Visitantes por país

Free counters!
Mostrando postagens com marcador movimento ambientalista. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador movimento ambientalista. Mostrar todas as postagens

domingo, 1 de janeiro de 2012

Um balanço de 2011

Por Joaquim Maia Neto
A virada do ano é um momento em que as pessoas tradicionalmente fazem balanços e traçam metas para o futuro. Na realidade não existem diferenças significativas entre o dia 31 de dezembro de um ano e o dia primeiro de janeiro do ano seguinte. O ano é um fenômeno natural, decorrente do movimento de translação da Terra. É o tempo que a esfera na qual habitamos leva para completar uma volta em torno da estrela que nos fornece a energia necessária à manutenção da vida. A decisão de quando um novo ano começa é arbitrária, artificial, determinada pelo ser humano. Se o corte fosse feito ao final de uma das estações, o calendário seria mais natural. Um ano terminaria com o final do inverno e o ano novo se iniciaria com a chegada da primavera, por exemplo. De qualquer maneira precisamos de um calendário organizado para que a sociedade se funcione.
Fazer um balanço do ano que se encerrou pode ser muito útil para que não se repitam erros, para que possamos aprender com o que aconteceu no passado, para planejarmos o futuro, readequar metas, mudar rumos. Para um blog que se dispôs a discutir ao longo do ano temas de relevância para a sociedade, principalmente ambientais, é inevitável registrar algumas impressões sobre 2011. Infelizmente, por mais otimista que se possa ser, sob a ótica ambiental não há como fugir das más impressões no contexto brasileiro.
O ano ficou marcado por episódios que preocuparam ambientalistas, cientistas ou quaisquer pessoas com o mínimo de sensibilidade para com o meio ambiente. No ano que passou os trabalhadores que constroem a polêmica usina hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, se rebelaram contra condições sub-humanas de trabalho, escancarando o altíssimo custo social escondido nos mega-projetos desenvolvimentistas do governo/empreiteiras. Uma outra usina polêmica, a de Belo Monte, no Rio Xingu, teve sua licença de instalação concedida e suas obras iniciadas. Após um longo período de crescimento anual no número de unidades de conservação criadas, em 2011 não se criou uma única unidade federal, seja de uso sustentável ou de proteção integral. Neste mesmo ano avançaram diversos projetos de lei que fragilizam a gestão ambiental no país e retrocedem na proteção dos recursos naturais, mesmo contra a vontade popular manifestada nas pesquisas de opinião pública e contra a posição da comunidade científica. Foi o caso da aprovação do novo código florestal no Senado, que será novamente apreciado pela Câmara em março. A sanção da Lei complementar 140, que tirou poderes do IBAMA, atribuiu competências ambientais aos estados e municípios e impede que a União corrija malfeitos dos demais entes federativos, segue a mesma lógica. Diversas desafetações de Parques Nacionais, Florestas Nacionais e outras unidades de conservação estiveram na pauta do Congresso Nacional.
Na área energética, 2011 consolidou outro retrocesso. Entre 2000 e 2011 a matriz energética brasileira se tornou mais suja. A participação das usinas termoelétricas na matriz brasileira (em porcentagem da energia elétrica produzida no país) saltou de 9,7% em 2000 para 16,4% em 2011. Com o aumento da queima de carvão, óleo diesel e gás natural para a produção de energia elétrica, as emissões de CO2 referentes à eletricidade cresceram 19,38% no período.
Temos então um balanço ambiental negativo? Por um lado sim, não há como negar. Mas por outro, podemos enxergar alguns avanços. Nunca antes na história deste país, para usar um conhecido chavão, a sociedade discutiu tão profundamente as questões ambientais. O código florestal, o desmatamento da Amazônia e as emissões passaram a ser temas frequentes na mídia e nas rodas de discussões populares. Muita gente se engajou em ações ambientais e o tema deixou de ser exclusivo de técnicos, ONGs, governo e acadêmicos. O tamanho da preocupação ambiental da população, que ainda é muito pequeno diante da importância do assunto, nunca foi tão grande e ainda está sub-representado no parlamento, mas isso é uma questão de tempo. A atual representação das bancadas na Câmara e no Senado não reflete as recentes discussões ambientais. É esperado que nas próximas eleições nacionais a maior sensibilidade da população com o meio ambiente reflita num aumento da bancada comprometida com o tema.
Apesar das baixas perspectivas de avanços globais na Rio + 20, que acontecerá neste ano no Brasil, espera-se um fortalecimento na articulação política nacional pró-ambiente. O fato de o país sediar uma conferência ambiental de grande magnitude deve ser fator indutor de mobilização social, assim como ocorreu em 1992.
Em 2012 o movimento ambientalista tem como reverter o quadro aparentemente negativo delineado em 2011, mas para isso precisa aprender com os erros cometidos no ano passado. Em primeiro lugar precisamos aproveitar a mobilização no ambiente virtual, que foi intensa, para transformá-la em mobilização presencial, que tem muito mais poder de fogo. É preciso ainda que os ambientalistas dialoguem com amplos segmentos sociais que ainda permanecem alheios à discussão, traduzindo o debate em linguagem acessível a todos. A partir das eleições municipais deste ano, continuando em 2014, é necessário um amplo engajamento voltado à eleição de parlamentares e governantes comprometidos com uma agenda ambiental, além de trabalhar para a inserção de projetos ambientais nos planos de governo e de trabalho parlamentar.
Ao contrário de esperar pelo fim do mundo previsto no calendário Maia para este ano, vamos marcar 2012 pelo fim dos retrocessos ambientais e o início de um novo tempo no qual as pessoas percebam a falência do modelo de desenvolvimento capitalista que imerge o mundo em crises frequentes para as quais o receituário dos economistas tradicionais é o crescimento linear constante que nos levará ao colapso ambiental, com consequências econômicas negativas no futuro.

