu convivendo com a beleza celeste. Como animais de hábitos diurnos que somos, a noite restringia grande parte das nossas atividades, propiciando o descanso necessário para o enfrentamento da luta diária pela sobrevivência. Ao mesmo tempo representava certo perigo, dada nossa dificuldade em perceber potenciais ameaças no ambiente natural noturno.
O medo associado à noite levava o homem a procurar abrigos que o protegessem até o raiar do sol, mas esse não é o único sentimento que tal efeito da rotação terrestre provocava em nossos antepassados. Os elementos celestes visualmente perceptíveis após o pôr do Sol sempre despertaram a curiosidade e o fascínio humanos. Navegadores utilizavam os astros como instrumentos de localização espacial. A observação do infinito até hoje nos leva a refletir sobre nossas origens e nosso destino no universo.
Quantas crianças se divertiram descobrindo constelações? Quantos já ficaram boquiabertos observando a imponência da via láctea, representada no céu como um imenso “caminho branco” formado por milhões de sistemas estelares?
Se estiver lendo este artigo à noite, pare um pouco, vá até sua janela e observe o céu. O que você vê? Como é muito provável que esteja em um ambiente urbano, acredito que não viu muitos astros. O motivo é a poluição. Não estou me referindo à fumaça de carros ou indústrias. Você pode até estar em um local onde a qualidade do ar é boa e ainda assim não ver plenamente o céu.
Quase todas as pessoas já ouviram falar de poluição atmosférica, hídrica, sonora e até visual, mas pouca gente sabe que existe um tipo de poluição que muitas vezes passa despercebida e que é tão importante quanto as demais: a poluição luminosa - um problema que vem se agravando ano após ano, principalmente nas grandes cidades e regiões metropolitanas.
Edifício em Brasília durante
a madrugada

A excessiva iluminação artificial noturna tornou-se parte da paisagem urbana e já é vista com naturalidade pela maioria das pessoas. Empresas utilizam luminárias, refletores, lâmpadas e painéis luminosos para divulgar suas marcas e produtos. Arquitetos, paisagistas e designers desenvolvem projetos de iluminação para destacar fachadas, jardins e monumentos. Cidadãos reivindicam e governos instalam cada vez mais lâmpadas nos logradouros públicos e vias de circulação, geralmente sob o pretexto de tornar as cidades e as estradas mais seguras. Até árvores são criminosamente cortadas para não bloquearem a passagem da luz.
A iluminação noturna, como toda poluição, é causadora de impactos ambientais altamente significativos. Os processos ecológicos evoluíram em profunda sintonia com os movimentos terrestres e com o ciclo lunar. O fotoperíodo regula diversos mecanismos fisiológicos, tanto nos vegetais como nos animais. A alteração artificial do padrão claro-escuro existente na natureza é prejudicial aos seres vivos, sendo mais impactante quanto maior a intensidade luminosa. Essa alteração prejudica a orientação espacial, a reprodução, o forrageamento, a migração e diversos mecanismos ecológicos, comportamentais e metabólicos dos animais. A luz desorienta insetos, como abelhas e mariposas e atrai vetores de doenças para as áreas habitadas por humanos. Tartarugas-marinhas recém-nascidas podem correr para a morte, na direção contrária ao mar em locais muito iluminados. Aves migratórias se perdem e alguns animais passam a se alimentar durante períodos muito maiores, provocando o aumento populacional descontrolado. Plantas deixam de florescer e frutificar. O resultado é o desequilíbrio ecológico. Há espécies que não se adaptam e desaparecem localmente. As endêmicas podem chegar a ser extintas.
O Homo sapiens não escapa aos impactos da iluminação noturna excessiva. Vários estudos demonstram que a exposição frequente e intensa à luminosidade noturna artificial provoca a redução da produção de melatonina no organismo, um hormônio que tem como principal função a regulação do sono. Os mesmos estudos mostram que níveis baixos de melatonina estão associados com maior incidência de câncer de mama¹, ².
Composição a partir de imagens
de satélite da Terra obtidas à noite,
mostrando as áreas luminosamente
poluídas

