Visitantes por país

Free counters!
Mostrando postagens com marcador unidades de conservação. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador unidades de conservação. Mostrar todas as postagens

domingo, 13 de novembro de 2011

Mais um parque retalhado: Serra da Canastra - o berço do São Francisco


Por Joaquim Maia Neto

O Parque Nacional da Serra da Canastra foi criado em 1972 para proteger uma área de extrema importância ecológica. O contexto da época era de pouquíssima preocupação com as questões ambientais. No mesmo ano as Nações Unidas realizaram pela primeira vez, em Estocolmo, uma conferência para discutir como desenvolver o mundo sem esgotar os recursos naturais ou comprometer drasticamente sua qualidade. Apesar da incipiente preocupação ambiental, há quase quarenta anos atrás os atributos naturais das Serras da Canastra e da Babilônia, bem como dos seus vales, rios e nascentes, de tão exuberantes, despertaram no poder público a preocupação em conservá-los para o futuro. 
Localização do Parque Nacional da Serra da Canastra
O Decreto que criou o Parque delimita uma área de aproximadamente duzentos mil hectares, abrangendo territórios de seis municípios mineiros e uma rede de nascentes e cursos d’água que abastecem as bacias hidrográficas dos rios São Francisco, Grande e Araguari (estes dois últimos pertencentes à bacia do Paraná). A riqueza hídrica da região talvez tenha sido a maior motivação para a criação da unidade de conservação, especialmente pelo fato de que a Serra da Canastra abriga a nascente histórica do Rio São Francisco. Algumas pessoas argumentam que o governo militar que dirigia o país naquele período teria mais motivações relacionadas à segurança nacional do que propriamente ambientais. Independentemente da motivação é inegável que, do ponto de vista ambiental, a área atingida pelo Parque faz jus a um manejo de proteção integral, pois todos os estudos científicos produzidos sobre a unidade, sua biota e seus ecossistemas demonstram haver, naquele local, extrema relevância para a conservação da biodiversidade.
Após a criação da unidade de conservação, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, autarquia federal que era responsável pela administração do Parque, iniciou a retirada do gado que ocupava parte da Serra da Canastra, o que levou à precipitação de vários conflitos que culminaram com a remoção truculenta das pessoas que ocupavam a área. Muitas dessas pessoas eram legítimos proprietários e tiveram que deixar suas propriedades recebendo apenas títulos da dívida agrária. No final da década de 70, toda a Serra da Canastra havia sido desocupada, mas ainda restavam a Serra da Babilônia e os Vales dos Cândidos e da Babilônia, que ainda permaneceram ocupados. O governo federal trabalhou na implementação da área desocupada e “esqueceu” as demais áreas. Com o tempo, o Parque se consolidou nos 71525 hectares da Serra da Canastra e tanto o IBDF quanto seu sucessor, o IBAMA, simplesmente ignoraram a área constante do decreto de criação da unidade. O IBDF chegou ao cúmulo de elaborar um plano de manejo que contemplava apenas as terras desocupadas o que fez com que as pessoas que ocupavam as demais áreas do Parque entendessem que estas tinham sido desafetadas. Na realidade, jamais existiu qualquer ato normativo que tivesse reduzido a área do Parque. A partir de 1988, por força da Constituição Federal, desafetações em áreas de unidades de conservação só podem ser feitas por Lei.
Apenas no ano de 2001 o IBAMA, que havia assumido a gestão do Parque em 1989, se deu conta de que não havia concluído o processo de regularização fundiária da unidade de conservação e resolveu cumprir sua obrigação, iniciando a elaboração de um plano de manejo para a área total, que prevê a desapropriação das terras que ainda não haviam sido regularizadas. Entre o ano de sua criação e o “despertar” sobre o erro que cometeu, o IBAMA chegou a emitir anuências para empreendimentos de mineração dentro do perímetro do Parque, pois sequer sabia que estas áreas se encontravam dentro dos limites da unidade. 
Lobo-guará no PARNA Serra
da Canastra
Foto: João Zinclar