domingo, 10 de julho de 2011

As PCHs do Rio Turvo e o movimento ambientalista

por Joaquim Maia Neto

O Rio Turvo é um afluente da margem esquerda do Rio Grande, localizado inteiramente no estado de São Paulo. Nasce no município de Monte Alto e percorre aproximadamente 267 km até o seu desague, no município de Cardoso, divisa com Minas Gerais.
Mapa da Bacia Hidrográfica do Turvo/Grande
 No noroeste paulista, região onde o rio se localiza, predominam, do ponto de vista hidrográfico, grandes reservatórios artificiais oriundos de barragens de usinas hidrelétricas situadas nos rios Grande e Paraná. Devido às profundas alterações ambientais causadas pelas hidrelétricas, o Turvo passou a ser um dos rios mais importantes da região. Por ser um dos maiores cursos d’água livres de barramentos, desempenha um importante papel na conservação da ictiofauna. A topografia de sua bacia hidrográfica fez com que o rio desenvolvesse meandros e possibilitou uma grande planície de inundação que gera uma considerável diferença no tamanho do espelho d’água entre as estações seca e chuvosa. Essa diferença faz surgir, todos os anos, muitas lagoas marginais temporárias, perfeitos berçários naturais para alevinos de muitas espécies de peixes de piracema, que migram em direção às cabeceiras em cada ciclo reprodutivo. Permitindo que os peixes migrem e garantindo abrigo aos filhotes, o rio contribui significativamente para a manutenção da biodiversidade local, ameaçada pelos grandes barramentos.
Lagoas marginais do Turvo
(foto Amélito Fidélis)
Apesar de sofrer com grandes agressões, como supressão da vegetação ciliar, contaminação com agrotóxicos, captação excessiva de água para irrigação, pisoteio de gado na planície inundável, pesca predatória, entre outros, o Turvo propicia um grande espetáculo natural com ecossistemas que hoje são pouco comuns em São Paulo. É possível observar grandes concentrações de aves aquáticas buscando alimento em suas lagoas marginais e ainda há muitos peixes que são cada vez mais raros em outros rios, como o dourado, por exemplo. O sistema de meandros e lagoas marginais é tão rico e belo, que eu sempre achei que ali deveria ser criada uma unidade de conservação de proteção integral, como um Parque, que possibilitasse o desenvolvimento do turismo, o que é difícil principalmente devido ao valor das terras que deveriam ser desapropriadas.
Como se não bastassem as dificuldades que o Turvo enfrenta, uma nova ameaça paira sobre seu destino. A empreiteira Encalso pretende obter autorização da ANEEL para explorar o potencial hidrelétrico do Turvo, construindo duas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), uma na foz do Rio Preto e outra na Cachoeira do Talhadão, um importante atrativo turístico regional. As PCHs projetadas, apesar de operarem no modelo chamado “fio d’água”, não dispensarão barramentos e reservatórios para regularização de vazão. No total, serão alagados 7,9 quilômetros quadrados para gerar 28 MW de energia. O Prof. Dr. Arif Cais, biólogo da UNESP, calcula que a PCH do Talhadão reduzirá em 60% a vazão da cachoeira, o que prejudicará o turismo, a fauna aquática e todo o ecossistema.
Usinas hidrelétricas são empreendimentos causadores de diversos impactos ambientais. As PCHs são vantajosas em comparação com as grandes usinas. Seus reservatórios alagam áreas substancialmente menores e geralmente a relação entre área alagada e capacidade de geração é mais favorável. Apesar da vantagem ambiental, a construção de várias PCHs em uma bacia hidrográfica, muitas vezes em sequência ao longo de um rio, acaba potencializando o impacto. Nos processos de licenciamento ambiental desse tipo de obra é necessário que se faça uma análise integrada dos impactos causados pelos empreendimentos já existentes na bacia e uma projeção da situação futura. Em geral, os estudos integrados demonstram que o conjunto dos impactos é maior do que a soma dos danos de cada empreendimento analisado individualmente, pois existem efeitos cumulativos e a magnificação de um empreendimento sobre o outro.  
