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domingo, 5 de junho de 2011

Dia Mundial do Meio Ambiente - O que temos a comemorar?

por Joaquim Maia Neto

Hoje é o Dia Mundial do Meio Ambiente, data em que se iniciam as comemorações da Semana do Meio Ambiente.

Para a língua portuguesa a locução “Meio Ambiente” poderia ser considerada um pleonasmo, já que é formada por duas palavras que podem ter o mesmo significado. Seu uso, porém, consolidou-se na sociedade porque foi atribuído a essa expressão um significado maior do que as palavras isoladas. “Meio” pode ser considerado um lugar, “Ambiente” aquilo que nos rodeia, mas a junção das duas palavras é mais do que isso e nos reporta à natureza, recursos naturais, ecossistemas, ao próprio universo. Termo tão difundido, mas para o qual a sociedade ainda não despertou como deveria.

Nós, seres humanos, somos parte desse Meio Ambiente. Por mais que nossa sociedade adote práticas que nos desconectam da nossa essência natural, estamos ligados inexoravelmente à teia da vida, que conecta todos os seres que compartilham o planeta Terra, e quiçá os que habitam ou habitaram outros mundos. A longa saga evolutiva iniciada a partir de seres microscópicos surgidos no oceano primitivo registrou em nosso DNA e no nosso desenvolvimento embrionário os passos da nossa caminhada para que não esqueçamos jamais de onde viemos. Um pouco de atenção na observação do mundo a nossa volta, nos permite perceber que as semelhanças com nossos irmãos não humanos são muito maiores do que as diferenças. A inútil insistência do homem em romper essa ligação é a causa de desequilíbrios éticos, sociais, ambientais e fisiológicos.

O mundo abriu os olhos para a necessidade de reconexão, ou pelo menos formalizou tal preocupação, em 1972, quando 113 nações realizaram em Estocolmo, capital da Suécia, a “Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente”. O alerta da comunidade científica, demonstrando que os recursos naturais não são inesgotáveis, sensibilizou os líderes dos Estados para a discussão do problema. O crescente desenvolvimento industrial, baseado em formas de produção sujas e poluidoras, levou os países desenvolvidos a questionar o modelo vigente e a propor a contenção desse desenvolvimento, contrapondo-os às nações subdesenvolvidas que pregavam o “desenvolvimento a qualquer custo” para aproximá-las dos padrões dos países do então chamado “primeiro mundo”.

A preocupação mundial com o tema foi ganhando corpo de maneira ainda tímida. Diversos países criaram legislações de proteção ambiental e políticas públicas voltadas a um relacionamento mais amigável entre homem e natureza. O Brasil demorou a acordar, voltando os olhos mais para os exemplos dos países do norte, e focando-os nos resultados econômicos e não nas consequências ambientais do modelo desenvolvimentista. Foram estimulados, em pleno regime ditatorial, a industrialização de baixo desempenho ambiental, a abertura de estradas no meio da floresta, o desmatamento e a ocupação das planícies de inundação, tudo com pesado incentivo governamental.

Em 1982 a ONU realizou uma conferência em Nairóbi, capital do Quênia, em comemoração aos dez anos da Conferência de Estocolmo, com a finalidade de avaliar os resultados obtidos nos dez anos que a sucederam. Os resultados principais foram a reafirmação dos compromissos assumidos em Estocolmo, o reconhecimento de que eram necessários avanços maiores, o apelo à cooperação internacional e o combate à miséria, ao consumismo e ao desperdício, grandes causadores de degradação ambiental.

Em 1988 o Brasil promulga nova Constituição, que conferiu tratamento especial à questão ambiental e consolidou o direito ao meio ambiente equilibrado, atribuindo ao poder público e a toda a sociedade a obrigação de garantir esse direito às presentes e futuras gerações. Com a redemocratização e seguindo tendência mundial, o país foi modernizando a sua legislação ambiental, reconhecendo o potencial, inclusive econômico, de sua imensa biodiversidade. Em 1992 sediamos a “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento”, a Rio-92, que contou com a participação de quase todos os países e com a presença maciça de chefes de Estado e de Organizações Não-Governamentais, demonstrando a importância que era dada ao tema no início dos anos 90. Como resultado da conferência, tivemos entre outros, a consolidação do conceito de desenvolvimento sustentável, o acordo em torno da Agenda 21 e a aprovação da Convenção da Biodiversidade.