O fenômeno da poluição luminosa pode parecer pontual, restrito a pequenas áreas, mas não é, já que afeta 18,7% da superfície do planeta. É, portanto, um problema global. Em 1988 foi fundada a International Dark-Sky Association (IDA), uma entidade que tem como objetivo preservar e proteger o ambiente noturno. Imagens de satélite da Terra, quando captadas no hemisfério onde é noite, permitem perceber a intensidade do problema. Observa-se uma grande concentração de pontos luminosos nas áreas mais densamente habitadas. Cada vez temos que ir mais longe para ver um céu estrelado. As grandes unidades de conservação passaram a prestar um novo serviço ambiental, que é a “proteção do céu escuro”.
No Brasil, praticamente não há legislação que regule esse tipo de poluição. Há apenas uma portaria do IBAMA, referente à proteção das tartarugas-marinhas e leis municipais em duas cidades que protegem áreas de observatórios. É perfeitamente possível aferir a intensidade luminosa, o que permite estabelecer padrões regulatórios. Além disso, existe tecnologia de produção de lâmpadas mais eficientes para iluminação pública, como as de vapor de sódio, que reduzem o fluxo de luz para o céu, evitando o desperdício. Pequenas mudanças nas atitudes das pessoas e nas políticas públicas podem ajudar bastante. Instalar lâmpadas apenas com finalidades estéticas ou onde não é necessário deve ser evitado. Ao invés de iluminar estradas, os administradores podem simplesmente instalar sinalização de solo reflexiva.
Além da poluição, a intensa iluminação gera um enorme desperdício de dinheiro e agrava outros problemas ambientais. Nos EUA são gastos US$ 2 bilhões anualmente com iluminação ineficiente. A construção de novas usinas hidrelétricas na Amazônia brasileira, que geram desmatamento, é motivada entre outras coisas, pelo crescente aumento do consumo energético, boa parte dele para iluminação.
Quando eu era criança diziam que, ao ver uma “estrela cadente”, que na realidade é um meteorito incendiado pelo atrito com a atmosfera, deveríamos fazer um pedido de algo que desejássemos muito. Caso eu ainda consiga ver alguma neste céu de Brasília tão luminosamente poluído, vou pedir para que as pessoas apaguem as luzes à noite para que eu possa voltar a ver os vaga-lumes que me encantavam na infância, deitar ao lado do meu filho, que ainda tem medo de escuro, e dormir em paz.
1. BLASK, D. E. et alii. Melatonin-Depleted Blood from Premenopausal Women Exposed to Light at Night Stimulates Growth of Human Breast Cancer Xenografts in Nude Rats. Cancer Res 2005; 65 (23): 11.174–11.184
2. SOUSA-NETO, J. A. & SCALDAFERRI, P. M. Melatonina e câncer – revisão da literatura. Revista Brasileira de Cancerologia 2005; 51(1): 49-58

Para saber mais veja:

FERNANDES, G. W.; COELHO, M. S. & CAIRES, T. O impacto ambiental da poluição luminosa. Especial Scientific American Terra 3.0. 2010: 40-47 (disponível em http://www.amda.org.br/objeto/arquivos/308.pdf)

http://www.environmentalleader.com/2011/07/21/light-pollution%E2%80%99s-dark-realities



domingo, 14 de agosto de 2011

Dia dos Pais

Apesar do “Dia dos Pais” ser uma data com forte apelo consumista e, portanto, em sua concepção tradicional, contrária à sustentabilidade, a data pode nos levar a uma reflexão de cunho ambiental.
Aptenodytes forsteri (pinguim-
imperador) - um dos melhores
pais do reino animal

