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sábado, 24 de dezembro de 2011

Reflexões natalinas*

Por Joaquim Maia Neto

Neste ano, resolvi mudar a tradicional “mensagem de boas festas”.  

Sempre desejamos um feliz Natal e um próspero ano novo, de maneira superficial. Parece uma obrigação lembrar das pessoas no Natal, cumprimentá-las e dar presentes às que são mais próximas.

Por que as pessoas dão presentes no Natal?

Mais do que manifestar o carinho pelo outro, o ato se transformou numa exigência introduzida nas nossas mentes por um poderoso sistema capitalista que valoriza as pessoas de acordo com o que elas podem consumir. E é incrível como não percebemos isso! Podemos lembrar das pessoas queridas em qualquer dia do ano. Mas a máquina da economia tem que girar, e então instituem-se datas para que as pessoas comprem mais. O Natal tornou-se mais uma delas.

Nas festas de fim de ano, até as pessoas que buscam ter uma vida ambientalmente menos impactante, aquelas que tentam reduzir o tamanho de sua pegada no planeta, acabam caindo na armadilha do consumo. Parece que quando o ano acaba, temos que dar um impulso no modelo insustentável no qual se transformou o padrão de produção e consumo da moderna sociedade global, para que a roleta que leva ao esgotamento dos recursos naturais não pare de girar.

Sempre achamos que precisamos mais do que temos. Sempre estamos insatisfeitos. Achamos que aquilo que vemos na vitrine dos shoppings pode nos fazer mais feliz e, ao conquistarmos essa efeméride, percebemos que temos uma próxima a conquistar. Frei Beto um dia disse que os shoppings são os templos modernos. Os produtos que compramos neles são nossos deuses, psicólogos, amigos. Só que essas coisas às quais damos tanto valor por tão pouco tempo, nos empobrecem, contaminam o planeta, esgotam os recursos naturais, viram lixo e nos tornam algozes daqueles que colocamos no mundo para perpetuar nossa espécie.

Hoje em dia, muitos dão mais valor a um bem material do que a uma vida humana. Outro dia ouvi um colega comemorar o fato de que o corpo de um suicida, que se jogou de um prédio, não caiu em cima do seu carro. Se valorizamos tão pouco a vida humana, o que dizer das inúmeras outras formas de vida que desrespeitamos e subjugamos apenas para nos trazer um conforto perdulário e socialmente injusto, porque não pode ser compartilhado por todos os nossos irmãos devido a uma simples questão de limitação do nosso planeta.

Há muito tempo que me incomodo com isso. Para não ser antipático, eu continuava a desejar boas festas, lançando mão de argumentos religiosos e sociais, a fim de sensibilizar as pessoas. Mas isso também tem me parecido hipócrita. Sendo o Natal uma festa Cristã, o Cristo fazia parte dessas minhas mensagens, para que o seu exemplo pudesse fazer as pessoas refletirem. Mas infelizmente o cristianismo distorcido tem agravado a situação. Inúmeras novas religiões “cristãs” prometem e pregam o sucesso financeiro e o apego material. Datas religiosas têm sido usadas para induzir o consumo. Além do Natal, a Páscoa tornou-se data de comercial, e até a Paixão de Cristo estimula o consumo do bacalhau, espécie sobreexplotada que pode desaparecer em alguns anos. Símbolos que são incompatíveis com a doutrinação consumista são esquecidos. Já perceberam que todos têm uma árvore de natal (geralmente exótica, artificial ou morta), mas cada vez vemos menos presépios? O Cristo nascido em uma manjedoura pobre não combina com o Natal opulento que costumamos celebrar. Rezamos pelos famintos do mundo e enchemos a pança de carne e bebidas. O cristianismo está sendo usado pela religião do dinheiro para fortalecer essa economia excludente, insustentável e destruidora da vida. E por que as igrejas ainda não se rebelaram?

Além disso, ultimamente tenho percebido que muitas religiões não cristãs têm uma doutrina e valores muito mais compatíveis com o respeito à natureza e com a noção de que o ser humano está intimamente ligado à malha que une todas as formas de vida. Isso é fundamental em uma época em que presenciamos o inútil esforço que o homem tem feito para se alijar da teia da vida.

Diante de tudo isso isso, não tenho mais vontade de ficar mandando mensagens de boas festas. A tendência é que, perpetuando o atual modelo reforçado anualmente pelas festas de fim de ano, a cada ano tenhamos menos a comemorar. A publicidade das “felicidades do consumo” ainda nos impedirá de ver, durante algum tempo, as catástrofes causadas pelas mudanças climáticas, a extinção das espécies, a destruição das florestas, a contaminação dos nossos alimentos, a fome dos que vivem em áreas degradadas. O conforto que o consumo nos proporciona ainda aplacará por algum tempo nossos raros momentos de indignação. A inexorável realidade é que um dia as consequências do nosso egoísmo chegarão às nossas portas, ou o que é muito pior, às portas daqueles que ainda não estão aqui.

Ao invés de desejar feliz Natal e feliz ano novo, desejo que todos nós mudemos a partir de hoje e durante todos os nossos próximos dias, independentemente da data, do ano, da estação. Que a compaixão que nos toca diante do sofrimento óbvio, nos toque também diante do sofrimento atual do planeta e do sofrimento futuro dos nossos semelhantes, estes não tão óbvios, já que estão escondidos no sistema que nos faz comprar e descartar sem refletir.
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*Texto adaptado de carta enviada aos meus amigos no Natal de 2010. Acredito que continua atual. Desculpem-me os que já leram.

