por Joaquim Maia Neto


A psicologia explica que quando se comete um erro de discurso desse tipo, muitas vezes há alguma motivação, pouco consciente, oriunda de uma convicção próxima do que se disse, ou ainda causada por uma pressão no sentido de agir diferentemente do que deveria ser dito.
A prática da atual presidente da república, desde os tempos do Ministério das Minas e Energia, sempre foi de contraposição à área ambiental do governo, coerentemente com sua linha desenvolvimentista. Por sua vez o IBAMA nunca foi tão pressionado a agir em confronto com os objetivos de conservação da natureza constantes da Lei que o criou. Sendo assim, ambos os atos podem não ter sido tão falhos assim.
Analisando dessa forma, percebe-se certa dificuldade em responder a pergunta que intitula este artigo.
Desafetar unidades de conservação, por qualquer que seja o motivo, é uma ação que deveria ser precedida de estudos técnicos e científicos que justifiquem essa decisão, já que a criação delas é baseada em estudos que indicam a necessidade de se proteger os atributos naturais existentes num determinado espaço territorial. O próprio legislador, ao determinar a exigência de Lei para se reduzir ou extinguir uma unidade de conservação, ainda que criada por decreto, levou em consideração o princípio da precaução que está consolidado no direito ambiental e que visa impedir que a falta de informação científica possibilite uma perda irreparável dos recursos naturais com o consequente comprometimento dos seus serviços ambientais. Sabemos que a tramitação de um projeto de Lei envolve tempo e discussão, fatores que permitem trazer à luz as informações obtidas nos estudos. Em sentido contrário, a utilização de medida provisória para essa finalidade, além de arbitrária, distorce completamente o sentido da existência das unidades de conservação, pois subverte a relativa rigidez necessária na delimitação das áreas, fundamental para o planejamento e a gestão da conservação. Qual a urgência e a relevância que justificam uma MP dessas, se a construção de UHEs é uma atividade que envolve planejamento?
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Parque Nacional da Amazônia Foto: Arquivo ICMBio |
Os gestores das unidades a serem vitimadas por essa autoritária investida anti-ambiental do governo, manifestaram-se contrariamente à proposição, mas surpreendentemente, ou nem tanto, a direção do Instituto Chico Mendes, entidade gestora das unidades de conservação federais, vê esse processo com naturalidade, considerando-o “normal”. De fato a desafetação de unidades de conservação lentamente vem se tornando normal. Foi assim com a Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia, onde após grandes investimentos financeiros em uma megaoperação de fiscalização, houve a exclusão de cerca de dois terços da área para beneficiar pecuaristas produtores de “bois-piratas”. Provavelmente será assim no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, onde parlamentares patrocinam um esquartejamento dos seus limites para que se perpetuem as queimadas e a exploração de rochas e diamantes no “berçário“ das águas do São Francisco. Além das reduções, observamos uma drástica desaceleração no ritmo de criação de novas unidades desde o segundo mandato do presidente Lula. Pelo jeito não é só o IBAMA que não cuida do meio ambiente.
Não importa quantas espécies vão se extinguir, quantas aldeias indígenas vão ser desalojadas, quantas unidades de conservação vão sucumbir ou quanto território será desflorestado. Precisamos de energia! E tem que ser hidrelétrica, pois é assim que o governo (ou as empreiteiras?) quer. Está sendo discutido, no âmbito do Ministério das Minas e Energia, o Plano Decenal de Expansão de Energia (2011-2020). No relatório de 343 páginas colocado à consulta pública, há um único parágrafo específico sobre fontes alternativas de energia e que ainda inclui entre estas as pequenas centrais hidrelétricas.

O raciocínio é simples: juntando-se uma presidente que não tem o DNA do PT (não tem a vivência nos coletivos partidários) e que é a “mãe do PAC” com aliados fisiológicos que controlam as pastas que tocam esse PAC, cria-se um terrível desequilíbrio na correlação de forças da disputa do poder. Não estou aqui tratando das questões éticas, porque nesse ponto a presidente é bem menos transigente que seu antecessor, fato que ficou nitidamente demonstrado com o afastamento sumário das cúpulas do DNIT, Valec e MT. Falo justamente do jogo de poder e de interesses. Como os projetos desenvolvimentistas aparentemente não se chocam com as áreas de educação e saúde e dão o norte à área econômica, quem é atropelado é o Ministério do Meio Ambiente.
Os históricos petistas do MMA, cuja prática é a mais democrática possível, são transparentes em tudo o que fazem. Envolvem os demais ministérios nas discussões ambientais e buscam a conciliação. Acreditam nessa forma de resolver conflitos. Enquanto isso levam rasteiras dos colegas de outros ministérios. Foi o que aconteceu com a votação do Código Florestal. O Ministério da Agricultura articulou-se nos bastidores e levou a base aliada e a maior parte da bancada petista a votar num texto retrógrado. Os outrora combativos militantes socioambientais aninhados na Esplanada, hoje estão passivos, aceitando mínimas mitigações nos licenciamentos ambientais das vergonhosas UHEs amazônicas, minúsculas reformas no horrível código florestal aprovado pela Câmara, insignificante participação na discussão da matriz energética, entre outras migalhas, sob o argumento que o governo estaria pior sem eles. Hoje são dirigidos no MMA e nas autarquias vinculadas, por “quadros com perfil técnico”, cuja ação prática é mais política do que a de políticos que os antecederam em governos passados.
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