Ser pai exige uma postura de responsabilidade, não apenas para com os filhos, mas com as futuras gerações de um modo geral. Os filhos, durante a infância, são grandes imitadores de seus pais. O comportamento de imitação muitas vezes é oriundo da admiração que as crianças têm pelos pais e da noção de que o pai é uma pessoa com poderes extraordinários, um herói, alguém que sabe tudo. Na adolescência, começam a delimitar sua própria identidade e passam a ter comportamentos distintos daqueles da família, com a finalidade de autoafirmação. Na realidade continuam imitando, porém não mais os comportamentos do núcleo familiar, que não escolheram, mas do grupo social, da “tribo” que optaram por seguir. A noção de pertencimento a determinado grupo implica a adoção de padrões de comportamento semelhantes aos dos demais membros desse grupo.

Embora haja mudanças no comportamento ao longo do desenvolvimento dos filhos, padrões aprendidos na infância, durante a convivência familiar, tendem a se perpetuar na vida de quem os aprendeu. Isso é muito característico nos comportamentos relacionados ao meio ambiente e à sustentabilidade. Em geral, crianças que crescem em um meio no qual não há preocupação com o desperdício de recursos naturais, com geração de resíduos e com o respeito à natureza, tendem a desenvolver comportamentos inadequados diante dessas questões. É verdade que nos dias atuais as crianças recebem muita informação na escola, nos meios de comunicação de massa, na internet, e acabam construindo seu próprio conhecimento que na maioria das vezes é ambientalmente mais adequado que o de seus pais. É a evolução da sociedade. Não raro, são nossos filhos que nos cobram por uma mudança de comportamento, e nos ensinam a cuidar melhor do planeta. Porém, o padrão de comportamento que desenvolverão, será o resultado das influências familiares somadas às dos outros grupos sociais dos quais participam. Assim, em relação à sustentabilidade, o exemplo familiar sempre terá um papel fundamental no comportamento futuro das crianças. Os hábitos adquiridos a partir da cobrança dos filhos servem de exemplo para retroalimentar atitudes positivas das crianças.
Tive pais que, cada um à sua maneira, muito me influenciaram nos hábitos relacionados às questões ambientais, que por sua vez foram determinantes na minha formação, escolha da carreira, engajamento social e militância. Do meu pai herdei a paixão pela natureza e o amor aos animais. Num tempo em que não havia “Lei de Crimes Ambientais”, meu velho condenava veementemente a matança de um animal sem finalidade alimentícia. Não permitia aos seus filhos portar estilingues, chamados também de atiradeiras, muito comuns à época, e nos ensinava a questionar os amigos que matavam passarinhos. Gostava de mato e me ensinou a gostar. Minha mãe, percebendo minha aptidão ambientalista, estimulava o desenvolvimento intelectual, presenteando-me com livros sobre animais, plantas e rochas, ainda que isso custasse a ela grande esforço financeiro.
Naquela época, desenvolver atitudes voltadas à conservação ambiental, era considerado mera opção, capricho ou aptidão profissional. As grandes preocupações sobre mudanças climáticas, extinção de espécies e esgotamento dos recursos naturais ainda não haviam se popularizado, apesar de já estarem na agenda mundial desde a conferência de Estocolmo, em 1972. Hoje a realidade é outra. Servir de exemplo aos nossos filhos e municiá-los com os instrumentos que os possibilitarão construir conhecimentos e desenvolver competências sustentáveis, tornaram-se obrigações de qualquer pai que se preocupe com o futuro de sua prole.
O maior desafio para a formação de filhos “sustentáveis” é o apelo ao consumo que domina nossa sociedade capitalista. Desde muito cedo os pequenos são bombardeados com publicidade incentivadora do consumo. A convivência social também os motiva a ter coisas que na realidade não precisam. Nós pais, preocupados que somos com o bem estar das nossas crianças, muitas vezes compramos o que eles nos pedem apenas para ver um lindo sorriso estampado em seus rostos angelicais, mesmo sabendo que aquele presente gerou uma alegria momentânea e que após alguns dias o mimo ficará esquecido em um canto qualquer da casa, pois o mercado já tratou de produzir uma nova “bola-da-vez” para despertar a ambição infantil.
Mas não é apenas a publicidade que faz das crianças consumidores compulsivos. Novamente nosso exemplo tem grande influência. A cada vez que compramos o que não precisamos ou trocamos o carro ou celular apenas para ostentar o último lançamento, estamos ensinando um padrão comportamental que será adotado em suas vidas. Ao invés de fazermos passeios em parques, unidades de conservação ou outros ambientes naturais, preferimos o comodismo do shopping center.
O ritmo frenético da vida moderna tem afastado os pais do que é mais importante na educação dos seus filhos: a convivência diária e a formação de valores. As refeições em família são raríssimas. Muitas vezes acontecem num domingo, em algum fast food desses que empurram um brinquedo descartável como brinde pela compra de um sanduiche nada saudável. Poucos pais ainda leem um bom livro para os filhos antes de dormirem. Uma conversa à beira de um rio, uma partida de futebol, uma peça de teatro, um passeio de bicicleta ou uma simples brincadeira em casa, são presentes muito mais importantes do que as bugigangas eletrônicas ou os tênis da moda que damos a eles. Levar as crianças às ações sociais ou filantrópicas e permitir que convivam com as diferenças, que conheçam realidades sociais distintas, também ajuda a construir um legado positivo.
Mesmo querendo ajudar nossos filhos, estamos sendo egoístas para com eles, ainda que inconscientemente. Estamos deixando um meio ambiente pior do que aquele que encontramos na nossa chegada. Esse é o grande débito da nossa geração, que será pago pela próxima, a um alto custo. Nossa responsabilidade é muito maior do que a de gerações anteriores, porque nós não podemos alegar desconhecimento das consequências das nossas ações, ao contrário dos nossos antepassados.
Neste dia dos pais e daqui para frente, mais do que ganhar, precisamos dar aos nossos filhos o presente que realmente necessitam. Os valores de sustentabilidade, respeito à natureza, solidariedade e compromisso com as futuras gerações é que farão a diferença e proporcionarão a eles uma vida melhor. Se falharmos nisso, seremos lembrados como aqueles que pilharam o futuro de quem colocamos neste mundo.

