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domingo, 29 de julho de 2012

A Lua só brilha porque existe o Sol


Por Joaquim Maia Neto

“A grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las” - Aristóteles

A reação do governo brasileiro à participação de Marina Silva na abertura dos Jogos Olímpicos de Londres é digna não apenas de indignação, mas também de preocupação por parte de quem defende a democracia.

Marina Silva conduz a bandeira olímpica, junto com
Muhammad Ali, Ban Ki-moon e demais homenageados
Foto: Jonne Roriz/AE
A ex-senadora e ex-ministra do meio ambiente do Brasil foi escolhida pelo Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Londres para carregar a bandeira olímpica durante a cerimônia inaugural, juntamente com outras sete personalidades reconhecidas internacionalmente pelo seu engajamento em causas humanitárias. Além de Marina, tiveram a honra de desfilar conduzindo o estandarte olímpico o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o maestro argentino Daniel Barenboim, o maratonista etíope Haile Gebrselassie, a ativista liberiana Leymah Gbowee e as defensoras dos direitos civis britânicas, Doreen Lawrence, Sally Becker e Shami Chakrabati. Também foi homenageado durante a cerimônia o pugilista estadunidense Muhammad Ali.

A participação de Marina Silva na cerimônia olímpica foi uma surpresa, uma vez que os organizadores pediram sigilo aos convidados. Ao ver uma brasileira aparecendo mais do que a presidente do Brasil, Dilma não gostou. É claro que Dilma não manifestou por si mesma o seu descontentamento. O inconformismo presidencial foi exposto indiretamente por meio de declarações de ministros, deputados e outros membros da comitiva brasileira, que se solidarizaram ao despeito da presidente. O ressentimento não foi causado apenas porque outra brasileira teria ofuscado a mais alta mandatária do país, mas porque a presidente nutre antipatia pela homenageada desde que foram colegas de ministério durante o governo Lula.

À frente do Ministério das Minas e Energia e da Chefia da Casa Civil da Presidência da República, Dilma fez tudo o que pôde para impedir que Marina executasse seus projetos no Ministério do Meio Ambiente, até que a situação chegasse ao limite, levando ao pedido de demissão da ex-senadora. A participação de Marina nas eleições presidenciais com razoável desempenho acabou levando o pleito ao segundo turno, o que teria sido motivo para ampliar a animosidade de Dilma contra Marina.

A manifestação mais ressentida veio do ministro Aldo Rebelo. Mentor do desmonte do Código Florestal Brasileiro, o comunista aclamado pelos capitalistas selvagens por seus grandiosos serviços prestados aos latifundiários brasileiros e às multinacionais do agronegócio declarou ironicamente que “Marina sempre teve boa relação com as casas reais da Europa e com a aristocracia européia”, como se a escolha das personalidades tivesse sido feita pela nobreza britânica com a finalidade de desafiar a presidente brasileira.

As personalidades homenageadas, entre elas Marina Silva, tiveram mais destaque do que todos os chefes de estado, com exceção da Rainha Elizabeth II, devido ao reconhecimento internacional alcançado pelos seus trabalhos. Ao invés de fomentar a teoria da conspiração contra o governo do Brasil, a presidente e seus ministros deveriam, além de reconhecer a importância de Marina Silva na história do ambientalismo mundial, a exemplo do que foi feito pelo Comitê Olímpico Internacional, orgulharem-se pelo fato de haver uma brasileira entre o seletíssimo grupo de figuras mundiais ilustres. Cairia muito melhor à presidente fazer coro às homenagens, dando destaque ao fato de haver na abertura dos jogos duas brasileiras de renome, Marina e a própria Dilma, a primeira mulher eleita presidente do Brasil. Dilma abdicou de uma nobre postura de estadista ao se ressentir e permitir que seus auxiliares falassem as bobagens que falaram. Na figura de Marina era o Brasil quem estava representado, reconhecido pelos esforços em busca de um mundo mais sustentável, justo e ambientalmente equilibrado. É preciso separar as coisas. Durante a cerimônia, metade da população mundial aplaudia Marina Silva, junto com os demais homenageados, enquanto ambientalista renomada e não enquanto opositora do atual governo brasileiro. Dilma, ao contrário do mundo, torceu o nariz, inebriada por sua vaidade.

