Por Joaquim Maia Neto
A humanidade surgiu e evoluiu convivendo com a beleza celeste. Como animais de hábitos diurnos que somos, a noite restringia grande parte das nossas atividades, propiciando o descanso necessário para o enfrentamento da luta diária pela sobrevivência. Ao mesmo tempo representava certo perigo, dada nossa dificuldade em perceber potenciais ameaças no ambiente natural noturno.
O medo associado à noite levava o homem a procurar abrigos que o protegessem até o raiar do sol, mas esse não é o único sentimento que tal efeito da rotação terrestre provocava em nossos antepassados. Os elementos celestes visualmente perceptíveis após o pôr do Sol sempre despertaram a curiosidade e o fascínio humanos. Navegadores utilizavam os astros como instrumentos de localização espacial. A observação do infinito até hoje nos leva a refletir sobre nossas origens e nosso destino no universo.
Quantas crianças se divertiram descobrindo constelações? Quantos já ficaram boquiabertos observando a imponência da via láctea, representada no céu como um imenso “caminho branco” formado por milhões de sistemas estelares?
Se estiver lendo este artigo à noite, pare um pouco, vá até sua janela e observe o céu. O que você vê? Como é muito provável que esteja em um ambiente urbano, acredito que não viu muitos astros. O motivo é a poluição. Não estou me referindo à fumaça de carros ou indústrias. Você pode até estar em um local onde a qualidade do ar é boa e ainda assim não ver plenamente o céu.
Quase todas as pessoas já ouviram falar de poluição atmosférica, hídrica, sonora e até visual, mas pouca gente sabe que existe um tipo de poluição que muitas vezes passa despercebida e que é tão importante quanto as demais: a poluição luminosa - um problema que vem se agravando ano após ano, principalmente nas grandes cidades e regiões metropolitanas.
Edifício em Brasília durante a madrugada |
A excessiva iluminação artificial noturna tornou-se parte da paisagem urbana e já é vista com naturalidade pela maioria das pessoas. Empresas utilizam luminárias, refletores, lâmpadas e painéis luminosos para divulgar suas marcas e produtos. Arquitetos, paisagistas e designers desenvolvem projetos de iluminação para destacar fachadas, jardins e monumentos. Cidadãos reivindicam e governos instalam cada vez mais lâmpadas nos logradouros públicos e vias de circulação, geralmente sob o pretexto de tornar as cidades e as estradas mais seguras. Até árvores são criminosamente cortadas para não bloquearem a passagem da luz.
A iluminação noturna, como toda poluição, é causadora de impactos ambientais altamente significativos. Os processos ecológicos evoluíram em profunda sintonia com os movimentos terrestres e com o ciclo lunar. O fotoperíodo regula diversos mecanismos fisiológicos, tanto nos vegetais como nos animais. A alteração artificial do padrão claro-escuro existente na natureza é prejudicial aos seres vivos, sendo mais impactante quanto maior a intensidade luminosa. Essa alteração prejudica a orientação espacial, a reprodução, o forrageamento, a migração e diversos mecanismos ecológicos, comportamentais e metabólicos dos animais. A luz desorienta insetos, como abelhas e mariposas e atrai vetores de doenças para as áreas habitadas por humanos. Tartarugas-marinhas recém-nascidas podem correr para a morte, na direção contrária ao mar em locais muito iluminados. Aves migratórias se perdem e alguns animais passam a se alimentar durante períodos muito maiores, provocando o aumento populacional descontrolado. Plantas deixam de florescer e frutificar. O resultado é o desequilíbrio ecológico. Há espécies que não se adaptam e desaparecem localmente. As endêmicas podem chegar a ser extintas.
O Homo sapiens não escapa aos impactos da iluminação noturna excessiva. Vários estudos demonstram que a exposição frequente e intensa à luminosidade noturna artificial provoca a redução da produção de melatonina no organismo, um hormônio que tem como principal função a regulação do sono. Os mesmos estudos mostram que níveis baixos de melatonina estão associados com maior incidência de câncer de mama¹, ².
Composição a partir de imagens de satélite da Terra obtidas à noite, mostrando as áreas luminosamente poluídas |
O fenômeno da poluição luminosa pode parecer pontual, restrito a pequenas áreas, mas não é, já que afeta 18,7% da superfície do planeta. É, portanto, um problema global. Em 1988 foi fundada a International Dark-Sky Association (IDA), uma entidade que tem como objetivo preservar e proteger o ambiente noturno. Imagens de satélite da Terra, quando captadas no hemisfério onde é noite, permitem perceber a intensidade do problema. Observa-se uma grande concentração de pontos luminosos nas áreas mais densamente habitadas. Cada vez temos que ir mais longe para ver um céu estrelado. As grandes unidades de conservação passaram a prestar um novo serviço ambiental, que é a “proteção do céu escuro”.

Além da poluição, a intensa iluminação gera um enorme desperdício de dinheiro e agrava outros problemas ambientais. Nos EUA são gastos US$ 2 bilhões anualmente com iluminação ineficiente. A construção de novas usinas hidrelétricas na Amazônia brasileira, que geram desmatamento, é motivada entre outras coisas, pelo crescente aumento do consumo energético, boa parte dele para iluminação.

1. BLASK, D. E. et alii. Melatonin-Depleted Blood from Premenopausal Women Exposed to Light at Night Stimulates Growth of Human Breast Cancer Xenografts in Nude Rats. Cancer Res 2005; 65 (23): 11.174–11.184
2. SOUSA-NETO, J. A. & SCALDAFERRI, P. M. Melatonina e câncer – revisão da literatura. Revista Brasileira de Cancerologia 2005; 51(1): 49-58
Para saber mais veja:
FERNANDES, G. W.; COELHO, M. S. & CAIRES, T. O impacto ambiental da poluição luminosa. Especial Scientific American Terra 3.0. 2010: 40-47 (disponível em http://www.amda.org.br/objeto/arquivos/308.pdf)
http://www.environmentalleader.com/2011/07/21/light-pollution%E2%80%99s-dark-realities
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