domingo, 18 de dezembro de 2011

O código anti-florestal

Por Joaquim Maia Neto
Fonte:
 http://psoljundiai.blogspot.com/

No último domingo eu deveria ter postado um texto sobre o código florestal aprovado no Senado, que volta à Câmara devido às alterações feitas pelos senadores. Não o fiz porque o Senado demorou a disponibilizar o texto final, pois houve alterações feitas na última hora, durante a votação em plenário. Nesta semana, com o texto final em mãos, passei a compará-lo com o que fora aprovado na Câmara, a fim de atualizar as informações prestadas no artigo escrito à época da aprovação pelos deputados. Ao reler a página neste blog sobre as alterações promovidas pela Câmara na Lei atual, percebi que os senadores mantiveram os principais pontos prejudiciais à conservação ambiental.
O relator na Comissão de Meio Ambiente, senador Jorge Viana (PT-AC), alardeou um “consenso” que teria levado a um texto possível, fruto de acordo entre ambientalistas e ruralistas, que representaria grande avanço em relação ao documento oriundo da Câmara. Na realidade não foi isso que ocorreu. A favor do meio ambiente, apenas três pontos foram melhorados pelos senadores: a retirada da competência dos estados na definição de outras atividades passíveis de serem aceitas em APP, que passa a ser exclusiva da União; a necessidade de aprovação da localização da reserva legal pelo órgão ambiental (no texto da câmara a RL seria apenas informada no Cadastro Ambiental Rural) e; os incentivos econômicos para produtores rurais que desenvolvam ações de conservação.
O primeiro ponto foi imposição do executivo, que nunca quis descentralizar as decisões sobre intervenções em APP aos estados. A descentralização entrou no texto da Câmara por uma emenda do PMDB, que na época provocou protestos do Planalto. A aprovação da localização da Reserva Legal é condição para que ela cumpra seu papel, pois um simples cadastramento teria um caráter meramente cartorial. Já os incentivos econômicos representariam grande avanço se não fosse o profundo afrouxamento sobre os mecanismos de comando e controle presente no texto.
Assim como os mecanismos de comando e controle, os econômicos não funcionam isoladamente. O novo código aprovado pelo senado estendeu os incentivos econômicos àqueles que deixaram de cumprir a legislação e agora serão anistiados. O sentido desses incentivos deveria ser premiar os que cumpriram a Lei, mas, além disso, o Congresso resolveu usá-los para salvar o bolso daqueles que desmataram e deveriam recuperar o dano que causaram. Após auferirem lucros com a degradação ambiental, os desmatadores poderão receber dinheiro público para recuperar o passivo que geraram. Eles ganham degradando e a sociedade paga o prejuízo.
Não vou repetir os pontos negativos já destacados no artigo anterior. Exceto os três aqui destacados, todos os demais permanecem. Mas alguns pontos merecem ser discutidos.
Durante a campanha para o segundo turno das eleições presidenciais, a então candidata Dilma Rousseff, empenhada em angariar eleitores que haviam votado na Mariana Silva no primeiro turno, se comprometeu a vetar qualquer iniciativa que concedesse anistia aos desmatadores. É muito pouco provável que a hoje presidente cumpra com sua promessa, já que sua equipe, incluindo a atual ministra do meio ambiente, participou ativamente do acordo que levou à aprovação do código. A anistia consta explicitamente do texto e se estende a todos que descumpriram a legislação até 22/7/2008. Os que defenderam essa data como limite argumentam que ela coincide com a publicação do Decreto 6514 que regulamenta as sanções administrativas previstas na Lei de Crimes Ambientais e que a partir dessa data o Estado criou mecanismos para punir infratores. Não é verdade. Desde 1999, um ano após a publicação da Lei de Crimes Ambientais, havia regulamentação para aplicação de penalidades. O decreto 3179/1999 estabeleceu as punições e vigorou até a publicação do 6514 que o revogou. A data de 2008 para conceder anistia é fruto da esperteza dos ruralistas, sem nenhum fundamento que a justifique.
O novo código é um imenso retrocesso na legislação ambiental brasileira. Neste sentido, só perde para a Lei Complementar 140, sancionada pela presidente Dilma no último dia 8/12, que tira poderes da União, deixando os estados e municípios livres para fazer gestão ambiental sem que a União possa corrigir eventuais falhas. Na prática a Lei esvazia as atribuições do IBAMA. Este assunto também foi objeto de um artigo neste blog. A ministra do meio ambiente, Izabella Teixeira, servidora de careira do IBAMA, escapou de assinar a Lei, já que estava em Durban, na África do Sul, participando da COP 17. Deixou a tarefa inglória ao secretário executivo.
Voltando ao código, apenas para citar alguns retrocessos em relação à legislação vigente, há muitos pontos preocupantes além da ampla anistia. Com a publicação da nova lei passarão a ser consideradas pequenas propriedades rurais, para as quais a legislação ambiental é menos exigente, aquelas com até 4 módulos fiscais (até 400 ha na Amazônia). Hoje o tamanho máximo dessas propriedades é de 150 ha. Ampliou-se muito o rol de intervenções que passarão a ser consideradas de utilidade pública ou interesse social e consequentemente poderão ser desenvolvidas em APP. Até estádios de futebol poderão ocupar o lugar das matas ciliares, além de infra-estrutura de educação, lazer e cultura. A competência para estabelecer novas tipologias de empreendimentos passíveis de serem desenvolvidos em APP deixará de ser do CONAMA e passará à competência da Presidente da República.
Empreendimentos de carcinicultura e salinas implantados ilegalmente em ecossistemas frágeis e importantes, como apicuns e salgados, passam ser regularizados. Essas áreas, geralmente adjacentes a manguezais, são importantes para a reprodução de muitas espécies marinhas, inclusive o peixe-boi-marinho, que já está altamente ameaçado. Muitas propriedades amazônicas terão sua reserva legal reduzida de 80% para 50%. As compensações ambientais (contribuições financeiras para compensar obras muito impactantes) que hoje se destinam às unidades de conservação, poderão ser utilizadas até em parques urbanos voltados mais ao lazer do que à conservação. As regras para punir proprietários que queimam a vegetação nativa se tornarão muito mais complexas, dificultando sobremaneira a fiscalização. Enquanto hoje o proprietário deve proteger sua propriedade contra o fogo para não ser autuado, com a nova lei o fiscal vai ter que provar que o dono da terra agiu para que o incêndio acontecesse, o que é muito difícil na prática.
Apenas sete senadores votaram contra esse projeto de lei que tem como característica mais marcante a impunidade: Cristóvam Buarque (PDT-DF), Fernando Collor (PTB-AL), Lindbergh Farias (PT-RJ), Marcelo Crivella (PRB-RJ), Marinor Brito (PSOL-PA), Paulo Davim (PV-RN) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP). Veja a votação nominal na página do Senado.
Fazendo um balanço deste primeiro ano de governo de Dilma Rousseff, é possível constatar seu sucesso em desmontar a legislação ambiental brasileira. Como ministra da Casa Civil ela bem que tentou, mas não dispunha do poder que tem agora. Não é por acaso que a bancada ruralista se destacou tanto neste ano que termina. Ela não teria o êxito que teve se não houvesse um governo altamente alinhado com seus interesses. Foi curioso ver a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), maior expoente da bancada, elogiar a ministra Izabella Teixeira pela sua atuação nas negociações do novo código. Isso mostra a sintonia do governo com os ruralistas. Nem adianta apelar ao bordão “veta Dilma”, porque isso é uma ilusão.

domingo, 11 de dezembro de 2011

O veneno nosso de cada dia

Por Joaquim Maia Neto

Editoria de Arte/Folhapress

Na semana passada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA divulgou o resultado do levantamento do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos de Alimentos (PARA), referente ao ano de 2010. Os resultados são alarmantes. Foram avaliados 18 produtos muito comuns na alimentação do brasileiro e 27,9% das amostras apresentaram dados insatisfatórios. Uma amostra é considerada insatisfatória para o consumo humano quando nela são detectados resíduos de agrotóxicos não autorizados, agrotóxicos autorizados com resíduos acima dos limites máximos permitidos ou quando ocorrem ambas as situações. O maior problema é com os não autorizados. Em 26,2% das amostras foram encontrados resíduos de produtos não permitidos no Brasil, sendo que em 1,9% o problema ocorreu simultaneamente com a presença de agrotóxicos autorizados encontrados acima do limite máximo aceitável. Parece pouco, mas não é, principalmente se considerarmos que estes números são médios entre todos os itens pesquisados e que há alimentos específicos para os quais os percentuais são muito superiores.

O caso mais grave é o do Pimentão, com 91,8% de reprovação e com todas as amostras reprovadas contendo agrotóxicos proibidos. Morango, pepino, alface, cenoura, abacaxi, beterraba, couve e mamão também possuem índices não seguros. Para estes produtos é muito recomendável consumir apenas orgânicos.