domingo, 7 de agosto de 2011

Transportes e sustentabilidade

Por Joaquim Maia Neto

No Brasil há ampla predominância do modal rodoviário nos transportes. Mas não foi sempre assim. Durante o período colonial as vias que possibilitaram a interiorização da ocupação do território eram os rios. Em 1871 iniciava-se a navegação de navios a vapor no Rio São Francisco. Até 1930 cerca de 30000 km de vias férreas foram construídas, com forte influência da indústria ferroviária inglesa, voltadas às exportações de produtos primários. A partir da segunda guerra mundial houve um aumento expressivo da industrialização no Brasil, sobretudo na região sudeste e o governo decidiu investir na construção de rodovias para escoar a produção industrial para as demais regiões do país. Porém, a consolidação do transporte rodoviário ocorreu na segunda metade da década de 1950, com a expansão no Brasil da indústria automobilística transnacional, que foi a grande indutora dos investimentos governamentais em estradas. Entre 1940 e 1979 a malha rodoviária brasileira foi multiplicada por oito, passando de 185 mil para 1,5 milhão de Km, enquanto a malha ferroviária teve, no mesmo período, uma redução de 21%, indo de 38 mil para 30 mil Km de extensão. 

Matriz de Transportes em 2005. Fonte:
COPPE/Politécnica - UFRJ


Uma comparação com os EUA, dito por muitos como um país “rodoviarista”, mostra a irracionalidade da nossa matriz de transportes. De acordo com a Escola Politécnica da UFRJ, enquanto no Brasil o modal rodoviário representa 60% da matriz, nos EUA esse número é 16%.
Os prejuízos oriundos da predominância do transporte rodoviário são muitos. O transporte rodoviário é muito caro. Consome muito mais combustível por unidade transportada por quilômetro. Além disso, os custos com pneus, peças, manutenção e mão de obra representam um percentual muito maior no custo da tonelada transportada, devido à reduzida capacidade de carga dos veículos quando comparados aos demais modais. A manutenção das vias é outro fator oneroso no transporte rodoviário. Recapeamentos constantes, operações tapa-buracos, sinalização, entre outros, são necessidades que encarecem muito o quilômetro de rodovia comparativamente ao da ferrovia e da hidrovia.
No quesito segurança o predomínio rodoviário é uma catástrofe. As estradas brasileiras ceifam todos os anos milhares de vidas, que poderiam ser poupadas se tivéssemos menos veículos e pessoas transitando por elas. 
Emissões de CO2 por modal. Fonte:
Comissão Europeia e ANTAQ

Do ponto de vista ambiental é um absurdo priorizar o transporte pelas rodovias. Segundo a Direção-Geral de meio ambiente da Comissão Europeia, no modal rodoviário são emitidos na atmosfera 116 Kg de CO2 no transporte de 1000 toneladas por quilômetro útil (tku), contra 34 e 20 Kg nos transportes ferroviário e aquaviário, respectivamente. Considerando que os transportes são responsáveis por 13% das emissões globais de CO2, uma matriz mais limpa contribuiria significativamente para a redução nas emissões do Brasil.
Há ainda outros prejuízos ambientais causados pelas rodovias. Elas fragmentam hábitats e são barreiras para o trânsito de animais. Isolam as populações naturais e matam milhares de exemplares por atropelamento. É comum encontrar animais ameaçados de extinção mortos nas estradas brasileiras, como tamanduás, lobos-guarás e onças.