Cachoeira do Talhadão
(foto Amélito Fidélis)
No caso específico do Rio Turvo, mesmo que se construam apenas as duas PCHs propostas, a situação já se torna grave devido à alteração generalizada da bacia do Rio Grande causada pelas grandes hidrelétricas. Além dos impactos óbvios do alagamento, da supressão da vegetação e da movimentação de terra para construção do canal de adução, há ainda o impacto cênico na Cachoeira do Talhadão, causado pela redução drástica da vazão, e o impacto sobre a ictiofauna, que talvez seja o maior deles. Para quem não conhece, é bom que se diga que a Cachoeira do Talhadão não é um obstáculo para a piracema, pois ela é baixa e permite que os peixes saltem para montante, desde que haja água suficiente. O mesmo não ocorrerá com as barragens. Estas impedirão que as espécies realizem o fluxo migratório. A construção de “escadas de peixe” é uma boa medida mitigadora, mas não resolve o problema porque elas não são efetivas para boa parte das espécies.
Como tudo tem dois lados, o lado bom dessa história é a mobilização comunitária em torno do tema. Uma ONG ambientalista da região, a Associação de Defesa do Meio Ambiente, dos rios Turvo e Preto e da Cachoeira do Talhadão (AMERTP), iniciou uma grande campanha contra a construção das PCHs e, com a ajuda da comunidade científica, convenceu a população de que a região já produz a energia que precisa e que os benefícios a serem gerados pelas usinas não compensarão os danos ambientais. Foram realizadas petições eletrônicas, manifestações presenciais e articulações políticas. Conseguiram a proeza de trazer para o seu lado políticos de diversos partidos, que muitas vezes são oponentes entre si. Um senador do PSDB, três deputados federais (PSDB, DEM e PMDB) e três deputados estaduais (PT, PPS e PRB), ou seja, todos os sete parlamentares da região estão unidos em prol do meio ambiente e do interesse comunitário e contra uma empreiteira. Isso não é comum. É resultado da força do movimento. Mas não significa que a luta foi vencida, porque prefeitos estão sendo cooptados para defender as PCHs.
Vegetação ciliar do Rio Turvo
(foto Amélito Fidélis)
O caso regional do Turvo traz uma grande lição ao movimento ambientalista. É muito difícil convencer a sociedade partindo dos grandes temas. As lutas ambientais de âmbito nacional ou global são importantes, mas paralelamente deve-se construir uma massa crítica bem mais ampla, e só se chega a isso nas lutas locais, que afetam diretamente a população. Certamente a comunidade do município de Palestina, localidade onde está a cachoeira do Talhadão, está mais sensível para a questão ambiental e mais predisposta a apoiar lutas como as que as grandes ONGs ambientalistas promoveram contras as usinas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, na Amazônia. Assim como mobilizaram seus parlamentares para uma causa local, poderão fazê-lo no futuro para causas maiores. Agora sabem o que é uma audiência pública de licenciamento, pois vão participar das que discutirão as PCHs do Turvo.
Grandes ONGs, como Greenpeace, WWF, ISA, SOS Mata Atlântica, Conservação Internacional, entre outras, que têm grande capacidade de financiamento e articulação, deveriam fazer parcerias com ONGs regionais, como a AMERTP e tantas outras que estão no dia-a-dia das comunidades apoiando suas causas regionais. Em troca, teriam um contingente maior de pessoas sensibilizadas com a causa ambiental, que poderia ajudar na pressão política necessária ao equilíbrio, hoje incipiente, entre meio ambiente e desenvolvimento. É para essas pessoas, que estão nas comunidades, que os políticos pedem voto, e não para os dirigentes das grandes ONGs. A conjuntura ambiental pela qual o mundo está passando já não permite que os ambientalistas falem para poucos, para seus iguais. A participação comunitária no assunto é essencial para vislumbrarmos o dia em que um dano ambiental incomodará a sociedade tanto quanto a falta de vagas nos hospitais ou de professores nas escolas.


Projeto da PCH do Talhadão (arte Diário da Região)