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta. Superou os EUA, antigo líder, em 2008. A média de consumo é de 5 Kg por habitante ao ano. Diversos produtos banidos em várias partes do mundo encontram no Brasil o ambiente que necessitam para continuar sobrevivendo, pois nossa legislação é frouxa. Dos 50 princípios ativos mais utilizados aqui, 20 são proibidos na União Europeia. O endosulfan, muito utilizado no pimentão, já foi banido nos EUA e na China, mas ainda pode ser utilizado no Brasil até 2013. A ANVISA tem enfrentado muitas ações judiciais contra resoluções proibindo o uso de agrotóxicos. É comum que os fabricantes consigam liminares que permitem a continuação da comercialização de produtos perigosos. 
Aplicação aérea de agrotóxicos
Fonte: http://www.envolverde.com.br/

O uso excessivo de agrotóxicos no Brasil é fruto da ação de empresas transnacionais que, enfrentando grandes restrições nos seus países de origem, redirecionam seus investimentos para países nos quais conseguem impor o consumo de seus produtos. Nosso país adota políticas que favorecem essa prática. O governo federal concede isenções e reduções tributárias a vários produtos utilizados como “defensivos” agrícolas, inclusive aqueles altamente perigosos, como o já citado endossulfan e o metamidofós, como forma de fomentar a agricultura. Tal política é um grande equívoco, pois leva a sociedade a financiar seu próprio envenenamento. Enquanto o governo implementa políticas extremamente tímidas de incentivo à agricultura orgânica, com parcos recursos destinados à área, subsidia pesadamente a agricultura envenenada com desoneração tributária. Os produtos orgânicos já são naturalmente menos competitivos e os incentivos tributários aos agrotóxicos os tornam ainda mais caros quando comparados aos produtos convencionais. Além da renúncia tributária sobre os agrotóxicos, o governo se onera adicionalmente com os gastos do sistema público de saúde direcionados ao tratamento de doenças causadas pelo envenenamento a que estão sujeitos trabalhadores rurais e consumidores.

As pessoas acreditam que, ao adquirirem hábitos alimentares que privilegiem a ingestão de vegetais, estão trabalhando a favor de sua saúde e qualidade de vida. Isso deveria ser verdade se não fosse a quantidade de veneno existente em nossos vegetais. Não há agrotóxico seguro. Os seres vivos são muito semelhantes, em especial os animais. Se um princípio ativo é prejudicial a um inseto considerado praga agrícola, ele também será prejudicial ao ser humano. A diferença é apenas de escala. Se o agrotóxico mata uma lagarta por meio de processos bioquímicos que interferem negativamente em seu metabolismo, provocará o mesmo efeito ou efeito muito parecido em um humano, com a diferença de não levar à morte instantânea devido à dosagem relativa à massa corporal da pessoa, mas poderá provocar doenças crônicas. Análises têm encontrado resíduos de agrotóxicos em secreções e tecidos humanos em todo o país. Há casos de altas dosagens de agrotóxicos em leite humano. Taxas altas desses produtos no organismo estão relacionados à maior incidência de câncer, déficit de atenção, problemas neurológicos, disfunções glandulares, infertilidade, malformação em fetos e mutagênese, podendo em muitos casos reduzir consideravelmente o tempo e a qualidade de vida do afetado.

Os efeitos dos agrotóxicos não se restringem à saúde humana. Diversos impactos ambientais são causados pelo uso excessivo e inadequado desses produtos químicos. Sua aplicação contamina o solo e a infiltração leva o produto até os aquíferos, que muitas vezes são utilizados no abastecimento humano. Aviões são utilizados para espalhar o produto na lavoura e essa forma de aplicação promove a dispersão além dos limites da cultura que se deseja “proteger”. A biota é extremamente afetada. Há um desequilíbrio ecológico causado pela eliminação de algumas espécies. Espécimes resistentes permanecem e propiciam o surgimento de populações de pragas imunes à dosagem aplicada, dando início a um círculo vicioso que leva à aplicação de dosagens cada vez maiores e de produtos cada vez mais agressivos. O processo de bioacumulação dissemina o veneno pela cadeia trófica e assim seus efeitos atingem uma magnitude muito grande. As pessoas e os animais podem se contaminar pela ingestão de organismos que concentram grandes quantidades de resíduos químicos, como por exemplo, as aves que ingerem insetos contaminados. Os ambientes aquáticos (rios, lagos, mar) acabam concentrando grande parte da poluição química, pois a drenagem natural faz com que a água contaminada escoe até atingir os corpos hídricos. Como a pesquisa da ANVISA é focada apenas nos produtos frequentes na dieta humana, não há como calcular o impacto causado pelas grandes monoculturas de soja e cana-de-açúcar. Certamente essas duas lavouras contribuem muito para a poluição ambiental causada por agrotóxicos, devido à extensão da área que ocupam.

Quando da introdução dos organismos geneticamente modificados na agricultura brasileira alardeou-se que um dos grandes benefícios dos transgênicos seria a redução no uso dos agrotóxicos. O que ocorreu foi exatamente o contrário. A indústria dos transgênicos em geral faz parte da mesma cadeia produtiva dos agrotóxicos e tem direcionado seus esforços apenas ao aumento da produtividade e à resistência a herbicidas. No caso dos herbicidas, com o desenvolvimento de variedades geneticamente resistentes, o uso do glifosfato explodiu.

Urge alterar completamente a política brasileira de agrotóxicos. É necessário eliminar incentivos que estimulem o aumento na utilização de produtos tóxicos e direcionar estes incentivos para a agricultura orgânica. O fortalecimento das instituições reguladoras é essencial. Ainda que seja louvável a atitude da ANVISA em divulgar anualmente os níveis de contaminação, é injusto jogar a responsabilidade apenas no consumidor. A fiscalização do uso de agrotóxicos é quase inexistente. IBAMA e ANVISA atuam na aprovação e registro dos produtos, mas não têm condições de acompanhar adequadamente o mercado e o contrabando de substâncias proibidas. Os processos de banimento são morosos e concedem prazos de adaptação muito longos, privilegiando o interesse da indústria em detrimento do interesse público. A justiça deveria responsabilizar os fabricantes pelos danos à saúde e ao meio ambiente causados pelos agrotóxicos. A situação dos alimentos contaminados é muito pior do que o caso da indústria do tabaco, pois na questão dos agrotóxicos, os consumidores consomem produtos inadequados sem saber que estão se envenenando.

Paralelamente ao incremento da fiscalização e da implantação de mecanismos econômicos de desestímulo ao uso de agrotóxicos, deveria haver um trabalho de educação da população. A opção por produtos grandes, vistosos, sem defeitos, por aqueles de clima diverso do nosso ou ainda por produtos fora de época é fator que estimula o mercado a usar mais agrotóxicos, colocando o consumidor em risco maior. A reação dos vegetais ao ataque de outros organismos pode se manifestar na forma de uma pequena deformidade do fruto ou outra parte comestível. Insetos podem causar pequenos danos na aparência dos produtos sem, contudo, prejudicar sua qualidade. Vegetais cultivados fora de seu clima ou época ideal ficam mais suscetíveis aos ataques de organismos prejudiciais, incentivando os produtores ao uso de substâncias químicas nocivas. O consumidor bem orientado aprenderá a não valorizar apenas a aparência e a optar por produtos que causem menos impacto ao meio ambiente e à sua saúde, o que não pode levar à omissão do Estado em cumprir o seu papel regulador, impedindo que o lucro de poucos se transforme na doença de muitos.
Divulgação ANVISA

domingo, 4 de dezembro de 2011

Golpe baixo

Por Joaquim Maia Neto
É impressionante como o poder do capital supera divergências ideológicas e rivalidades políticas. A revista Veja, um dos mais tendenciosos veículos de imprensa do país, é capaz de se alinhar com o governo quando o assunto é a defesa dos interesses das empreiteiras, do agronegócio e das petroleiras. É o que podemos deduzir da edição distribuída neste domingo (nº 2246), com três matérias “ambientais” na sequência (páginas 140 a 152). Em uma das matérias a revista afirma, referindo-se ao código florestal aprovado recentemente nas comissões do Senado, que “O novo código é o primeiro passo para conciliar preservação e desenvolvimento econômico”. Em outra, destaca cientistas que fraudaram pesquisas que associam o aquecimento global à atividade industrial, mas omite uma infinidade de estudos sérios que indicam a natureza não natural do aumento de temperatura que testemunhamos nos dias de hoje. Mas é a matéria de capa que será tratada neste artigo.

