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domingo, 18 de dezembro de 2011

O código anti-florestal

Por Joaquim Maia Neto
Fonte:
 http://psoljundiai.blogspot.com/

No último domingo eu deveria ter postado um texto sobre o código florestal aprovado no Senado, que volta à Câmara devido às alterações feitas pelos senadores. Não o fiz porque o Senado demorou a disponibilizar o texto final, pois houve alterações feitas na última hora, durante a votação em plenário. Nesta semana, com o texto final em mãos, passei a compará-lo com o que fora aprovado na Câmara, a fim de atualizar as informações prestadas no artigo escrito à época da aprovação pelos deputados. Ao reler a página neste blog sobre as alterações promovidas pela Câmara na Lei atual, percebi que os senadores mantiveram os principais pontos prejudiciais à conservação ambiental.
O relator na Comissão de Meio Ambiente, senador Jorge Viana (PT-AC), alardeou um “consenso” que teria levado a um texto possível, fruto de acordo entre ambientalistas e ruralistas, que representaria grande avanço em relação ao documento oriundo da Câmara. Na realidade não foi isso que ocorreu. A favor do meio ambiente, apenas três pontos foram melhorados pelos senadores: a retirada da competência dos estados na definição de outras atividades passíveis de serem aceitas em APP, que passa a ser exclusiva da União; a necessidade de aprovação da localização da reserva legal pelo órgão ambiental (no texto da câmara a RL seria apenas informada no Cadastro Ambiental Rural) e; os incentivos econômicos para produtores rurais que desenvolvam ações de conservação.
O primeiro ponto foi imposição do executivo, que nunca quis descentralizar as decisões sobre intervenções em APP aos estados. A descentralização entrou no texto da Câmara por uma emenda do PMDB, que na época provocou protestos do Planalto. A aprovação da localização da Reserva Legal é condição para que ela cumpra seu papel, pois um simples cadastramento teria um caráter meramente cartorial. Já os incentivos econômicos representariam grande avanço se não fosse o profundo afrouxamento sobre os mecanismos de comando e controle presente no texto.
Assim como os mecanismos de comando e controle, os econômicos não funcionam isoladamente. O novo código aprovado pelo senado estendeu os incentivos econômicos àqueles que deixaram de cumprir a legislação e agora serão anistiados. O sentido desses incentivos deveria ser premiar os que cumpriram a Lei, mas, além disso, o Congresso resolveu usá-los para salvar o bolso daqueles que desmataram e deveriam recuperar o dano que causaram. Após auferirem lucros com a degradação ambiental, os desmatadores poderão receber dinheiro público para recuperar o passivo que geraram. Eles ganham degradando e a sociedade paga o prejuízo.
Não vou repetir os pontos negativos já destacados no artigo anterior. Exceto os três aqui destacados, todos os demais permanecem. Mas alguns pontos merecem ser discutidos.
Durante a campanha para o segundo turno das eleições presidenciais, a então candidata Dilma Rousseff, empenhada em angariar eleitores que haviam votado na Mariana Silva no primeiro turno, se comprometeu a vetar qualquer iniciativa que concedesse anistia aos desmatadores. É muito pouco provável que a hoje presidente cumpra com sua promessa, já que sua equipe, incluindo a atual ministra do meio ambiente, participou ativamente do acordo que levou à aprovação do código. A anistia consta explicitamente do texto e se estende a todos que descumpriram a legislação até 22/7/2008. Os que defenderam essa data como limite argumentam que ela coincide com a publicação do Decreto 6514 que regulamenta as sanções administrativas previstas na Lei de Crimes Ambientais e que a partir dessa data o Estado criou mecanismos para punir infratores. Não é verdade. Desde 1999, um ano após a publicação da Lei de Crimes Ambientais, havia regulamentação para aplicação de penalidades. O decreto 3179/1999 estabeleceu as punições e vigorou até a publicação do 6514 que o revogou. A data de 2008 para conceder anistia é fruto da esperteza dos ruralistas, sem nenhum fundamento que a justifique.
O novo código é um imenso retrocesso na legislação ambiental brasileira. Neste sentido, só perde para a Lei Complementar 140, sancionada pela presidente Dilma no último dia 8/12, que tira poderes da União, deixando os estados e municípios livres para fazer gestão ambiental sem que a União possa corrigir eventuais falhas. Na prática a Lei esvazia as atribuições do IBAMA. Este assunto também foi objeto de um artigo neste blog. A ministra do meio ambiente, Izabella Teixeira, servidora de careira do IBAMA, escapou de assinar a Lei, já que estava em Durban, na África do Sul, participando da COP 17. Deixou a tarefa inglória ao secretário executivo.
Voltando ao código, apenas para citar alguns retrocessos em relação à legislação vigente, há muitos pontos preocupantes além da ampla anistia. Com a publicação da nova lei passarão a ser consideradas pequenas propriedades rurais, para as quais a legislação ambiental é menos exigente, aquelas com até 4 módulos fiscais (até 400 ha na Amazônia). Hoje o tamanho máximo dessas propriedades é de 150 ha. Ampliou-se muito o rol de intervenções que passarão a ser consideradas de utilidade pública ou interesse social e consequentemente poderão ser desenvolvidas em APP. Até estádios de futebol poderão ocupar o lugar das matas ciliares, além de infra-estrutura de educação, lazer e cultura. A competência para estabelecer novas tipologias de empreendimentos passíveis de serem desenvolvidos em APP deixará de ser do CONAMA e passará à competência da Presidente da República.
Empreendimentos de carcinicultura e salinas implantados ilegalmente em ecossistemas frágeis e importantes, como apicuns e salgados, passam ser regularizados. Essas áreas, geralmente adjacentes a manguezais, são importantes para a reprodução de muitas espécies marinhas, inclusive o peixe-boi-marinho, que já está altamente ameaçado. Muitas propriedades amazônicas terão sua reserva legal reduzida de 80% para 50%. As compensações ambientais (contribuições financeiras para compensar obras muito impactantes) que hoje se destinam às unidades de conservação, poderão ser utilizadas até em parques urbanos voltados mais ao lazer do que à conservação. As regras para punir proprietários que queimam a vegetação nativa se tornarão muito mais complexas, dificultando sobremaneira a fiscalização. Enquanto hoje o proprietário deve proteger sua propriedade contra o fogo para não ser autuado, com a nova lei o fiscal vai ter que provar que o dono da terra agiu para que o incêndio acontecesse, o que é muito difícil na prática.
Apenas sete senadores votaram contra esse projeto de lei que tem como característica mais marcante a impunidade: Cristóvam Buarque (PDT-DF), Fernando Collor (PTB-AL), Lindbergh Farias (PT-RJ), Marcelo Crivella (PRB-RJ), Marinor Brito (PSOL-PA), Paulo Davim (PV-RN) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP). Veja a votação nominal na página do Senado.
Fazendo um balanço deste primeiro ano de governo de Dilma Rousseff, é possível constatar seu sucesso em desmontar a legislação ambiental brasileira. Como ministra da Casa Civil ela bem que tentou, mas não dispunha do poder que tem agora. Não é por acaso que a bancada ruralista se destacou tanto neste ano que termina. Ela não teria o êxito que teve se não houvesse um governo altamente alinhado com seus interesses. Foi curioso ver a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), maior expoente da bancada, elogiar a ministra Izabella Teixeira pela sua atuação nas negociações do novo código. Isso mostra a sintonia do governo com os ruralistas. Nem adianta apelar ao bordão “veta Dilma”, porque isso é uma ilusão.

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