Durante a elaboração do atual plano de manejo, que contou com estudos de renomados pesquisadores, ficou evidente a necessidade de conservação das áreas que ainda estavam ocupadas. Foram descobertos ecossistemas frágeis, espécies endêmicas, áreas naturais importantes em situação de ameaça e belezas cênicas em processo de destruição por atividades minerárias. Estudos com mamíferos ameaçados demonstraram que apenas a área regularizada não é suficiente para a conservação das populações dessas espécies no longo prazo. Essas descobertas chegaram num momento no qual a União se via obrigada a avançar na conservação do bioma Cerrado. Considerado um hotspot – bioma com alta biodiversidade e alto grau de ameaça – o Cerrado sofre com a expansão da fronteira agrícola e com a degradação de sua vegetação nativa. As metas de áreas protegidas no bioma ainda não foram alcançadas e a decisão tomada não poderia ser mais coerente: Se há necessidade de criação de novas unidades de conservação para proteger o Cerrado, não se pode abrir mão de uma área já criada, ainda mais com a relevância encontrada no Parque Nacional da Serra da Canastra, cabendo assim ao poder público providenciar a implementação do restante da unidade.
A decisão do IBAMA implicou novos conflitos. Além da população local e de proprietários de terras do Parque residentes em São Paulo e outras regiões de Minas, setores ligados à mineração passaram a exercer forte pressão política para a revisão dos limites da unidade de conservação. Na Canastra há grandes jazidas de diamante, e mineradoras estrangeiras com subsidiárias no Brasil não pouparam esforços em convencer parlamentares e ministérios da necessidade de desafetação. O IBAMA e posteriormente o Instituto Chico Mendes, que assumiu a gestão das UCs federais em 2007, prosseguiram nas ações de proteção previstas na Lei do SNUC, que são imprescindíveis no período que antecede a regularização fundiária. Na medida em que a União cumpria seu papel de proteger o Parque, cresciam as articulações políticas visando a desfiguração desta que é uma das mais importantes unidades de conservação do Cerrado.
Cachoeira Casca D'Anta,
na Serra da Canastra
Como resultado deste processo, a corda arrebentou do lado conservacionista, como vem sendo praxe no atual governo desenvolvimentista. Em 2007 os deputados Carlos Melles (DEM), Odair Cunha (PT), Maria do Carmo Lara (PT), Geraldo Thadeu (PPS) e Rafael Guerra (PSDB), todos de Minas Gerais, apresentaram e conseguiram aprovar na Câmara um projeto de Lei que retira 25% da área do Parque em benefício de mineradoras de diamante e quartzito, e de agropecuaristas que insistem em usar fogo para “renovar” pastagens, destruindo a vegetação nativa do Cerrado. O projeto foi aprovado com parecer favorável do relator na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) e agora tramita no Senado, onde foi designado como relator o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). Após a aprovação do projeto na Câmara, um de seus autores (Odair Cunha), não satisfeito com a desafetação de “apenas” um quarto do Parque, apresentou emenda na Medida Provisória 542/2011, que desafeta áreas em unidades de conservação da Amazônia para a construção de hidrelétricas. Pegando carona na iniciativa da presidente Dilma, inseriu um artigo, no texto a ser votado pelo Congresso, que exclui do Parque Nacional da Serra da Canastra os dois terços que ainda não foram regularizados.
Rodrigo Rollemberg é um senador que tem adotado uma postura responsável com relação ao meio ambiente (foi um dos poucos que votou contra o PLC 1/2010, que retira poderes do IBAMA), mas acabou apresentando um relatório prejudicial à conservação do Parque, induzido por um substitutivo apresentado pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio) que foi acatado no relatório. O substitutivo visa transformar metade da área não regularizada em uma unidade de conservação da categoria Monumento Natural. Essa categoria, prevista no Sistema Nacional de Unidades de Conservação entre as unidades do grupo de proteção integral, tem como objetivo “preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica”. Existem poucos Monumentos Naturais no Brasil. Em geral eles têm área pequena, restrita a um determinado atrativo e seu entorno. Apesar de serem de proteção integral, permitem a presença de pessoas nas áreas privadas, desde que desenvolvam atividades compatíveis com os objetivos da unidade.