Já é tempo de os políticos brasileiros entenderem que respeito e autoridade não são qualidades que estão automaticamente associadas com os cargos que ocupam. Essas qualidades são frutos de trabalho coerente. Lamentavelmente ainda padecemos, no Brasil, de certo complexo de inferioridade que faz com que tenhamos desconfiança toda vez que um brasileiro se destaca no cenário político internacional. Enquanto o mundo homenageia nossos brilhantes compatriotas, insistimos em tecer críticas descabidas ao invés de procurarmos nos informar sobre o trabalho que mereceu tamanho destaque e honrarias. Curioso é notar que o despeito que ora motiva as críticas do governo petista da presidente Dilma contra Marina e os organizadores das olimpíadas, é o mesmo que aflige os setores reacionários da sociedade brasileira e que até hoje vitima o ex-presidente Lula quando do reconhecimento internacional de seus feitos. A sucessora de Lula usa do mesmo veneno usado por muitos de seus opositores para desmerecer o trabalho reconhecido do ex-presidente.

Dilma Rousseff jamais brilhará como estadista enquanto continuar tentando ofuscar o brilho de brasileiros que se destacam no cenário internacional, apenas porque estão na oposição ao seu governo, ou porque divergem de suas políticas setoriais. Chefes de Estado são como a Lua. Seu brilho é reflexo do Sol, representado pela sociedade, seus líderes e seus cidadãos de destaque. Sem esse Sol a Lua permanecerá na sombra, sem se destacar e sem cumprir plenamente seu propósito enquanto astro que ilumina a noite.

domingo, 22 de julho de 2012

Do cocô das andorinhas à prisão das capivaras




Por Joaquim Maia Neto

Apesar do notório aumento da preocupação da sociedade com questões ambientais, incluindo a proteção da fauna silvestre e o bem-estar animal, ainda há um longo caminho a percorrer no que diz respeito à convivência harmoniosa entre o homem e a natureza, em particular o convívio com os animais.


A recente polêmica acerca das capivaras do Parque da Represa Municipal de São José do Rio Preto ilustra bem a dificuldade que tem o ser humano, em especial o poder público, em lidar com a questão. A represa é considerada o cartão postal da cidade. A população de capivaras que habita o local há muito tempo faz parte da paisagem, tornando-se uma atração bastante procurada e apreciada por moradores locais e turistas. Há poucos dias a administração municipal começou a instalar cercas às margens do espelho d’água, em alguns trechos a menos de um metro, com o intuito de confinar os animais, sob o argumento de que a medida iria protegê-los contra acidentes de trânsito causados quando as capivaras transitam pela via pública que margeia o lago.

A motivação aparentemente nobre para o cercamento das capivaras esconde um comportamento intolerante e demonstra a prioridade equivocada de quem faz a gestão ambiental do município. A história recente de Rio Preto mostra o despreparo de muitos administradores públicos para lidar com questões ambientais. Em 1972 o então prefeito Adail Vetorazzo determinou que servidores municipais queimassem as andorinhas com tochas em pontas de varas de bambu para que as aves deixassem de defecar nos veículos estacionados na Praça Dom José Marcondes. Embora os milhares de andorinhas que migravam do hemisfério norte para Rio Preto proporcionassem um belíssimo espetáculo com suas revoadas de final de tarde no centro da cidade, muitas outras tentativas de espantá-las foram levadas a cabo pelo poder público municipal, passando pelo barulho de rojões até o corte arbitrário de árvores que serviam de local de pouso para as aves. Hoje as andorinhas já não aparecem em Rio Preto e assim os veículos e praças estão a salvo do cocô dos belos animais. A população não pode mais contemplar o show da natureza que encantou gerações de riopretenses.

Voltando às capivaras, é lamentável que a represa seja cercada do modo como a secretaria do meio ambiente está fazendo. Em 2005 os roedores foram alvo de outra polêmica. A secretaria do meio ambiente, à época administrada pelo mesmo secretário de agora, estudava retirar as capivaras da represa, sob o pretexto de que havia uma superpopulação que colocava as pessoas sob risco de febre maculosa. Técnicos do IBAMA e da UNIRP, além de representantes da Polícia Ambiental, estudaram a questão concluindo que não havia nem superpopulação e nem risco de febre maculosa. Passados sete anos, percebe-se que os técnicos estavam certos, pois não houve caso da doença em Rio Preto.