A publicação semanal dos Civita até que presta alguns serviços ao país denunciando falcatruas que ocorrem na administração pública, mas costuma exagerar, beirando a leviandade, quando os fatos comprometem o governo do PT. Não tem a mesma combatividade contra os tucanos. Simplesmente esqueceu o escândalo da inspeção veicular existente no Rio Grande do Norte, com conexões em São Paulo, que envolve tucanos de alta plumagem. Será que essa postura guarda alguma relação com o fato de a Editora Abril não ter sido contemplada no pacotão de salvamento das empresas de comunicação promovido pelo governo Lula, que salvou as Organizações Globo? De qualquer maneira, a liberdade de Veja é necessária num estado democrático de direito. É melhor convivermos com os excessos inerentes à democracia, do que com a censura.

O “estranho” alinhamento de Veja com o governo veio com uma matéria escandalosamente superficial, recheada de informações parciais e distorcidas, voltada a desqualificar um trabalho de militância ambientalista de um grupo de estrelas da Rede Globo. Dezenove atores globais lançaram um movimento (movimentogotadagua.com.br) que tem como principal instrumento de divulgação um vídeo no qual criticam a construção da futura Usina Hidrelétrica de Belo Monte, projetada para o Rio Xingu, no estado do Pará. De acordo com a revista, alguns vídeos postados na internet com a participação de estudantes de engenharia e economia da Unicamp e da UnB, além do apresentador Rafinha Bastos, famoso por suas declarações polêmicas de caráter homofóbico, racista, machista e discriminatório, teriam “nocauteado” as estrelas da Globo por meio de argumentos inteligentes e supostamente calcados em pesquisas, em oposição as “tagarelices” e à “desinformação” dos globais, nas palavras da Veja.

Os vídeos que Veja utiliza para fundamentar sua matéria, são sátiras ao filme do movimento contrário à usina e têm uma linha fascista pois, apesar de aparentemente rebaterem as informações dos globais com dados técnicos, é evidente a motivação voltada à desqualificação das pessoas dos atores, apenas por estarem vinculados profissionalmente a uma emissora com perfil reacionário. São assim, mais reacionários do que a própria Rede Globo.

O histórico de comprometimento das Organizações Globo com o atraso do país, efetivado na sua estreita relação com setores oligárquicos da política nacional, faz com que os vídeos dos estudantes e a matéria de Veja tenham algum apelo junto aos “inconformados” mais desavisados que, caindo na armadilha fascista da desqualificação pessoal por meio do rótulo “Global” imputado aos artistas, atacarão o movimento pensando atacar a Globo. Estes que hoje rotulam os artistas para desqualificá-los, já fizeram o mesmo com comunistas, petistas, socialistas, ambientalistas, religiosos e tantos outros, tratando-os como ingênuos, irresponsáveis, loucos ou lunáticos. Da mesma forma já desqualificaram ONGs sérias, com o argumento de que estão “a serviço de interesses estrangeiros”. Por que não fizeram o mesmo com o movimento “Sou Agro”, também estrelado por (outros) artistas globais? Será que é porque seus interesses ocultos são coincidentes? Cabe perguntar se a motivação de Veja e dos estudantes é apenas o interesse no debate construtivo ao desenvolvimento do país ou se há alguma influência das empreiteiras que vivem de dinheiro público, engordam, direta ou indiretamente, as carteiras de publicidade do grupo Abril e contratam engenheiros treinees recém-formados, como serão em breve os “cultos” atores do Youtube favoráveis à Belo Monte.

Feitas as devidas considerações acerca da motivação da reação, vamos ao debate sobre a usina. É preciso que se diga que Veja omitiu o fato de que cerca de 350 cientistas e intelectuais brasileiros de diversas instituições públicas e privadas, incluindo renomadas universidades, encaminharam à presidente Dilma uma carta criticando a construção da Usina de Belo Monte, com argumentos científicos que justificam a oposição ao projeto.

Um dos supostos “golpes” dos estudantes que teria levado a nocaute os artistas, é a constatação de que o Brasil precisa de incremento na produção energética para fazer frente à demanda representada pela duplicação do consumo nos próximos dez anos, considerando a projeção de crescimento de 5% ao ano. Se o Brasil não atender a esta demanda “a economia vai ficar travada”. Este é um argumento baseado na lógica de que desenvolvimento é igual a crescimento, uma tese que vem sendo desmontada pela chamada “economia verde”. Fruto da ganância capitalista, a política de crescimento contínuo é insustentável e responsável por danos ambientais, geração de resíduos e esgotamento dos recursos naturais. Tal política sequer garante distribuição de renda e justiça social, e o colapso ambiental que provoca leva à crise econômica futura.

Veja é brilhante na arte da manipulação de números e informações. Destaca o cálculo de um engenheiro mostrando o percentual de floresta que será alagada em relação à área total da Amazônia Legal. Claro que esta porcentagem é pequena, mas Veja não informa que a Amazônia Legal não é só floresta e “esquece” que Belo Monte é apenas uma das usinas projetadas para a região. Além disso, os impactos de uma UHE sobre o ecossistema não são restritos às árvores que serão suprimidas, mas contemplam a alteração da dinâmica hidrológica, a obstrução do trânsito da fauna aquática, a eutrofização do ambiente, entre outros. Deve-se considerar o percentual de espelho d’água impactado pelo conjunto das usinas em relação à bacia hidrográfica. Dizer que metade da área alagada é o próprio leito do rio é uma típica distorção dos fatos, pois transformar um ambiente aquático lótico (água corrente) em lêntico (água parada) é uma alteração ambiental negativa altamente significativa.

Outra grosseira manipulação dos fatos é cometida acerca da diferença de vazão do Rio Xingu entre os períodos de maior cheia e de maior seca. Utilizando os próprios dados publicados pela revista, percebemos que a vazão mínima é de menos de 3% da vazão máxima. A comparação que a revista usa, mostrando que esta vazão mínima pode encher 1600 piscinas olímpicas por hora, só não me faz rir porque eu sei que ela engana leitores que não estão familiarizados com o assunto. Já que é para manipular números, vamos dar outro exemplo. Se você tem um copo com 250 ml de água e outro com 3% deste volume, ou seja, 7,5 ml, o que você dirá deste copo? Que está praticamente vazio, não é?
Fonte: http://www.paginainternacional.com.br/

Com base no depoimento de um cacique, Veja afirma que os índios estão satisfeitos com a obra. Uma rápida busca no Google mostrará diversos vídeos de manifestações indígenas contra a usina. Mesmo que nenhum palmo de terra indígena seja alagado, o que é contestado por muitos pesquisadores e engenheiros, a preocupação dos povos do Xingu é com a alteração ambiental que a obra causará e que poderá impactar suas terras de maneira negativa. Qualquer barramento de rio é desastroso para a ictiofauna, que é uma fonte de alimento importante para índios e ribeirinhos.