Mapa representativo do substitutivo acatado no
relatório do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF)

Num monumento natural de quase 67 mil hectares, como o proposto pelo ICMBio, com muita gente morando em seu interior, é praticamente impossível atingir objetivos de proteção integral. Nas unidades de proteção integral só podem ser admitidos usos indiretos dos recursos naturais, o que é inviável de ser alcançado com pessoas vivendo dentro de seus limites. O substitutivo incorporado no relatório do senador Rollemberg, estabelece que serão admitidas atividades “agrícolas e pastoris”. Essas atividades constituem-se uso direto dos recursos naturais e, portanto, o projeto contraria a Lei do SNUC. Não se pode ter uso direto em unidade de proteção integral. O ICMBio propõe o Monumento Natural dos Vales da Canastra sob o argumento de que assim poderá manterá um manejo mais restritivo, mas na prática não é o que acontecerá.
Pode ser que a estratégia seja manter as pessoas, para aliviar a pressão que levaria à perda de parte importante da unidade. No futuro poderia se fazer uma desapropriação negociada. Essa pode ser a visão dos técnicos que deram respaldo a proposta do ICMBio. No caso concreto, tal estratégia é fadada ao fracasso. A possibilidade oficial de manutenção das pessoas dificultará qualquer iniciativa de desapropriação futura e a agricultura e pecuária, que continuarão sendo desenvolvidas, descaracterizarão os atributos que justificam a criação de uma unidade de proteção integral. As áreas que deixarão de ser Parque são tão importantes quanto as que hoje estão regularizadas.
O caso está mais para uma estratégia no sentido de ludibriar a opinião pública. Adota-se o discurso da preservação quando na realidade o que ocorre é a exclusão de uma área extremamente importante do Parque Nacional. Quando o objetivo é a conservação da natureza, a possibilidade de desapropriações e retirada de pessoas é capaz de mobilizar políticos e dirigentes de entidades ambientais públicas no sentido contrário. O mesmo não ocorre quando os objetivos são empreendimentos que movimentam vultosos recursos financeiros. A grande maioria dos parlamentares e o executivo não se importam com a remoção das pessoas que vivem nas áreas que serão alagadas pelas usinas hidrelétricas do PAC, mas quando se trata de retirar pessoas e empreendimentos para implementar um Parque necessário, geram-se reações contrárias fortíssimas, capazes de retalhar um santuário, o berço das águas do São Francisco.

domingo, 24 de julho de 2011

Quem cuida do meio ambiente no Brasil?