No final da década de 90 o Brasil dispunha de uma das mais modernas legislações ambientais em todo o mundo e de um aparato público voltado à sua aplicação, apesar dos inúmeros problemas em fazê-lo funcionar, relacionados à adesão do país a conceitos econômicos neoliberais que impunham uma política de “Estado mínimo”. Consolidaram-se mecanismos como o licenciamento ambiental, a criminalização dos danos ao meio ambiente e a obrigação de repará-los, a educação ambiental formal e não-formal e a participação popular nas decisões ambientais.

Em 2002, 172 nações participaram da Rio+10, a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizada em Johanesburgo, África do Sul. O encontro ocorreu em um momento no qual as preocupações sobre as mudanças climáticas dominavam o debate ambiental no mundo e não se restringiu a temas estritamente ambientais, ao contrário, teve um forte componente social envolvido nas discussões. Os resultados foram muito modestos. Os países ricos não concordaram com o perdão das dívidas dos países pobres e os grandes produtores de petróleo (o Brasil ainda não estava entre eles) juntamente com os EUA se recusaram a assumir compromissos de substituição de suas matrizes energéticas por fontes renováveis, a fim de contribuir com a redução das emissões de gases do efeito estufa. O mundo começava a sinalizar que a pressão pelo desenvolvimento e crescimento econômico dificultaria os avanços globais voltados a um planeta ambiental e socialmente mais equilibrado.

No Brasil, o início do século 21 foi marcado por uma mudança de governo que, se por um lado, não levou a uma alteração na macropolítica econômica, por outro alterou bastante a gestão da máquina pública, refletindo a diferença ideológica entre o novo governo e o antigo. O resultado da mudança foi o fortalecimento do Estado, robustecendo os órgãos e entidades federais para viabilizar as novas políticas públicas aprovadas nas eleições. Para a área ambiental essas mudanças implicaram a melhor estruturação dos órgãos e entidades federais de meio ambiente, mas também criaram  um contexto  de embates com outras áreas estatais, em especial aquelas incumbidas da execução de projetos desenvolvimentistas, eleitos como uma das prioridades da nova elite política.

Não demoraram a chegar os conflitos, causados pela maior atuação de um aparato ambiental estatal fortalecido que começava a exercer efetivamente a regulação sobre os grandes projetos causadores de grandes impactos ambientais, muitos deles executados pelo próprio Estado. É nesse momento que começa a ser detectada, no Brasil, uma contradição nas políticas públicas que levaria ao retrocesso observado hoje. Liderado por uma ambientalista de renome internacional, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) disseminou por todo o governo a internalização do discurso ambiental na formulação das políticas, alcançando muitas vezes a execução, na prática governamental, de ações propugnadas nesses discursos. Ao mesmo tempo outros setores do governo se articularam no sentido oposto, promovendo uma queda de braço que foi enfraquecendo a área ambiental. Não é difícil saber qual lado prevaleceu. Se o desmonte da legislação ambiental ainda não havia chegado, novos desafios na área eram tratados com um enfoque legal bastante distinto daquele que foi forjado na década anterior. A liberação do cultivo de organismos geneticamente modificados (OGMs) foi um dos exemplos de como as novas leis passaram a desconsiderar o consagrado princípio da precaução.

Uma série de derrotas começou a se consolidar. Além da permissividade para com os OGMs, a liberação da importação de pneus usados no início do Governo Lula (revertida posteriormente), o projeto de transposição do Rio São Francisco, que contrariava as deliberações da II Conferência Nacional do Meio Ambiente, a Usina Nuclear Angra III, as pressões para a liberação das licenças das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau e a composição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, foram embates que desgastaram a ministra Marina Silva. A gota d’água para que ela deixasse o governo foi o Plano Amazônia Sustentável, que havia sido planejado pelo MMA, mas teve sua execução atribuída à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, à época comandada pelo polêmico Ministro Mangabeira Unger.

Neste Dia Mundial do Meio Ambiente não temos muito a comemorar, pois o retrocesso ambiental parece continuar. O mundo todo permanece explorando os recursos naturais acima da capacidade de recuperação do planeta. No fim do ano passado a União Europeia, para a decepção dos cientistas e ambientalistas, decidiu continuar desenvolvendo a pesca marítima predatória de arrasto, comprometendo a sustentabilidade dos estoques pesqueiros. Ainda patinamos na redução global das emissões de gases do efeito estufa, devido à resistência dos países mais industrializados em alterar sua matriz energética para um modelo mais limpo. O acidente no Japão mostrou ao mundo a fragilidade na segurança das usinas nucleares.