Outro exemplo de desqualificação reverberada pela Veja é a fala de uma estudante da Unicamp a respeito da localização do Parque do Xingu. Qualquer brasileiro médio, ao olhar o mapa, dirá que o Parque está abaixo da barragem, pois em geral as pessoas, ainda que equivocadamente, consideram que algo que está mais ao sul “está mais abaixo”. Nem todos sabem que, tecnicamente, em uma bacia hidrográfica algo está mais abaixo quando está a jusante, e não a montante, como é o caso do Parque em relação à barragem. Utilizar uma fala que é comum na linguagem popular para desqualificar o vídeo é altamente tendencioso. A distância de mil quilômetros do Parque do Xingu até a barragem é um mero detalhe, porque muito mais próximo do que isso estão várias outras terras indígenas e importantes unidades de conservação, como a Reserva Extrativista Rio Xingu e a Estação Ecológica da Terra do Meio, que sofrerão indiretamente os impactos da barragem.

Energia hidrelétrica não é energia limpa. Maitê Proença está certa. A frase simplista, quase infantil de um estudante da Unicamp, que diz que é limpa porque a água sai como entrou, não deveria embasar matéria jornalística de uma revista que se diz séria. Reservatórios de usinas hidrelétricas emitem metano oriundo da matéria orgânica morta em consequência do alagamento, em quantidade muito superior aos processos naturais que ocorrem na floresta, mesmo quando é feito o desmatamento das áreas a serem alagadas, pois este procedimento mitiga o impacto mas não o neutraliza. Além disso, o conceito de energia limpa fundamentado apenas na emissão de gases do efeito estufa é muito pobre, pois há vários outros impactos ambientais relacionados à geração de energia hidrelétrica.

Quanto ao fator de capacidade da usina, mesmo que seja de 41% como afirma o “nocauteador” engenheiro Cássio Carvalho, este número é inaceitável para os dias atuais. A média brasileira de 52%, puxada para baixo pela ineficiente UHE de Balbina, é bem maior que a de Belo Monte. Diversos técnicos afirmam que Belo Monte será a usina mais cara e menos produtiva do país. Não podemos aceitar que uma usina nova seja tão menos eficiente do que a média nacional, pois os avanços tecnológicos ao longo do tempo deveriam levar ao aumento da eficiência energética.
Usina termo solar concentrada no deserto de Mojave,
Califórnia, EUA

Finalmente, um tema que tem pautado a discussão acerca da matriz energética: o custo da produção do kilowatt/hora. É verdade que a energia hidrelétrica é muito barata. Um kilowatt/hora custa no Brasil cerca de R$ 0,05. É bem menos que os valores das fontes alternativas. Porém, é um equívoco deixar de investir na diversificação da matriz, pois é justamente o aumento da produção que barateia o custo. A comparação do custo da energia hidrelétrica com o de energias mais limpas não considera o custo das externalidades negativas inerentes aos impactos ambientais e sociais das usinas hidrelétricas. Hoje o Brasil já produz energia eólica competitiva. A revista Veja cita custos de investimentos em energias alternativas sob os rótulos de “energia eólica” e “energia solar”. Outra desinformação, não dos artistas, mas da Veja. O custo a que Veja se refere provavelmente é o da energia fotovoltaica, aquela produzida a partir de painéis solares, muito cara e pouco eficiente. A energia solar mais eficiente é a termo solar concentrada (Concentrated Solar Power). Os EUA têm aumentado muito o investimento neste tipo de geração e a Alemanha planeja investir no mesmo sentido em países que tenham potencial, como os do norte da África. O custo de um kilowatt/hora deste tipo de energia gira hoje na casa dos R$ 0,48, mas pode ser reduzido para a metade disso em dez anos com os investimentos iminentes. Ainda é muito quando comparado ao custo da energia hidrelétrica, mas não é nenhum absurdo quando se considera o potencial de redução de impactos ambientais.

É lamentável ver uma das raras iniciativas em prol do meio ambiente vinda de artistas formadores de opinião sendo bombardeada por uma matéria de capa tendenciosa em uma das revistas de maior circulação no país, com base em omissões e manipulação de dados. Só é possível ter acesso à informação de qualidade consultando veículos de imprensa alternativos. A Internet ajuda muito. Graças a ela podemos desmontar farsas como a da Veja e ver que o nocaute não passa de golpe baixo.

domingo, 27 de novembro de 2011

Acidente da Chevron: as mentiras de uma tragédia anunciada

Por Joaquim Maia Neto

Vazamento de óleo em poço da Chevron
 no Campo de Frade - Bacia de Campos
Foto: Divulgação/Estado do Rio de
Janeiro