A expansão da malha rodoviária na Amazônia está contribuindo de maneira significativa para o aumento das taxas de desmatamento. Isso ocorre devido à facilidade que as rodovias permitem para o estabelecimento e suprimento de povoados sem planejamento nas áreas florestadas, causando o conhecido efeito “espinha-de-peixe”, que nada mais é do que o desflorestamento e povoamento ao longo de um eixo rodoviário de acesso. A ferrovia e a hidrovia são muito menos impactantes nesse aspecto, pois em geral operam com transporte coletivo de passageiros e de maior escala de carga, com destinos pré-definidos em pontos de carga e descarga com logística planejada. Por isso, é um contrassenso investir nas rodovias BR -163 e BR-319, como vem fazendo o Governo Federal. O traçado dessas estradas é praticamente paralelo às hidrovias Teles Pires/Tapajós e do Rio Madeira, respectivamente. Esta última já está em plena operação e a outra necessita de alguns investimentos para operar. O benefício ambiental seria enorme caso o governo revertesse à hidrovia os recursos hoje disponibilizados para a BR-163.
Mas se é tão ilógico priorizar as rodovias em detrimento das ferrovias e hidrovias, por que isso vem sendo feito na história recente do Brasil? Entendo que há três fatores que conjuntamente levaram a essa opção desastrosa. O primeiro é o pesado lobby da indústria automobilística que, como mencionado acima, foi a responsável pela consolidação do modelo rodoviarista. Ainda hoje essa indústria tem forte influência. Há poucos dias o governo voltou a reduzir o IPI incidente sobre automóveis, como faz a cada vez que precisa fortalecer a economia. É louvável viabilizar uma maior participação da indústria no cenário nacional em relação ao setor primário, mas não das montadoras de automóveis, pois o resultado desse incentivo fiscal é mais poluição, congestionamentos, acidentes e menor investimento em transporte coletivo público.
Um segundo fator pró-rodovias é outro lobby: o das grandes empreiteiras. Grandes financiadoras de campanhas eleitorais e agentes corruptoras de políticos desonestos (vide escândalo do Ministério dos Transportes), as empreiteiras convencem governos e parlamentares a desenvolver planos de expansão rodoviária.
O terceiro fator é cultural. O culto ao automóvel como símbolo de sucesso e objeto de desejo, a postura cada vez mais individualista dos cidadãos e a insanidade da vida moderna em se fazer tudo cada vez mais rápido, leva os contribuintes a exigir dos políticos investimentos crescentes nessa área. Recentemente precipitou no Distrito Federal um movimento de pessoas exigindo duplicação de uma determinada rodovia para resolver de forma paliativa o problema de congestionamentos no acesso a uma cidade satélite. Buracos nas estradas são pedras nos sapatos de governantes que buscam reeleição. Mas não vejo grandes movimentos organizados em prol do transporte coletivo. É o preconceito lamentável de que transporte coletivo é “coisa de pobre”.
Para fazer justiça é necessário dizer que o atual governo desenvolvimentista está investindo numa maior participação dos modais hidroviário e ferroviário. Porém esses investimentos estão focados exclusivamente aos objetivos de escoamento da produção de commodities, principalmente soja e minério de ferro. O potencial benefício ambiental desses investimentos pode ser anulado com o fomento que trarão a novos desmatamentos para produção de grãos. 
Consumo energético por modal.
Fonte: Simões & Schaeffer (2002)