No Brasil, parece que o retrocesso é maior. Diante da crise econômica, o governo reduziu impostos dos automóveis para aquecer a economia. Como resultado, entupimos ainda mais as vias das nossas cidades e aumentamos a sujeira despejada no ar e filtrada por nossos pulmões. Alternativamente, investimentos e incentivos às obras de infraestrutura para melhorar a mobilidade urbana e desenvolver o transporte coletivo poderiam trazer melhorias econômicas semelhantes, gerando empregos e possibilitando inúmeros benefícios para qualidade de vida das pessoas, mas essa não foi a escolha. A descoberta da camada pré-sal pode tornar a matriz energética brasileira mais poluente. A atual diretriz de transferir decisões ambientais aos estados, como o licenciamento e a gestão da fauna, aproximará essas decisões dos centros de pressão política, comprometendo o interesse público. As unidades de conservação, nossa esperança de proteção de pelo menos algumas ilhas de biodiversidade, sofrem ataques do Congresso no intuito de desafetar as áreas por elas ocupadas. Muitos projetos de Lei tramitam nas casas legislativas propondo a redução das áreas ou até mesmo a extinção de algumas unidades, numa nítida contradição com as metas brasileiras de proteção dos biomas. Em alguns casos o próprio executivo cedeu, fazendo acordos com fazendeiros, deputados e governos estaduais, que resultaram na redução das áreas protegidas. Para fazer justiça, deve-se destacar um importante avanço, entre os raros na atualidade: a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12305/2010), publicada no ano passado, cuja implementação encontra-se no início.

Por ironia, ou afronta, muitas decisões retrógradas que comprometerão nosso futuro, bem como acontecimentos trágicos, aconteceram às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente. A recente aprovação na Câmara dos Deputados do Novo Código Florestal, voltado a proteger os desmatadores e não as florestas, talvez seja a mais grave delas. Consequência da tramitação do Projeto de Lei, os índices de desmatamento recém anunciados demonstram um grande crescimento na comparação com os primeiros meses de 2010. Quatro ambientalistas foram brutalmente assassinados na região Norte, simplesmente porque lutavam contra crimes ambientais praticados por poderosos. O Conselho Nacional de Meio Ambiente e o IBAMA, instituições que ganharam notoriedade pelo seu rigor técnico, atualmente agem influenciados mais pelo componente político. O primeiro acaba de permitir a fabricação de motocicletas com catalizadores de baixíssima durabilidade, atendendo à pressão da indústria que prejudicará ainda mais a qualidade do ar nas grandes cidades. O segundo liberou há poucos dias a Licença de Instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, um projeto desastroso, mesmo admitindo que as condicionantes da Licença Prévia não foram cumpridas.

Já que não podemos comemorar, que este seja um dia de luta e reflexão. Essa situação negativa é fruto do não despertar da sociedade para a temática ambiental. Todos protestam quando a saúde ou a educação não vão bem, mas poucos reclamam da má gestão ambiental. Como consequência, são eleitos poucos políticos comprometidos com a causa. Parte do problema se deve ao poder econômico. O interesse do capital em explorar e obter lucro fácil e rápido mobiliza recursos pesados, e a luta é uma briga de Davi contra Golias. Outra parte deve-se a baixa capacidade do movimento ambientalista em convencer a sociedade. Estamos sendo incompetentes nisso. O perfil dos que se preocupam com o meio ambiente é, em geral, urbano, de classe média. Insistimos em falar com os que são como nós. Assim não avançaremos. A luta tem que extrapolar as redes sociais e ir às ruas e ao campo, alcançar as massas e mostrar ao povo que os primeiros e mais prejudicados pela degradação ambiental e pelo esgotamento dos recursos naturais são justamente os mais pobres, os que não se apropriam da renda gerada por esses recursos, que acaba concentrada nas mãos de poucos.

Um comentário:

  1. Ótimo post.
    Esse texto, como outros aqui publicados, trouxe informações contextualizadas, que despertam o espírito crítico necessário para que possamos trilhar um novo caminho, imprescindível para a vida humana.
    Realmente não temos muito a comemorar, mas a sua iniciativa merece comemoração.

    Parabéns!

    Adriana de Paula

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