Passados vinte dias do vazamento de óleo no poço explorado pela petroleira estadunidense Chevron-Texaco, localizado na Bacia de Campos, temos mais perguntas do que respostas sobre o problema. O que existe de certeza é a total má fé da empresa responsável pela exploração. Com diversas mentiras, a petroleira tentou enganar a opinião pública e as autoridades. Primeiro a Chevron informou que o vazamento era consequência de uma fissura natural no leito do oceano, o que foi desmentido posteriormente pela própria empresa diante das evidências em contrário. Novas mentiras se sucederam sobre a dimensão do problema. Imagens de satélite da NASA apontam para um derramamento da ordem de 3700 barris por dia, mais de onze vezes maior que o informado pela Chevron. A Polícia Federal constatou que apenas um navio estava fazendo o trabalho de limpeza da região afetada, ao invés dos dezoito que a empresa informou em nota oficial. O delegado responsável pelo inquérito não obteve da Chevron, até o momento, a informação sobre o destino do óleo retirado do mar, o que o leva a questionar se realmente a limpeza está sendo realizada, pois se o petróleo é retirado, tem que ser destinado a algum lugar. As notícias mais recentes demonstram que ao contrário do que se previa inicialmente, parte do óleo deve chegar às praias do litoral sudeste e que o acidente pode ter proporções muito mais graves do que se imagina, pois pode ter havido ruptura do reservatório.
Entre as inconsistências apontadas pela Polícia Federal está o fato de que o equipamento utilizado pela plataforma para observar o local de perfuração não tem capacidade para alcançar os 1200 metros, que é a profundidade na qual está o vazamento. A observação é fundamental para se detectar o acidente no início e consequentemente iniciar as medidas de contingência necessárias à minimização do impacto ambiental. Há suspeitas de que a Chevron tentava ilegalmente alcançar a camada pré-sal, já que operava com uma sonda capaz de perfurar 7600 metros de profundidade, quando estava autorizada a explorar até uma profunidade de cerca de 2500 metros.
Entre as perguntas que permanecem sem resposta estão aquelas sobre a atuação do IBAMA e da ANP. Será que a licença de operação foi concedida após o atendimento de todas as condicionantes previstas nas licenças prévia e de instalação, ao contrário do licenciamento da UHE de Belo Monte, onde diversas etapas foram queimadas? Foi exigido equipamento de observação compatível com a profundidade explorada? Os estudos ambientais foram suficientemente detalhados a ponto de se prever a possibilidade deste acidente? A Chevron comprovou que dispõe dos equipamentos necessários ao atendimento de emergências ambientais no local do acidente? Quantas vezes o IBAMA e a ANP fiscalizaram o local da exploração para verificar se as condições necessárias para a expedição de licenças e outorgas estavam sendo cumpridas?
Neste ano a Justiça do Equador multou a Chevron em um valor equivalente a 13 bilhões de reais devido à poluição com óleo na Floresta Amazônica. No caso brasileiro, até agora as multas administrativas não passaram de 150 milhões de reais, o que equivale a dois dias de faturamento da empresa. O caso brasileiro deveria levar à cassação da licença e da outorga, impedindo que a petroleira continue atuando no país.
Várias lições podem ser tiradas deste triste episódio, já que o acidente ocorrido no ano passado na plataforma da British Petroleum, no Golfo do México, não foi suficiente para que as autoridades brasileiras se preparassem para uma situação de emergência, e nem mesmo para prevenir esse tipo de desastre.
Desde 2003 patina no Governo Federal a construção de um plano nacional de contingências para acidentes com óleo. Apesar da necessidade de envolver várias áreas do governo, a elaboração e coordenação do plano cabem ao Ministério do Meio Ambiente. Não saiu simplesmente porque o governo não prioriza a área ambiental. Enquanto estimula os investimentos em setores com alto potencial de impacto, a presidente Dilma negligencia solenemente as necessárias contrapartidas na prevenção, proteção e conservação ambientais. Recentemente a ministra Izabella Teixeira publicou uma série de portarias simplificando o licenciamento ambiental, inclusive para empreendimentos de petróleo e gás.
O orçamento do Ministério do Meio Ambiente, que cuida de toda a política ambiental brasileira, incluindo suas autarquias vinculadas, é de cerca de 10% do orçamento que os EUA destinam somente à agência de proteção ambiental e à guarda costeira, que lá tem a atribuição de fiscalizar acidentes com óleo no mar. Dizer que não se pode comparar nosso país com os EUA é um argumento que não se aplica neste caso, pois os investimentos em exploração de petróleo no Brasil são imensos e a descoberta de óleo na camada pré-sal está colocando o país na condição de mega-produtor mundial, o que exige um investimento compatível com os riscos inerentes à expansão do setor.
O IBAMA tem sido pressionado a conceder licenças a “toque-de-caixa” e isso faz com que o princípio da precaução seja deixado de lado. Como as respostas às perguntas apresentadas acima ainda não foram dadas, não podemos afirmar que este foi o caso do licenciamento da plataforma da Chevron, mas o acidente tem o caráter didático de mostrar porque o licenciamento ambiental não pode ser um mero procedimento cartorial como querem empresários, políticos e parte da mídia que insiste em criticar o IBAMA pela demora na liberação das licenças. O enfraquecimento da atuação da União na área ambiental promovido pelo governo, em especial do IBAMA, colocará o Brasil numa condição de grande vulnerabilidade.
É interessante notar que setores da imprensa como, por exemplo, a Rede Bandeirantes, personificada nas figuras do âncora Ricardo Boechat e do comentarista econômico Joelmir Beting, têm se manifestado criticamente em relação à omissão estatal diante do acidente da Chevron, enquanto patrocinam o desmonte da legislação florestal com matérias jornalísticas altamente tendenciosas lastreadas em informações distorcidas e inverídicas. É preciso que a sociedade compreenda que as questões ambientais estão todas interligadas e que negligenciar a área traz resultados catastróficos com este.
Nos EUA, onde a legislação é muito mais rigorosa em termos de responsabilização dos envolvidos em acidentes ambientais, houve negligência na regulação do setor petroleiro e essa foi uma das causas do acidente da BP. Se em um país que tem orçamento muito maior para lidar com o assunto e que dispõe de funcionários do governo bem remunerados e equipados, acontece um desastre como o do ano passado, o que irá acontecer no Brasil, onde o governo desmonta a legislação ambiental e as instituições responsáveis pela sua aplicação? A carreira ambiental do governo é uma das menos valorizadas e o nível de defasagem remuneratória a torna pouco atrativa e promove a fuga de técnicos gabaritados para outras carreiras ou para a iniciativa privada. Cria-se assim a condição ideal para uma regulação frouxa, que permite que as empresas se tornem negligentes para com suas obrigações.
É praticamente uma heresia questionar os investimentos brasileiros na exploração de óleo na camada pré-sal. Atualmente só se discute o que fazer com o dinheiro advindo de tal exploração, levando até mesmo a uma grave ameaça ao pacto federativo devido à guerra instaurada pela disputa dos royalties entre os chamados “estados produtores e não-produtores”. Não se lê uma linha com uma postura crítica sobre o assunto. Os questionamentos essenciais quase nunca são feitos e são considerados coisa de gente não patriota. Num momento em que o mundo discute a redução das emissões de gases do efeito estufa para salvar o planeta, o Brasil investe pesado na exploração de um hidrocarboneto, contribuindo para que a matriz energética mundial se torne menos limpa. Pior do que isso é o país estar muito preocupado em explorar os recursos naturais, e quase nada preocupado em conservar a natureza que permitiu ao longo de milhões de anos que os seres vivos que morreram naturalmente fornecessem o carbono necessário à formação das reservas de petróleo.
Nas discussões sobre o destino das royalties, há propostas para financiar educação, saúde e outras demandas sociais, mas não se fala em garantir parte destes recursos para fortalecer o aparato ambiental estatal, o que seria lógico diante do aumento do risco e dos impactos ambientais que a expansão da exploração de petróleo está causando.
Manifestantes do Greenpeace em frente à sede da Chevron
no Rio de Janeiro
Foto: Divulgação/Greenpeace

Considero um grande atraso investir na produção de combustíveis fósseis no atual contexto de tecnologias disponíveis para produção de energia limpa, cada vez mais baratas e viáveis. Mas deixando a minha “heresia” de lado e sendo um pouco pragmático, só vejo viabilidade ambiental na exploração do pré-sal se houver um grande aumento nas exigências às empresas exploradoras e um grande fortalecimento da ANP e da área ambiental do governo, para que se faça uma regulação de verdade, ao invés deste arremedo regulatório que existe hoje. Se o caminho não for este, transformaremos a “Amazônia Azul”, que a Marinha do Brasil tanto enaltece, num gigantesco tambor de óleo.

domingo, 20 de novembro de 2011

Madames de Moema versus bicicletas: quem tem razão?

Por Joaquim Maia Neto
Na semana que passou um irreverente protesto agitou o bairro paulistano de Moema, uma das regiões mais ricas da cidade. Denominado “Milionárias de Bike”, o movimento reuniu ciclistas que pedalaram de salto alto na ciclofaixa recém inaugurada no bairro.
O protesto foi motivado pela declaração da comerciante Carolina Maluf, que atua na região, indignada com a existência da ciclofaixa e com a redução de vagas para estacionamento de automóveis. A empresária afirmou, irritada, que suas clientes milionárias não poderiam ir até sua loja pedalando, calçadas com sapatos de saltos altos.  
A aparência folclórica da declaração e o tom de bem humorado do protesto não podem nos levar a subestimar o conflito crucial para o futuro das grandes cidades que está por trás deste assunto. O que se discute são soluções para os problemas de mobilidade urbana e de degradação ambiental causados pelo número excessivo de automóveis que circulam nas urbes do país.
Manifestante no protesto "Milionárias de Bike"
Foto:Patrícia Cruz/Folhapress