Munícipes tentando contemplar as capivaras
O caso das capivaras na cidade é um grande exemplo de como podemos conviver em harmonia com os animais. As pessoas se acostumaram a apreciar e respeitar os bichos. É comum ver famílias fotografando os animais. Não há um único registro de transmissão de doença ou de ataque em mais de uma década de convívio. Os problemas registrados até o momento referem-se apenas a atropelamentos de pouquíssimos animais, sendo que a prefeitura não tem levantamento preciso das ocorrências. O cercamento das margens da Rodovia BR-153, exigido pelo IBAMA em 2005, atenuou consideravelmente o problema. No caso da rodovia o cercamento era necessário, pois se trata de uma via de fluxo rápido. A solução para eventuais atropelamentos nas vias urbanas passa por uma política de trânsito para o local que contemple a limitação da velocidade, a sinalização e orientação dos motoristas e uma fiscalização eficiente. Qual é o problema em se andar a uma baixa velocidade em um lugar que deveria ser de contemplação e eventualmente parar o carro para dar passagem aos animais, como ocorre em muitos parques espalhados pelo mundo?

Como são roedores aquáticos, as capivaras não ficarão limitadas pela cerca. Impedidas de se alimentar nos locais cercados a tendência é que elas migrem pela água até outros pontos de alimentação, podendo causar problemas muito maiores ao ocupar áreas onde as pessoas não estão acostumadas com suas presenças. A cerca instalada pela prefeitura, além de ser de extremo mau gosto do ponto de vista estético, rompe a integração homem/ambiente, transformando a situação em algo parecido com um zoológico, onde as pessoas são meros espectadores da natureza e não parte dela. Isso é prejudicial no aspecto educativo e reforça a crença de que temos que viver apartados do mundo natural, o que é hoje uma das maiores causas dos problemas ambientais.

Cidadão alimentando os gansos e consequentemente
os pombos domésticos, com migalhas de pão
Não há superpopulação de capivaras na represa. O que ocorre é que os animais estão acostumados com a presença humana e, portanto, não fogem. Assim vemos muito mais capivaras na represa do que em ambientes naturais, onde os bichos se escondem. Ao contrário de outros animais que aumentam sua população beneficiados por restos de comida, lixo ou até fornecimento deliberado de alimento por parte das pessoas, como gatos, cães, pombos e pardais, as capivaras comem gramíneas, que têm sua distribuição limitada na represa às áreas não edificadas ou pavimentadas. As pessoas costumam pensar que apenas os predadores são responsáveis pelo controle populacional de herbívoros, mas a disponibilidade de alimentos é um importante fator limitante. Assim não há como haver aumento da população acima da capacidade do ambiente em fornecer alimento. Ninguém leva feixes de capim à represa para alimentar capivaras e por isso não há um input de alimentos capaz de manter uma população acima da capacidade suporte do meio.

Pombos domésticos comendo pão fornecido por
frequentador da represa
Ao contrário de se preocupar em prejudicar as capivaras, que pertencem à fauna nativa, embelezam a represa e ensinam o homem a ter respeito para com os animais silvestres, a prefeitura deveria manter guardas ambientais, monitores ou qualquer outro tipo de servidor que pudesse monitorar a interação das capivaras com as pessoas, evitando eventuais problemas, mas que agissem principalmente para coibir comportamentos graves que estão acontecendo à luz do dia sem que qualquer providência seja tomada. Em algumas horas que estive na represa para fazer as fotos que ilustram este artigo, observei um senhor distribuindo pães aos patos e gansos, que acabavam sendo consumidos muito mais pelos nocivos pombos domésticos do que pelas aves aquáticas. O local também há muito tempo virou ponto de abandono de gatos e igualmente constatei pessoas distribuindo ração aos felinos, que além de predarem as aves nativas, transmitem uma infinidade de doenças. Eu pergunto: o que a municipalidade está fazendo para combater esse problema? Casos de zoonoses afetando humanos a partir de pombos domésticos e gatos estão fartamente documentados na cidade, mas o prefeito e o secretário do meio ambiente priorizam um desnecessário controle da população de capivaras e permitem que as pessoas sustentem grandes populações de animais nocivos por meio daquele tipo de boa intenção da qual o inferno está cheio.