por Joaquim Maia Neto

A presidente Dilma Rousseff irá reduzir, por medida provisória, áreas de três unidades de conservação da natureza localizadas na Amazônia. O objetivo das desafetações do Parque Nacional da Amazônia e das Florestas Nacionais de Itaituba 1 e 2 é possibilitar o alagamento para viabilizar a construção de duas grandes usinas hidrelétricas. Outras unidades e algumas terras indígenas localizadas do bioma também estão na mira do governo. A Lei que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação impede, em alguns casos, e restringe em outros, a utilização dessas áreas protegidas para a implantação de empreendimentos que causam impacto ambiental. A mesma Lei determina que as áreas das unidades de conservação só podem ser desafetadas por meio de Lei.
A notícia foi divulgada poucos dias após o presidente do IBAMA declarar, em entrevista sobre a UHE de Belo Monte, que seu trabalho não é cuidar do meio ambiente. Ainda que a afirmação tenha sido um ato falho, talvez motivado pelo fato de estar se comunicando em um idioma estrangeiro, não deixa de ser sintomática. A declaração me fez relembrar outra, da então ministra chefe da Casa Civil, hoje presidente da república, que em Copenhague, durante a COP-15, disse que “o meio ambiente é sem dúvida nenhuma uma ameaça ao desenvolvimento sustentável”.
A psicologia explica que quando se comete um erro de discurso desse tipo, muitas vezes há alguma motivação, pouco consciente, oriunda de uma convicção próxima do que se disse, ou ainda causada por uma pressão no sentido de agir diferentemente do que deveria ser dito.
A prática da atual presidente da república, desde os tempos do Ministério das Minas e Energia, sempre foi de contraposição à área ambiental do governo, coerentemente com sua linha desenvolvimentista. Por sua vez o IBAMA nunca foi tão pressionado a agir em confronto com os objetivos de conservação da natureza constantes da Lei que o criou. Sendo assim, ambos os atos podem não ter sido tão falhos assim.
Analisando dessa forma, percebe-se certa dificuldade em responder a pergunta que intitula este artigo.
Desafetar unidades de conservação, por qualquer que seja o motivo, é uma ação que deveria ser precedida de estudos técnicos e científicos que justifiquem essa decisão, já que a criação delas é baseada em estudos que indicam a necessidade de se proteger os atributos naturais existentes num determinado espaço territorial. O próprio legislador, ao determinar a exigência de Lei para se reduzir ou extinguir uma unidade de conservação, ainda que criada por decreto, levou em consideração o princípio da precaução que está consolidado no direito ambiental e que visa impedir que a falta de informação científica possibilite uma perda irreparável dos recursos naturais com o consequente comprometimento dos seus serviços ambientais. Sabemos que a tramitação de um projeto de Lei envolve tempo e discussão, fatores que permitem trazer à luz as informações obtidas nos estudos. Em sentido contrário, a utilização de medida provisória para essa finalidade, além de arbitrária, distorce completamente o sentido da existência das unidades de conservação, pois subverte a relativa rigidez necessária na delimitação das áreas, fundamental para o planejamento e a gestão da conservação. Qual a urgência e a relevância que justificam uma MP dessas, se a construção de UHEs é uma atividade que envolve planejamento?
Parque Nacional da Amazônia
Foto: Arquivo ICMBio
Os gestores das unidades a serem vitimadas por essa  autoritária investida anti-ambiental do governo, manifestaram-se contrariamente à proposição, mas surpreendentemente, ou nem tanto, a direção do Instituto Chico Mendes, entidade gestora das unidades de conservação federais, vê esse processo com naturalidade, considerando-o “normal”. De fato a desafetação de unidades de conservação lentamente vem se tornando normal. Foi assim com a Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia, onde após grandes investimentos financeiros em uma megaoperação de fiscalização, houve a exclusão de cerca de dois terços da área para beneficiar pecuaristas produtores de “bois-piratas”. Provavelmente será  assim no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, onde parlamentares patrocinam um esquartejamento dos seus limites para que se perpetuem as queimadas e a exploração de rochas e diamantes no “berçário“ das águas do São Francisco. Além das reduções, observamos uma drástica desaceleração no ritmo de criação de novas unidades desde o segundo mandato do presidente Lula. Pelo jeito não é só o IBAMA que não cuida do meio ambiente.