O Brasil, ao contrário de muitos países europeus que são referência em mobilidade urbana, adotou, de uma maneira geral, um modelo de planejamento das cidades que privilegia a ocupação do espaço público pelo carro em detrimento dos pedestres e da convivência harmônica entre as pessoas e destas com a natureza e com as áreas comuns. Este modelo sempre foi nefasto. Durante o longo período em que o Brasil tolerou com passividade o abismo social que separava a maioria rica da minoria quase miserável, o problema afetava apenas os pobres, que não dispunham de recursos para adquirir um automóvel - sonho de consumo do brasileiro - e que tinham seu direito à mobilidade usurpado pela má qualidade ou pelo custo proibitivo do transporte público. Criou-se a cultura de que transporte coletivo público é “coisa para pobre”. Quem tem dinheiro anda de carro.
Com a recente melhoria na distribuição de renda e a consequente ascensão à classe média de parcela significativa da população brasileira, a propriedade de automóveis se popularizou. Pessoas que não dispunham desse bem, passaram a adquiri-lo e nas casas onde já havia um automóvel da família, tornou-se comum haver um carro para cada membro habilitado a dirigir. O resultado é o que vemos atualmente: um colapso na capacidade de locomoção nas grandes e médias cidades e uma forte redução na qualidade do ar daquelas maiores. A solução mais comum encontrada pelos prefeitos e governadores é investir em obras viárias caras que facilitam a corrupção e desperdiçam dinheiro público. O governo federal, por sua vez, age na contramão da solução do problema, promovendo incentivos fiscais à aquisição de veículos automotores como forma de aquecer a economia.
Ocorre que já começa a ficar explícito que as soluções adotadas até agora não passam de “enxugamento de gelo”. Quanto mais se investe em obras viárias e se populariza o uso do automóvel, mais problemas aparecem. Se não houver mecanismos de planejamento urbano voltados à adaptação do espaço público às pessoas e não ao carro, aliados a uma forte regulação estatal sobre o uso do automóvel, o caos se instalará. Na verdade já se instalou em cidades como São Paulo e Belo Horizonte e está próximo em outras como Brasília e Recife.
Ciclovia da Radial Leste e o Trânsito de São Paulo

Sabendo do óbvio, administradores públicos começam a se mobilizar, ainda de maneira tímida e pontual. A ciclofaixa em Moema é uma das ações que são parte da solução do problema, assim como outras que começam a ser adotadas, como expansão do metrô, implantação de corredores de ônibus e de pontos de aluguel de bicicletas, restrição de circulação de carros no centro da cidade, entre outras. Porém, os mesmos gestores que de um lado adotam políticas de mobilidade corretas, de outro reproduzem na prática administrativa a cultura dominante que privilegia o transporte individual. Na maioria das  cidades onde as ciclovias ou ciclofaixas começam a se tornar realidade, trata-se o uso da bicicleta como apenas uma opção de lazer e não de transporte. É comum encontrar ciclofaixas que só funcionam nos finais de semana ou que levam do “nada a lugar nenhum”. Muitas cidades restringem o acesso de bicicletas nos trens, mesmo as dobráveis. Quanto ao transporte coletivo urbano há a mesma visão míope que paira sobre a bicicleta, só que de modo inverso: “é só para ir ao trabalho”. Nos finais de semana o número de linhas e a frequência de ônibus diminui drasticamente podendo inviabilizar o lazer de quem ainda não tem carro e obrigar muitas pessoas a usarem o automóvel quando poderiam se deslocar, com mais segurança, usando o transporte público.
As posturas da maioria das empresas e os comportamentos individuais também são grandes empecilhos ao desenvolvimento da cultura do transporte público. Em muitos lugares o empregado que resolve ir trabalhar de bicicleta é visto como um “ET”. As empresas não disponibilizam lugares para guardar a bicicleta, nem armários e banheiros, que podem ser necessários nos casos de necessidade de troca de roupa. Há também a questão do status. O trabalhador que chega ao trabalho de carro, ainda que tenha amargado horas no congestionamento, é visto como uma pessoa de sucesso, principalmente se seu carro for grande, daqueles que emitem mais carbono. Aquele que vai ao ponto de ônibus é visto como um “coitado”. 
Corredor de ônibus
Fonte: www.skyscrapercity.com

É raro ver alguém mais abastado reivindicando melhorias no transporte público. Como as pessoas que podem se dar ao luxo de andar de carro se recusam a usar o transporte coletivo, que no geral ainda é muito ruim, não se cria demanda necessária para sensibilizar os governantes quanto à melhoria do sistema de transportes. Por outro lado, são comuns as reivindicações de novas faixas de rolagem, novas pistas, viadutos, estacionamentos. Cidades como Brasília e São José do Rio Preto, numa total falta de bom senso, estão discutindo a necessidade de estacionamentos públicos subterrâneos, que só servirão para aumentar a quantidade de carros em circulação, quando o ideal seria disponibilizar aos cidadãos mais ônibus, metrô, ciclovias, calçadas, integração entre os modais (inclusive tarifária), faixas de pedestres, praças e áreas verdes.
A gritaria das milionárias de Moema sempre vai existir, pois infelizmente tem muita gente que, de maneira quase irracional, prefere passar horas presa no trânsito, amenizando seu estresse com boa música, ar condicionado e reclamações, do que convier com pessoas diferentes, seja em um vagão de metrô ou em um ônibus. Preferem gastar seus tênis caros nas caras academias. Para ir às compras, só de salto alto. Mas as bicicletas as atrapalham...