Pessoas alimentando gatos no parque da
represa

Após a polêmica instalada, prefeito e secretário soltaram uma pérola: a provável castração dos machos dominantes. Ora, o que faz um macho ser dominante no grupo são características que se manifestam por meio da ação hormonal que será suprimida com a castração. Assim, o macho deixará de ser dominante. Estudos em populações manejadas de capivara mostram que a supressão de um macho dominante leva a um caos inicial no grupo causado pela disputa entre os outros machos em busca do maior posto hierárquico e da aceitação das fêmeas, que acaba estabilizada com o estabelecimento de um novo macho dominante. Então o prefeito terá que castrar todos os machos e consequentemente exterminar as capivaras da represa.

Toda essa demonstração de despreparo na gestão ambiental de Rio Preto teria sido evitada esse houvesse maior transparência e democracia na administração. Pelo que se observa em consulta ao site do Conselho de Meio Ambiente do Município, percebe-se que o mesmo não se reúne há mais de seis meses. A atuação do colegiado tem sido pífia. Por que o secretário não consulta a sociedade, representada no conselho, antes de sair tomando atitudes completamente desprovidas de fundamentação técnica?

Árvores cortadas na margem da rodovia
Washington Luís
A imprensa noticiou no dia de hoje um total descaso com a proteção dos mananciais da cidade. Os pombos e gatos proliferam na represa. Árvores são sumariamente suprimidas às margens do Rio Preto, para dar lugar a um “parque”, e da rodovia Washington Luís, para dar mais espaço aos carros, alvo de grande preocupação da municipalidade desde 1972, quando foram protegidos do cocô das andorinhas. Mas a prioridade é o combate às capivaras. Eu seria a favor de uma castração que impedisse a reprodução de políticos que tomam decisões como essa, ao invés da que visa privar a represa de um de seus mais belos atrativos.


Patos atravessando rua

domingo, 15 de julho de 2012

Desindustrialização brasileira: mito ou fato?


Por Joaquim Maia Neto
O Brasil passa por um momento de ameaça à indústria nacional. Não se trata apenas de uma hipótese remota, ou de um mito, como muitos advogam. Os números corroboram o enfraquecimento do setor industrial, consequência de uma conjuntura global na qual outras atividades econômicas expandem sua participação no mercado. A situação é agravada pela acirrada competição com países nos quais a indústria é beneficiada por políticas públicas que lhe conferem vantagens em relação à indústria brasileira.
Muitos fatores têm levado à progressiva desindustrialização no nosso país. Quase todos agem reduzindo a competitividade brasileira no mercado global. Câmbio desfavorável, alta carga tributária, infraestrutura precária, encargos trabalhistas incompatíveis com as atuais exigências do mercado, juros elevados e custo dos insumos estão entre as principais causas das dificuldades que este importante setor da economia enfrenta atualmente. Nem mesmo a abundância de recursos naturais disponíveis no Brasil, que podem ser convertidos em matéria prima para a indústria, é capaz de amenizar os efeitos negativos do extenso rol de fatores prejudiciais.
Dentre todas as dificuldades, duas são decisivas e devem ser enfrentadas imediatamente: a infraestrutura logística e o câmbio. A primeira delas faz com que o custo de deslocamento represente um percentual alto na composição dos preços dos produtos finais. Para saná-la são necessários altos investimentos, que podem ser realizados diretamente pelo poder público ou em parceria com o setor privado, na forma de concessão de parte da cadeia logística à iniciativa privada. Nessa frente de ação devem ser priorizados os investimentos nos modais ferroviário e aquaviário de transportes, que são menos onerosos, devido aos ganhos de escala, e ainda garantem vantagens ambientais.
A questão do câmbio é um problema cuja solução é complexa, pois não depende exclusivamente de ações do governo brasileiro. A China, por exemplo, vem mantendo sua moeda artificialmente subvalorizada, com o evidente propósito de garantir competitividade às suas exportações de produtos manufaturados. Para compensar as perdas econômicas causadas pela política cambial chinesa, a União Européia e os Estados Unidos passaram a adotar medidas protecionistas que prejudicaram ainda mais a economia brasileira. Neste contexto, não há alternativa ao Brasil que não seja seguir o mesmo caminho, ou seja, adotar também ações no sentido de proteger a economia nacional, em especial o setor industrial.
A presidente Dilma Rousseff anunciou há pouco tempo, em recente reunião com grandes empresários brasileiros, medidas de proteção à indústria nacional. Consideradas tímidas por alguns analistas, as medidas têm ajudado a indústria na delicada conjuntura global atual.
Se ações protecionistas mais ousadas não forem implementadas, continuaremos a conviver com uma situação perversa, na qual, para manter a balança comercial com números positivos, o país acaba priorizando a produção de commodities primárias. Isso ocorre em detrimento da produção de bens manufaturados, que têm maior valor agregado. Gera-se, assim, um círculo vicioso que agrava a desindustrialização.
A defesa da indústria nacional, com a adoção de políticas públicas eficazes para o setor, é fundamental para que o sucesso econômico brasileiro se sustente no futuro. A desindustrialização é um problema real e deve ser enfrentado agora, sob pena de sermos os próximos expoentes de uma crise econômica.