Não importa quantas espécies vão se extinguir, quantas aldeias indígenas vão ser desalojadas, quantas unidades de conservação vão sucumbir ou quanto território será desflorestado. Precisamos de energia! E tem que ser hidrelétrica, pois é assim que o governo (ou as empreiteiras?) quer. Está sendo discutido, no âmbito do Ministério das Minas e Energia, o Plano Decenal de Expansão de Energia (2011-2020). No relatório de 343 páginas colocado à consulta pública, há um único parágrafo específico sobre fontes alternativas de energia e que ainda inclui entre estas as pequenas centrais hidrelétricas.
O PT é um partido com forte histórico de discussão e defesa das causas sociais e ambientais. Desde muito tempo organizou coletivos de meio ambiente em suas instâncias partidárias e formou muitos quadros na área. Esses quadros hoje estão no governo, apesar de alguns deles terem saído por divergências, como a própria Marina Silva. Por que, então, vemos tamanho retrocesso? Esse chamado “governo de coalizão” é um “governo em disputa”, como diziam aos dissidentes os petistas recém-alçados ao poder no Governo Lula. Esta é uma realidade tão certa quanto o fato de que a disputa está sendo amplamente vencida pelo “inimigo”. No loteamento que garante a governabilidade, o PT ficou com o controle da macroeconomia, da articulação política e com as áreas sociais, o que já é capaz de contemplar boa parte dos grupos do partido. Entre as pastas sociais estão saúde e educação, com orçamentos gigantescos controlados por petistas. Mas justamente os ministérios da agricultura, minas e energia e transportes, afins ao desenvolvimentismo que tem na figura da presidente da república seu grande baluarte, estão com aliados fisiológicos. São ministérios que movimentam grandes montantes de recursos, que gerem grandes contratos e que despertam grandes interesses. O recente escândalo nos transportes deixou isso evidente.
O raciocínio é simples: juntando-se uma presidente que não tem o DNA do PT (não tem a vivência nos coletivos partidários) e que é a “mãe do PAC” com aliados fisiológicos que controlam as pastas que tocam esse PAC, cria-se um terrível desequilíbrio na correlação de forças da disputa do poder. Não estou aqui tratando das questões éticas, porque nesse ponto a presidente é bem menos transigente que seu antecessor, fato que ficou nitidamente demonstrado com o afastamento sumário das cúpulas do DNIT, Valec e MT. Falo justamente do jogo de poder e de interesses. Como os projetos desenvolvimentistas aparentemente não se chocam com as áreas de educação e saúde e dão o norte à área econômica, quem é atropelado é o Ministério do Meio Ambiente.
Os históricos petistas do MMA, cuja prática é a mais democrática possível, são transparentes em tudo o que fazem. Envolvem os demais ministérios nas discussões ambientais e buscam a conciliação. Acreditam nessa forma de resolver conflitos. Enquanto isso levam rasteiras dos colegas de outros ministérios. Foi o que aconteceu com a votação do Código Florestal. O Ministério da Agricultura articulou-se nos bastidores e levou a base aliada e a maior parte da bancada petista a votar num texto retrógrado. Os outrora combativos militantes socioambientais aninhados na Esplanada, hoje estão passivos, aceitando mínimas mitigações nos licenciamentos ambientais das vergonhosas UHEs amazônicas, minúsculas reformas no horrível código florestal aprovado pela Câmara, insignificante participação na discussão da matriz energética, entre outras migalhas, sob o argumento que o governo estaria pior sem eles. Hoje são dirigidos no MMA e nas autarquias vinculadas, por “quadros com perfil técnico”, cuja ação prática é mais política do que a de políticos que os antecederam em governos passados.
Nos aniversários de 15 e 21 anos do IBAMA, o instituto adotou nas comemorações o slogan “cuidando do Brasil”. “Vamos Cuidar do Brasil” também foi o tema da II Conferência Nacional do Meio Ambiente, promovida pelo MMA. Se o papel dessas instituições não é o de cuidar do meio ambiente, resta saber qual é o Brasil que querem cuidar. O Brasil sustentável, com qualidade ambiental e oportunidades para as próximas gerações, e com respeito ao meio ambiente, aos povos indígenas e a todas as formas de vida, não é o que vem sendo projetado pelas empreiteiras, pelos ex-dirigentes das entidades ligadas ao Ministério dos Transportes, pelas Medidas Provisórias e pelos parlamentares que desmontam a legislação ambiental.