domingo, 13 de novembro de 2011

Mais um parque retalhado: Serra da Canastra - o berço do São Francisco


Por Joaquim Maia Neto

O Parque Nacional da Serra da Canastra foi criado em 1972 para proteger uma área de extrema importância ecológica. O contexto da época era de pouquíssima preocupação com as questões ambientais. No mesmo ano as Nações Unidas realizaram pela primeira vez, em Estocolmo, uma conferência para discutir como desenvolver o mundo sem esgotar os recursos naturais ou comprometer drasticamente sua qualidade. Apesar da incipiente preocupação ambiental, há quase quarenta anos atrás os atributos naturais das Serras da Canastra e da Babilônia, bem como dos seus vales, rios e nascentes, de tão exuberantes, despertaram no poder público a preocupação em conservá-los para o futuro. 
Localização do Parque Nacional da Serra da Canastra
O Decreto que criou o Parque delimita uma área de aproximadamente duzentos mil hectares, abrangendo territórios de seis municípios mineiros e uma rede de nascentes e cursos d’água que abastecem as bacias hidrográficas dos rios São Francisco, Grande e Araguari (estes dois últimos pertencentes à bacia do Paraná). A riqueza hídrica da região talvez tenha sido a maior motivação para a criação da unidade de conservação, especialmente pelo fato de que a Serra da Canastra abriga a nascente histórica do Rio São Francisco. Algumas pessoas argumentam que o governo militar que dirigia o país naquele período teria mais motivações relacionadas à segurança nacional do que propriamente ambientais. Independentemente da motivação é inegável que, do ponto de vista ambiental, a área atingida pelo Parque faz jus a um manejo de proteção integral, pois todos os estudos científicos produzidos sobre a unidade, sua biota e seus ecossistemas demonstram haver, naquele local, extrema relevância para a conservação da biodiversidade.
Após a criação da unidade de conservação, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, autarquia federal que era responsável pela administração do Parque, iniciou a retirada do gado que ocupava parte da Serra da Canastra, o que levou à precipitação de vários conflitos que culminaram com a remoção truculenta das pessoas que ocupavam a área. Muitas dessas pessoas eram legítimos proprietários e tiveram que deixar suas propriedades recebendo apenas títulos da dívida agrária. No final da década de 70, toda a Serra da Canastra havia sido desocupada, mas ainda restavam a Serra da Babilônia e os Vales dos Cândidos e da Babilônia, que ainda permaneceram ocupados. O governo federal trabalhou na implementação da área desocupada e “esqueceu” as demais áreas. Com o tempo, o Parque se consolidou nos 71525 hectares da Serra da Canastra e tanto o IBDF quanto seu sucessor, o IBAMA, simplesmente ignoraram a área constante do decreto de criação da unidade. O IBDF chegou ao cúmulo de elaborar um plano de manejo que contemplava apenas as terras desocupadas o que fez com que as pessoas que ocupavam as demais áreas do Parque entendessem que estas tinham sido desafetadas. Na realidade, jamais existiu qualquer ato normativo que tivesse reduzido a área do Parque. A partir de 1988, por força da Constituição Federal, desafetações em áreas de unidades de conservação só podem ser feitas por Lei.
Apenas no ano de 2001 o IBAMA, que havia assumido a gestão do Parque em 1989, se deu conta de que não havia concluído o processo de regularização fundiária da unidade de conservação e resolveu cumprir sua obrigação, iniciando a elaboração de um plano de manejo para a área total, que prevê a desapropriação das terras que ainda não haviam sido regularizadas. Entre o ano de sua criação e o “despertar” sobre o erro que cometeu, o IBAMA chegou a emitir anuências para empreendimentos de mineração dentro do perímetro do Parque, pois sequer sabia que estas áreas se encontravam dentro dos limites da unidade. 
Lobo-guará no PARNA Serra
da Canastra
Foto: João Zinclar
Durante a elaboração do atual plano de manejo, que contou com estudos de renomados pesquisadores, ficou evidente a necessidade de conservação das áreas que ainda estavam ocupadas. Foram descobertos ecossistemas frágeis, espécies endêmicas, áreas naturais importantes em situação de ameaça e belezas cênicas em processo de destruição por atividades minerárias. Estudos com mamíferos ameaçados demonstraram que apenas a área regularizada não é suficiente para a conservação das populações dessas espécies no longo prazo. Essas descobertas chegaram num momento no qual a União se via obrigada a avançar na conservação do bioma Cerrado. Considerado um hotspot – bioma com alta biodiversidade e alto grau de ameaça – o Cerrado sofre com a expansão da fronteira agrícola e com a degradação de sua vegetação nativa. As metas de áreas protegidas no bioma ainda não foram alcançadas e a decisão tomada não poderia ser mais coerente: Se há necessidade de criação de novas unidades de conservação para proteger o Cerrado, não se pode abrir mão de uma área já criada, ainda mais com a relevância encontrada no Parque Nacional da Serra da Canastra, cabendo assim ao poder público providenciar a implementação do restante da unidade.
A decisão do IBAMA implicou novos conflitos. Além da população local e de proprietários de terras do Parque residentes em São Paulo e outras regiões de Minas, setores ligados à mineração passaram a exercer forte pressão política para a revisão dos limites da unidade de conservação. Na Canastra há grandes jazidas de diamante, e mineradoras estrangeiras com subsidiárias no Brasil não pouparam esforços em convencer parlamentares e ministérios da necessidade de desafetação. O IBAMA e posteriormente o Instituto Chico Mendes, que assumiu a gestão das UCs federais em 2007, prosseguiram nas ações de proteção previstas na Lei do SNUC, que são imprescindíveis no período que antecede a regularização fundiária. Na medida em que a União cumpria seu papel de proteger o Parque, cresciam as articulações políticas visando a desfiguração desta que é uma das mais importantes unidades de conservação do Cerrado.
Cachoeira Casca D'Anta,
na Serra da Canastra
Como resultado deste processo, a corda arrebentou do lado conservacionista, como vem sendo praxe no atual governo desenvolvimentista. Em 2007 os deputados Carlos Melles (DEM), Odair Cunha (PT), Maria do Carmo Lara (PT), Geraldo Thadeu (PPS) e Rafael Guerra (PSDB), todos de Minas Gerais, apresentaram e conseguiram aprovar na Câmara um projeto de Lei que retira 25% da área do Parque em benefício de mineradoras de diamante e quartzito, e de agropecuaristas que insistem em usar fogo para “renovar” pastagens, destruindo a vegetação nativa do Cerrado. O projeto foi aprovado com parecer favorável do relator na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) e agora tramita no Senado, onde foi designado como relator o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). Após a aprovação do projeto na Câmara, um de seus autores (Odair Cunha), não satisfeito com a desafetação de “apenas” um quarto do Parque, apresentou emenda na Medida Provisória 542/2011, que desafeta áreas em unidades de conservação da Amazônia para a construção de hidrelétricas. Pegando carona na iniciativa da presidente Dilma, inseriu um artigo, no texto a ser votado pelo Congresso, que exclui do Parque Nacional da Serra da Canastra os dois terços que ainda não foram regularizados.
Rodrigo Rollemberg é um senador que tem adotado uma postura responsável com relação ao meio ambiente (foi um dos poucos que votou contra o PLC 1/2010, que retira poderes do IBAMA), mas acabou apresentando um relatório prejudicial à conservação do Parque, induzido por um substitutivo apresentado pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio) que foi acatado no relatório. O substitutivo visa transformar metade da área não regularizada em uma unidade de conservação da categoria Monumento Natural. Essa categoria, prevista no Sistema Nacional de Unidades de Conservação entre as unidades do grupo de proteção integral, tem como objetivo “preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica”. Existem poucos Monumentos Naturais no Brasil. Em geral eles têm área pequena, restrita a um determinado atrativo e seu entorno. Apesar de serem de proteção integral, permitem a presença de pessoas nas áreas privadas, desde que desenvolvam atividades compatíveis com os objetivos da unidade.

Mapa representativo do substitutivo acatado no
relatório do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF)

Num monumento natural de quase 67 mil hectares, como o proposto pelo ICMBio, com muita gente morando em seu interior, é praticamente impossível atingir objetivos de proteção integral. Nas unidades de proteção integral só podem ser admitidos usos indiretos dos recursos naturais, o que é inviável de ser alcançado com pessoas vivendo dentro de seus limites. O substitutivo incorporado no relatório do senador Rollemberg, estabelece que serão admitidas atividades “agrícolas e pastoris”. Essas atividades constituem-se uso direto dos recursos naturais e, portanto, o projeto contraria a Lei do SNUC. Não se pode ter uso direto em unidade de proteção integral. O ICMBio propõe o Monumento Natural dos Vales da Canastra sob o argumento de que assim poderá manterá um manejo mais restritivo, mas na prática não é o que acontecerá.
Pode ser que a estratégia seja manter as pessoas, para aliviar a pressão que levaria à perda de parte importante da unidade. No futuro poderia se fazer uma desapropriação negociada. Essa pode ser a visão dos técnicos que deram respaldo a proposta do ICMBio. No caso concreto, tal estratégia é fadada ao fracasso. A possibilidade oficial de manutenção das pessoas dificultará qualquer iniciativa de desapropriação futura e a agricultura e pecuária, que continuarão sendo desenvolvidas, descaracterizarão os atributos que justificam a criação de uma unidade de proteção integral. As áreas que deixarão de ser Parque são tão importantes quanto as que hoje estão regularizadas.
O caso está mais para uma estratégia no sentido de ludibriar a opinião pública. Adota-se o discurso da preservação quando na realidade o que ocorre é a exclusão de uma área extremamente importante do Parque Nacional. Quando o objetivo é a conservação da natureza, a possibilidade de desapropriações e retirada de pessoas é capaz de mobilizar políticos e dirigentes de entidades ambientais públicas no sentido contrário. O mesmo não ocorre quando os objetivos são empreendimentos que movimentam vultosos recursos financeiros. A grande maioria dos parlamentares e o executivo não se importam com a remoção das pessoas que vivem nas áreas que serão alagadas pelas usinas hidrelétricas do PAC, mas quando se trata de retirar pessoas e empreendimentos para implementar um Parque necessário, geram-se reações contrárias fortíssimas, capazes de retalhar um santuário, o berço das águas do São Francisco.