domingo, 8 de julho de 2012

O Brasil é tricampeão! Um título para não comemorar.


Por Joaquim Maia Neto

Aniversários que completam décadas costumam ser mais comemorados. As pessoas parecem ter predileção por números “redondos”. Devido a essa predileção, importantes eventos ambientais têm acontecido em anos terminados em “2”, desde a Conferência sobre Meio Ambiente Humano, realizada pela ONU em Estocolmo, na Suécia, no ano de 1972. Vinte anos depois de Estocolmo tivemos a Eco 92, no Rio de Janeiro. Trinta anos depois, a Rio+10, em Johanesburgo. Quarenta anos depois, a Rio+20, que acabou de acontecer. Mas há um cinquentenário comemorado neste ano, muitíssimo importante, que muita gente desconhece ou esqueceu. Em 1962 foi publicado nos EUA o livro “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson, denunciando os malefícios dos agrotóxicos à saúde humana e à vida selvagem. A publicação do livro foi fundamental para o banimento do DDT nos Estados Unidos, dez anos depois.

Manifestação durante a Cúpula dos Povos.
Cinquenta anos depois do lançamento da obra que é considerada o marco impulsionador do ambientalismo e da luta contra os agrotóxicos em todo o mundo, o Brasil comemora o tricampeonato mundial de envenenamento. Segundo um estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), apresentado durante a Cúpula dos Povos pela pesquisadora da UFPE, Lia Giraldo da Silva Augusto, a venda de agrotóxicos no Brasil em 2010 teve um aumento de 190% em relação a 2009. Com este aumento o Brasil foi, pelo terceiro ano consecutivo, o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, de acordo com dados levantados pela ANVISA. Esse tricampeonato não tem nada de glorioso. É motivo de vergonha para o país e é sintomático da realidade do agronegócio brasileiro que não tem nada de sustentável, ao contrário do que afirma a Confederação Nacional da Agricultura.

O consumo de agrotóxicos no Brasil chegou ao alarmante número de 5 Kg por habitante/ano. É muito veneno! Essa situação é fruto de um modelo de agricultura perverso, que condena a saúde dos trabalhadores rurais, dos consumidores e dos ecossistemas em benefício do lucro de poucos. A destruição do ambiente natural torna a produção agrícola cada vez mais dependente dos defensivos químicos, que por sua vez agravam o desequilíbrio ambiental, formando um círculo vicioso.