domingo, 26 de junho de 2011

Um olhar sobre a deficiência

Por Joaquim Maia Neto
Cerca de 15% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, segundo o censo 2010 do IBGE, o que representa um universo de mais de 28.600.000 pessoas. As deficiências são classificadas em visual, motora, auditiva, mental e física, e cerca de 40% dos que as têm, possuem mais de um tipo. 

Interessante notar que no dia-a-dia temos a impressão de que não há tantas pessoas com deficiência. Essa constatação é um mau sinal. Demonstra a nossa falta de preparo para lidar com esse contingente de pessoas que existem e têm o direito de usufruir dos benefícios que a vida em sociedade proporciona. Por que não vemos essas pessoas? Basicamente por dois grandes problemas: o preconceito e as barreiras. O preconceito faz com que as famílias e as próprias pessoas com deficiência fiquem reclusas, em maior ou menor grau. Isso ainda é muito comum em pequenas cidades do interior. As barreiras arquitetônicas, urbanísticas, de transportes ou de informações e comunicações, impedem ou dificultam muito o acesso de quem tem alguma deficiência, prejudicando até mesmo a sobrevivência dessas pessoas, pois as afastam do mercado de trabalho. No Brasil apenas 5% delas estão empregadas.
A inserção social das pessoas com deficiências vem crescendo no país, graças à luta de entidades comprometidas com a questão, ao avanço educacional e tecnológico e à evolução legislativa, que têm resultado em políticas públicas mais adequadas. A acessibilidade passou a ser uma preocupação obrigatória no planejamento público e nas atividades econômicas. Quando se discute acessibilidade, não estamos falando apenas das pessoas com deficiência, mas também de pessoas com mobilidade reduzida, seja de caráter permanente ou temporário, como idosos, pessoas obesas, gestantes, crianças, pessoas doentes ou com algum tipo de lesão temporária, etc.
A discussão e a implementação de políticas de acessibilidade há muito deixaram de ser vistas como mero assistencialismo. Hoje em dia o público beneficiado com essas políticas passa a ser visto como um conjunto de cidadãos com direitos e com potencial de inserção no mercado, tanto como trabalhadores, quanto como consumidores. O segmento do turismo, que é uma das atividades econômicas que mais crescem no mundo, é um exemplo de setor que passou a considerar a acessibilidade como um fator importante para aumento no faturamento e no desempenho de ações de responsabilidade social. O setor tem investido muito em construções acessíveis e em pessoal qualificado para atender pessoas com diferentes graus de limitações.
O Estado tem avançado ao criar leis para garantir os direitos das pessoas com deficiência como, por exemplo, as exigências de acessibilidade no transporte público em todas as suas modalidades e nos edifícios de uso público. As empresas com muitos funcionários têm percentuais obrigatórios de contratação de pessoas com deficiência. A regulação econômica dos serviços públicos concedidos tem incorporado exigências de atendimento às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.  
Não obstante os grandes avanços, percebemos que ainda há um grande passivo cultural e na execução das políticas públicas de acessibilidade. Na área de mobilidade urbana, deve-se tratar a questão de forma a garantir o máximo de autonomia para as pessoas que têm restrições em sua capacidade de locomoção, mas nem sempre é isso o que se vê. Ainda nos deparamos com muitas barreiras nas vias públicas. Nas calçadas são inúmeros os problemas que um cadeirante enfrenta. Faltam rampas nos cruzamentos e quando existem, muitas vezes têm uma inclinação que não atende às normas de acessibilidade, exigindo a ajuda de um terceiro para que sejam transpostas. É comum encontrar postes de sinalização, lixeiras e toldos em locais nos quais obstruem a passagem. O mesmo acontece com telefones públicos, que além de impedir a passagem, são raros os que têm altura adequada a um cadeirante. Degraus, muretas, rampas de acesso a garagens e pisos escorregadios são obstáculos igualmente comuns. Semáforos com dispositivos sonoros para cegos são raríssimos. No transporte coletivo urbano, quem se desloca com cadeira de rodas geralmente espera mais, pois muitos ônibus ainda não são acessíveis, apesar do crescimento da frota adaptada.
Não bastassem os obstáculos, ainda convivemos com situações de total desrespeito e falta de educação. Todos os dias vejo pessoas sem nenhuma limitação locomotora estacionando seus veículos, na maior cara-de-pau, nas vagas destinadas a pessoas com deficiência ou idosos. Em bares e restaurantes, muita gente utiliza o sanitário adaptado, muitas vezes emporcalhando-o, apenas para não ter que subir escadas, esquecendo-se que algumas pessoas não têm outra opção. Jovens ocupam assentos preferenciais no transporte coletivo e ainda é comum ver pessoas reclamarem do atendimento preferencial em bancos e estabelecimentos comerciais, como se não fossem ficar velhas ou com limitações. As companhias aéreas reduzem cada vez mais o espaço nas poltronas dos aviões, prejudicando principalmente as pessoas obesas.
O mesmo Estado que garante vagas separadas nos concursos públicos, exige, para alguns cargos, de maneira completamente desnecessária, um exame físico eliminatório que inviabiliza a participação no certame não apenas de pessoas que tem deficiência, mas de outras com mobilidade reduzida. Há casos em que estes exames se justificam, como para policiais militares ou agentes de polícia. Mas nos casos de peritos criminais ou delegados de polícia federal, só para citar dois exemplos, não há justificativa convincente, dada a predominância intelectual das atribuições. Até porque quando as deficiências ou reduções de mobilidade afetam esses profissionais após o ingresso na carreira, eles continuam na ativa, o que comprova a compatibilidade da condição de restrição com o exercício do cargo. A consequência prática dessa discriminação é o não aproveitamento de cérebros brilhantes que poderiam estar a serviço do Estado. Um exemplo da ficção ajuda a ilustrar a discussão: no filme “The Bone Collector”, exibido em 1999, o protagonista é um brilhante perito criminal tetraplégico, que desvenda a autoria de assassinatos em série.
As pessoas com deficiência são muito mais capazes do que pensa o senso comum. Como ocorre com todos, elas têm limitações em alguns campos, mas em compensação desenvolvem outras habilidades. O Brasil é referência mundial nos esportes paraolímpicos. As paraolimpíadas ajudam o mundo a valorizar as diferenças. Você, que agora lê este artigo, e que talvez não tenha deficiência, muito provavelmente tem um desempenho esportivo muito inferior ao dos atletas paraolímpicos. Já pensou nisso? Já pensou em uma pessoa portadora de deficiência praticando esportes de aventura?