No que tange ao transporte regional de passageiros, o cenário é ainda pior. Trabalha-se com a expansão em apenas duas opções: o transporte familiar ou individual, via automóvel particular, e o aeroviário. Voltemos à discussão das emissões. Não há muitos estudos sobre a quantidade de CO2 emitida por passageiro/Km. Simões & Schaeffer (2002)1 demonstraram que em termos de consumo de energia por passageiro/Km, o transporte aéreo é muito menos eficiente do que os outros modais, conforme gráfico acima. Consequentemente, emite mais CO2, pois a energia utilizada é proveniente de fontes fósseis.
Por que não transportar passageiros nos modais aquaviário e ferroviário? No primeiro, a exceção é a Amazônia, onde o transporte de passageiros na navegação interior é o que predomina, dada a abundância de grandes corpos hídricos e a escassez de vias terrestres, mas o serviço prestado ainda é sofrível. Poucos portos brasileiros dispõem de terminais de passageiros e, entre os poucos existentes, predominam os de estrutura precária.
Lembro-me de meu saudoso pai contando sobre as viagens que fazia de trem entre os quase quinhentos quilômetros que separam São José do Rio Preto, no noroeste paulista, da capital do estado. Apesar do desconforto, quando se compara com o transporte atual, havia certo glamour nas viagens. O trajeto era demorado, então havia cabines com camas e vagões-restaurantes, de modo que o deslocamento era transformado em uma oportunidade de convívio social. Hoje o transporte ferroviário regional de passageiros, que praticamente foi extinto no Brasil, pode ser rápido e confortável, como é na Europa e no Japão, mas não há uma agenda intensa para a expansão do setor, assim como não há no transporte aquaviário fora da Amazônia. A possibilidade de se viajar rapidamente de trem, além do benefício ambiental, poderia contribuir para desafogar o congestionado tráfego aéreo do Brasil.
Um pequeno alento nos chega com a Copa do Mundo e com as Olimpíadas. Alguns trens de alta velocidade entrarão em operação para conectar aeroportos e grandes cidades. Terminais portuários de passageiros também serão construídos, para receber principalmente cruzeiros, cujo mercado é um dos que mais cresce no Brasil e no mundo. Mas isso é muito pouco.
Mais hidrovias e ferrovias e mais gente viajando nessas vias. Esse seria um belo futuro para o transporte brasileiro. Muitas pessoas deixariam de morrer nas estradas. Teríamos um exemplo de conciliação entre desenvolvimento e conservação ambiental, que não oneraria mais o Estado. É apenas uma questão de opção e prioridades, mas ainda falta visão de futuro aos governos e à sociedade.
1. Simões, A. F. & R. Schaeffer (2002). Emissões de CO2 devido ao transporte aéreo no Brasil. Revista Brasileira de Energia. Vol. 9 (1): 1-9.