Falta ao Brasil uma política pública que crie condições para que os pequenos agricultores possam produzir alimentos sadios para a população, com incentivo à agricultura familiar e ao respeito à natureza e aos conhecimentos tradicionais. O montante de recursos aplicados em benefício dos pequenos produtores e da agricultura orgânica é várias vezes menor do que os incentivos voltados ao agronegócio, que incluem financiamentos facilitados e redução na tributação, inclusive dos agrotóxicos.

http://agriculturafamiliarater.blogspot.com.br/
O uso maciço de veneno nas lavouras brasileiras tem sujeitado a população a doenças diversas, muitas vezes não diagnosticadas. Até mesmo os agrotóxicos de uso permitido, mesmo quando aplicados nas doses aceitáveis, podem prejudicar a saúde das pessoas que consomem os produtos nos quais eles foram utilizados. A situação se torna mais grave porque no Brasil infelizmente ainda é frequente o uso de substâncias proibidas e a utilização das permitidas em quantidades superiores às autorizadas. Os problemas que o envenenamento dos alimentos causa às pessoas variam desde simples irritação até tumores malignos. Na maioria das vezes não se faz a associação do problema com o consumo de alimentos contaminados, pois faltam estudos nesse sentido. De que adianta fazermos campanhas para que as pessoas cuidem melhor de sua saúde, comendo mais vegetais, se eles estão envenenados?

O preço dos produtos orgânicos ainda é muito mais caro do que os “convencionais”, assim chamados aqueles cuja produção utiliza agrotóxicos. As pessoas mais pobres não têm a opção de comprar um produto mais saudável e justamente elas têm maior dificuldade de obter atendimento médico, pois dependem do nosso precário sistema de saúde pública. Configura-se assim uma grande injustiça social, pois os que menos podem se tratar são os que mais se contaminam.

Horta pública em Todmorden, Reino Unido.
Pequenas ações podem ajudar na solução parcial do problema. Uma reportagem recente exibida na Rede Globo mostrou o caso da cidade de Todmorden, no interior da Inglaterra, onde espaços públicos foram transformados em hortas socializadas, onde qualquer um pode plantar e qualquer outro pode colher. Com a iniciativa as pessoas passaram a ter acesso a vegetais saudáveis para sua alimentação. Isso pode ser uma solução adequada para cidades pequenas, mas não resolve o problema da maioria da população que se concentra nos grandes centros urbanos que não tem como produzir alimentos localmente. A verdadeira solução passa por uma ruptura do nosso modelo de agricultura e pela implantação de sistemas de produção mais harmônicos com a natureza. Essa harmonia pode estar na agricultura familiar, onde o homem trabalha a terra compreendendo o valor da natureza e dedicando o respeito que ela merece.

Um bom começo para o Brasil seria estabelecer uma meta de redução no consumo de agrotóxicos e implantar políticas para alcançar essas metas. Deveríamos ser campeões de produção alimentos saudáveis ao invés de liderarmos a lista dos contaminadores do planeta.


Veja também: O veneno nosso de cada dia

domingo, 1 de julho de 2012

Da Rio+20 às sacolinhas paulistas: estamos longe da verdadeira sustentabilidade


Por Joaquim Maia Neto

Encerrada a Rio+20, as avaliações são distintas. Para os pessimistas, o fracasso previsto da Conferência se concretizou. A incapacidade dos governos em encontrar uma solução consensual para os maiores problemas ambientais e sociais da humanidade foi refletida em um documento pobre, no qual os poucos compromissos assumidos são absolutamente insuficientes para fazer frente aos desafios que enfrentaremos. Como esperado, os representantes das nações que subscreveram o documento final, denominado “O Futuro que Queremos”, não foram audaciosos a ponto de mostrar ao mundo um caminho de mudanças cujo horizonte temporal fosse compatível com a rapidez necessária para reverter, ou no mínimo mitigar, os prejuízos que as agressões ao planeta causarão a todos os seus habitantes.

Tradução: "Não tenho tempo..."
Os otimistas se apegam aos resultados da “Cúpula dos Povos”, um evento paralelo da sociedade civil, e às centenas de compromissos voluntários entre governos, ONGs e empresas, para anunciar que nem tudo está perdido. Na avaliação otimista, a capacidade de articulação da sociedade demonstraria que há uma consciência global que exige mudança nos rumos da atual sociedade de consumo, pautada pelo capitalismo insustentável.