Dadá Moreira e Joaquim Maia
no PARNA Serra da Canastra
Quando trabalhei no Parque Nacional da Serra da Canastra, tive uma lição de vida. Recebi a visita de Dadá Moreira, um advogado, jornalista e fotógrafo, portador de Ataxia Espinocerebelar, uma doença neurológica que prejudica o equilíbrio, a coordenação motora fina, a fala e a visão. Dadá é fundador da “Aventura Especial”, uma ONG que trabalha promovendo a recuperação psicossocial de pessoas que têm algum tipo de deficiência, por meio da pratica de esportes de aventura. Tive a oportunidade de assistir a uma palestra sua, após termos passeado juntos pelos principais atrativos do Parque Nacional, fazendo trilhas, nadando e tomando banho de cachoeira. A lição que aprendi com Dadá, é que a limitação está na nossa cabeça. Nosso preconceito e falta de confiança em nós mesmos e nos outros, são limitações muito superiores às limitações físicas. Vejam o vídeo da Aventura Especial no final do post, que é emocionante, e que vai fazer você rever seus conceitos. 
Dadá Moreira no
PARNA Serra
da Canastra
Dadá Moreira fez um diagnóstico sobre a acessibilidade no Parque, que infelizmente era e ainda é zero. O pior é que essa é a realidade da maioria das nossas unidades de conservação. Os Parques Nacionais e as demais unidades de conservação (UC) Federais, Estaduais, Distritais e Municipais onde a visitação pública é permitida são espaços privilegiados para a recreação em contato com a natureza e para o desenvolvimento do turismo de aventura. A visão de que, por serem ambientes naturais, não podem ser acessíveis, é equivocada e discriminatória. As pessoas com deficiência não reivindicam acesso a todos os atrativos de uma unidade de conservação, mas a alguns deles. Não se trata de negar as limitações, mas apenas de mostrar que as UCs, como qualquer outro espaço público, são de uso de todos, indistintamente. Todos os Parques deveriam ter alguns atrativos, de preferência os principais, com equipamentos de acessibilidade como rampas, passarelas, guarda-corpos, pisos adequados, entre outros, além de pessoas capacitadas para atender ao público que necessita desses equipamentos. Um pequeno impacto na paisagem poderia fazer com que o ambiente natural pudesse ser compartilhado por um número maior de pessoas.

As deficiências devem ser vistas pela sociedade com naturalidade, o que não quer dizer que devam ser ignoradas. O que há de mais rico na humanidade é a diversidade. As diversas manifestações culturais, étnicas, genéticas, religiosas, filosóficas, entre outras, nos ensinam a conviver com a diferença, e tal aprendizado enriquece a sociedade e ajuda a construir uma cultura de paz e tolerância. Nesse contexto, é importante que se entendam as deficiências como diferenças inerentes à diversidade humana, assim como o são outras formas de limitação. Aprendendo a conviver com as diferenças, podemos colaborar para que as limitações sejam superadas. Agir como se as deficiências não existissem é um erro e não ajuda a resolver o problema.