Por Joaquim Maia Neto
Para os humanos, comer carne não é apenas um hábito, mas sim uma questão biológica. Alimentar-se de outros animais está nas raízes evolutivas da nossa espécie. Nossos antepassados pré-históricos eram exímios caçadores que utilizavam todo o seu potencial genético na atividade predatória. O encéfalo desenvolvido, a postura bípede e o polegar opositor possibilitaram o desenvolvimento de ferramentas que potencializaram a capacidade de predação, superando os limites do corpo. As glândulas sudoríparas presentes na pele permitiram aos "homens-das-cavernas" perseguirem, por quilômetros, outros mamíferos com sistemas termorregulatórios menos eficazes, até que estes se cansassem, sucumbindo ao predador inteligente. A forma prioritária de obtenção de proteína dos nossos ancestrais não poderia ser outra. A grande maioria dos primatas atuais consome proteína animal, em maior ou menor escala. Não há dúvida de que somos onívoros.Não obstante o nosso arcabouço biológico, a evolução científica, cultural, espiritual, filosófica e tecnológica da humanidade permite que mudemos nossos hábitos, inclusive os nutricionais. A ciência tem demonstrado em cada nova pesquisa nas áreas da etologia e da psicologia e neurologia comparadas, que a diferença intelectual entre nós e os chamados "animais irracionais" é de grau e não de tipo. A noção de respeito, direitos e compaixão em relação aos animais cresce em todo o mundo. Diversas religiões pregam que, a cada nova etapa da evolução espiritual, dependeremos menos do sofrimento alheio para sobreviver.
Para citar apenas dois exemplos no campo da filosofia, Rousseau, no prefácio de seu Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, afirma, sobre os animais, que "julgar-se-á que devam também participar do direito natural e que o homem esteja obrigado para com eles a certos deveres", e que, sendo eles seres sensíveis, o homem deve dar-lhes o direito de não serem maltratados inutilmente. Voltaire, respondendo a Descartes que afirmava que os animais não pensam e não sentem dor, compara, em seu Dicionário Filosófico, os sentimentos de aflição, prazer e amizade entre o homem e o cão, e indaga se "teria a natureza entrosado nesse animal todos os órgãos do sentimento sem objetivo algum".
Hoje em dia, dados os avanços nas áreas de agronomia, biologia, nutrição e engenharia de alimentos, podemos produzir proteína vegetal em quantidade e qualidade, inclusive em termos de palatabilidade, suficientes para reduzir drasticamente o consumo de proteína animal pela população humana, sem grandes transtornos. Produzir proteína para nossa alimentação a partir de animais de grande porte como, por exemplo, bovinos, é uma das maneiras menos racionais de fazê-lo, principalmente se considerarmos a atual conjuntura ambiental pela qual passa o planeta. Estudos demonstram que para produzir um quilograma de carne bovina são necessários 37 Kg de alimento, 16 mil litros de água e 30 metros quadrados de espaço, além de se produzir 24 Kg de dióxido de carbono, gás que contribui para o aquecimento global. Comparada com a produção de carne de frango, que consome, por Kg de carne, 2,8 Kg de alimento, 4 mil litros de água e 0,1 metro quadrado de espaço, e produz 4,5 Kg de dióxido de carbono, a produção de carne bovina pode ser considerada extremamente insustentável. O consumo desse tipo de carne atualmente é um luxo e um desperdício aos recursos naturais, considerando que temos alternativas muito mais sustentáveis. Essa comparação, que mostra a grande desvantagem ambiental da produção de carne bovina, não considera sequer que boa parte da carne produzida no país ainda é fruto do descumprimento da legislação ambiental. Se isso for colocado na balança, as desvantagens são ainda maiores.
Despertei para a gravidade do problema quando comecei a participar de grandes operações de fiscalização ambiental na Amazônia. Existe na região um modus operandi recorrente por parte dos pecuaristas, que consiste em invadir terras públicas e desmatar. Vendem a madeira de valor comercial e queimam o que sobrou para, em seguida, espalhar sementes de Brachiaria. Com o dinheiro da venda da madeira se capitalizam e adquirem o rebanho. Após o esgotamento do solo, com a consequente perda de produtividade das pastagens, abandonam a área, que não lhes custou nada, e partem para degradar outro quinhão da floresta.
Apesar dos inúmeros problemas ambientais que existem no cultivo de grãos no Brasil, a produção de proteína vegetal sempre será ambientalmente mais correta do que a produção de proteína animal, por um simples problema ecológico: na cadeia trófica, a necessidade de produção e o dispêndio de energia em uma relação de consumo primário (herbivoria) é sempre menor do que em uma relação de consumo secundário ou superior (carnivoria), simplesmente pelo fato de que, para se produzir alimento a partir de um animal, em algum momento deve-se produzir alimento de origem vegetal, já que, na cadeia trófica, os produtores são sempre os vegetais. Isso quer dizer que se você come um animal, o ambiente foi duplamente impactado, porque primeiro foi necessário produzir vegetal para alimentar aquele animal. O grande problema da produção de grãos hoje em dia é justamente o fato de que a maior parte dessa produção existe para alimentar animais destinados ao consumo humano.
Não pretendo aqui pregar o vegetarianismo ou o veganismo, mas apenas despertar uma reflexão sobre as consequências do nosso consumo. Reduzir o consumo de carne e escolher fontes mais sustentáveis de proteína só faz bem, ao planeta, a nós mesmos e aos animais. Nem mencionei os benefícios à nossa saúde. Essa mudança de comportamento só é ruim para quem lucra e especula com a produção de carne no Brasil. Aliás, devido à força econômica e política desses setores, não se vê o governo ou a mídia aprofundar o debate em torno da questão.