A comparação entre os resultados da Cúpula dos Povos e da conferência oficial apenas demonstram o abismo que existe entre as duas visões de mundo. Estamos muito distantes de alcançar resultados compatíveis com aquilo que os movimentos sociais esperam dos governos nacionais. Um exemplo é o conceito de “Economia Verde”, um dos eixos principais da conferência oficial, que não passa de uma nova maquiagem que o sistema capitalista encontrou para continuar sobrevivendo, e que foi duramente criticado no documento final da Cúpula dos Povos.

Lamentavelmente temos que admitir que os pífios resultados da Rio+20 refletem exatamente a opinião da maioria da população mundial. Não podemos acusar os chefes de Estado de não representarem seus povos. Vejamos o que acontece no Brasil. Nem bem terminou a conferência e acaba de ser publicada a Lei12678, que desafeta áreas de unidades de conservação da Amazônia para dar lugar a novas usinas hidrelétricas. Essa lei é de iniciativa de um governo que detém 77% de aprovação, segundo as mais recentes pesquisas.

Em São Paulo um histórico acordo entre o Governo do Estado e os supermercados, que baniu as nocivas sacolinhas plásticas, acaba de ser derrubado na justiça. A postura cômoda da maioria dos consumidores que, por preguiça de levar uma sacola retornável para suas compras, reclamou da suspensão na distribuição do lixo plástico, fez com que a justiça agisse totalmente na contramão da proteção do meio ambiente.

Tanto a alta aprovação de um governo desenvolvimentista a qualquer preço, quanto a choradeira causada pelo fim da distribuição das sacolinhas são demonstrações de como a sociedade majoritariamente não valoriza a questão ambiental. Portanto, não há que se falar que os governos representados na Rio+20 estão alheios aos anseios de seus povos.

As preocupações com a economia tradicional, com o crescimento do PIB, com a manutenção dos empregos e com a saúde das instituições financeiras ainda estão à frente da preocupação com a saúde do planeta na lista de prioridades da sociedade mundial. É por isso que governantes adotam essa postura irresponsável na área ambiental. Repercutem a postura também irresponsável de seus representados.

Muitas vezes os ambientalistas, por conviverem em meio a seus pares, não percebem que falam para si mesmos e que há muito a ser transformado na sociedade. Infelizmente os participantes da cúpula dos povos, apesar de muito responsáveis e preocupados com o que realmente interessa, estão longe de representar a maioria das pessoas. Se seus interesses fossem majoritários, teríamos governos com as mesmas preocupações. Vejam a conduta dos políticos mais votados. Poucos têm compromisso com o meio ambiente. É verdade que as corporações têm maior poder de influência sobre os governos do que tem o povo. Mas elas não agem influenciando apenas o governo, mas exercem influência também sobre as pessoas.

As condutas ambientalmente corretas, ainda que minimamente, continuam sendo consideradas “radicais” e “xiitas” por parte de amplos segmentos da sociedade. Basta sair do meio “ambientalista” para perceber isso. Ainda somos considerados chatos por muitas pessoas quando recomendamos menos consumo ou o uso da sacola retornável, do transporte coletivo, da bicicleta, da ventilação natural.

Continuar brigando com governos é necessário, mas o movimento ambientalista tem a árdua tarefa de convencer corações e mentes de que o mundo vai mal e que é preciso mudar os rumos. Uma coisa é fazer uma pesquisa de opinião e constatar que a maioria dos brasileiros era contra as mudanças no Código Florestal, por exemplo. Outra coisa são as atitudes dessas mesmas pessoas que rejeitavam as mudanças. Será que elas abrem mão dos confortos propiciados pela sociedade de consumo em benefício de um futuro melhor e da redução das desigualdades sociais? Provavelmente não. E os governos sabem disso. Tanto que a Dilma não vetou integralmente o Código e sua popularidade não só não caiu, como aumentou.

Passe quinze minutos na porta de um supermercado. Veja os consumidores felizes da vida carregando quinquilharias acondicionadas em muitas embalagens, dentro das sacolas plásticas, sem nenhum remorso e digam quantos realmente estão preocupados com o documento da Cúpula dos Povos. Temos muito trabalho pela frente.