Por Joaquim Maia Neto
Há alguns acontecimentos do cotidiano que são relativamente comuns, mas que me chateiam bastante. Uns chegam a me deixar irritado e outros me fazem refletir sobre a dificuldade que as pessoas têm em conviver umas com as outras, em respeitar o direito alheio, em se colocar no lugar do outro, em conservar a natureza.
É chato falar de coisas chatas, porém mais chato ainda é passar por elas sem dizer nada. A tolerância é uma virtude que precisa ser cultivada por todos nós, mas isso não significa que tenhamos que nos omitir diante da falta de respeito. Refiro-me não apenas ao respeito às pessoas, mas também ao respeito aos demais seres vivos e ao planeta.
A lista de chateações é extensa e por isso irei poupar os leitores de boa parte delas, pelo menos neste artigo. Talvez, numa próxima oportunidade, apresentarei outros exemplos.
Fico muito satisfeito em poder ir ao trabalho todos os dias de ônibus. Considero um grande privilégio poder deslocar-me pela cidade utilizando transporte coletivo com rapidez e razoável conforto. Sei que essa não é a realidade da maioria dos brasileiros. Conforta-me saber que posso servir de exemplo para que outras pessoas percebam como não é difícil mudar seus hábitos para torná-los menos impactantes ao meio ambiente. Recebo como bônus o benefício de não ter a preocupação de procurar lugar para estacionar o carro, o que é uma grande vantagem na atual conjuntura de disputa ferrenha por uma vaga. Mas como nada é perfeito, sou obrigado a observar atitudes egoístas no coletivo.
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Fonte: http://www.zonadamatamg.com.br/ |
Existem chateações que são difíceis de explicar a quem as causa. Você já deve ter ouvido falar de uma marca de cafeteira chamada “Dolce Gusto”. A marca é associada à famosa grife de café “Nescafé”, da companhia suíça Nestlé, que recentemente esteve envolvida em escândalos relacionados à promoção de desmatamento em áreas sensíveis na Indonésia e ao descumprimento da legislação de proteção ao consumidor no Brasil. A tal cafeteira, com a qual tenho que me deparar todos os dias no trabalho, funciona com cápsulas plásticas cujo conteúdo é suficiente para o preparo de um único cafezinho. Cada vez que alguém resolve tomar um café, uma cápsula vira lixo. E o pior é que é inviável reciclar essas cápsulas. A máquina faz um micro furo em um selo metálico que veda a cápsula e o pó de café usado permanece contido na embalagem após o preparo da bebida. A logística para retirar o selo e o pó da embalagem torna o processo de reciclagem extremamente oneroso, ao ponto de inviabilizá-lo. Você acha que quem toma o café se preocupa em retirar o selo e lavar a embalagem? Isso “dá trabalho”! Falar sobre o assunto rende apelido de xiita. Já virei motivo de piada por causa disso. Não consigo desassociar o comportamento dos consumidores do “Dolce Gusto” daquele dos fumantes que jogam as bitucas acesas no chão. Ter que apagá-las e jogá-las no lixo é demais!
Permitam-me apenas mais uma. Essa me irrita profundamente. As chamadas “podas radicais” nas árvores, que apesar do nome não são feitas nas raízes, são o cúmulo da insensatez. Executadas com a complacência dos administradores das urbes, quando não realizadas a mando dos próprios, constituem uma verdadeira mutilação dos seres que prestam relevantes serviços ambientais, como a mitigação do barulho, o sequestro de carbono, o conforto térmico, o embelezamento da paisagem urbana, entre tantos outros. A retirada total da copa, além de deixar a árvore com aspecto sofrido, impede por longo tempo que a mesma desempenhe a grande maioria de suas funções ecológicas e torna-a suscetível a diversas infecções causadoras de doenças. É comum, após várias podas desse tipo, cortar a árvore sob o argumento de que está condenada. Só não se diz que o que a condenou foi o tratamento cruel ao qual a planta foi submetida. A motivação para a mutilação arbórea é torpe: exposição de fachadas, folhas que “sujam” o chão e entopem calhas, placas publicitárias que precisam ser vistas para a promoção do consumo, ou qualquer outra firula que a ignorância humana possa fomentar. Associo a imagem a um ser triste, de braços estendidos aos céus clamando por um pouco de iluminação às mentes inebriadas que condenam o futuro para fruir as efemeridades da sociedade de consumo.
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CLIQUE NA FIGURA PARA VER EM TAMANHO MAIOR Printscreen da página de perguntas frequentes do SAC da Nestlé. Arte de http://www.aventurasgastronomicas.com.br/ |
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Fonte: http://www.revolucoes-por-minuto.blogspot.com/ |
Por enquanto fico apenas nestas para não irritá-lo ainda mais, caro leitor. Escrever sobre o que me chateia é terapia para cultivar a tolerância positiva e aplacar a irritação alimentada a cada passeio crítico pela cidade.