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domingo, 11 de março de 2012

A insuficiência das mudanças individuais

Por Joaquim Maia Neto
A luta ambientalista deve ser travada em várias frentes. A máxima “pensar globalmente e agir localmente”, consagrada a partir da Rio 92 com a Agenda 21, sinaliza uma dessas frentes. Isso não quer dizer que as ações globais, como aquelas atualmente discutidas acerca das mudanças do clima, para citar um exemplo, devam ser abandonadas.
Fazendo um paralelo sobre a discussão das ações globais e locais, convém refletir sobre a dualidade entre ações individuais e coletivas, ou sobre ações pontuais e estruturais.
Tornou-se moda reduzir a discussão às atitudes individuais. Muitos alegam que se cada um fizer a sua parte, o mundo será melhor, o que não deixa de ser verdade. Assim, procura-se levar as pessoas à consciência de que devem comprar produtos produzidos de maneira sustentável, economizar água, deixar o carro em casa, não comprar animais silvestres, etc. Tudo isso é muito importante e deve-se continuar trabalhando fortemente para que as
 pessoas continuem mudando seus hábitos e para que se crie uma geração com um padrão de comportamento no qual as decisões individuais são baseadas no interesse coletivo. Porém isso é absolutamente insuficiente para fazer frente à crise ambiental pela qual o mundo está passando.
Fonte: http://www.coletivoverde.com.br/
A crença de que reverteremos a marcha para o colapso ambiental apenas com atitudes individuais é inerente a um único discurso, mas tem origem em duas formas distintas de pensamento. A primeira delas é extremamente ingênua. Parte do pressuposto de que se as pessoas individualmente mudarem seus hábitos, o mercado irá se adaptar a formas de produção e consumo mais sustentáveis e tudo ficará bem. Esse pensamento, na sua concepção mais romântica, defende que não se deve regular rigidamente o mercado, impor sanções aos agentes econômicos ou responsabilizar o capital pela degradação ambiental, pois esta só acontece porque há ávidos consumidores dispostos a consumir os bens, produtos e serviços gerados por formas de produção insustentáveis. Se há desmatamento na Amazônia, é porque há consumidores de carne proveniente de boi pirata. Se há garimpo de ouro contaminando os rios com mercúrio, é porque há pessoas dispostas a adornar seus corpos com jóias feitas com o precioso metal, e por aí vai... Nessa linha as ações, principalmente educativas, deveriam ser focadas no consumidor, que é quem financia a cadeia produtiva.
 A segunda linha de pensamento adota o mesmo discurso, porém com motivação que de ingênua não tem nada. Corporações e grupos econômicos altamente organizados movimentam-se ativamente para jogar toda a responsabilidade nos ombros do consumidor. Esses grupos até modificam algumas de suas atitudes no sentido de adotar padrões de produção mais amigáveis ao meio ambiente, desde que o consumidor esteja disposto a pagar por eles. Exemplos estão por toda a parte. Inúmeras indústrias lançam linhas de produtos sustentáveis com altos preços, voltados a uma elite que pode pagar para aliviar sua consciência, enquanto produzem, muitas vezes nas mesmas plantas industriais, os produtos tradicionais oriundos de sistemas produtivos ambientalmente agressivos, com preços que só são baratos porque socializam o custo das externalidades negativas com toda a sociedade, enquanto o lucro é apreendido pelo fabricante.
Quero deixar claro que sou adepto das mudanças individuais de atitude, mas isso jamais resolverá o problema isoladamente. Quem acredita nas mudanças apenas pela via individual desconhece ou desconsidera complexos mecanismos econômicos ou de marketing que colocam o consumidor em condição infinitamente desvantajosa em relação ao produtor.
Milhões (em qualquer que seja a moeda) são gastos em campanhas publicitárias altamente técnicas, que dispõem de assessoramento psicológico e neurolinguístico para criar falsas necessidades nas mentes do consumidor. Há uma enorme assimetria de informações entre quem produz – e vende – e quem compra e consome. O poder econômico é extremamente diferente em cada um dos lados da balança. Por mais consciência que tenha um trabalhador que ganha salário mínimo ou pouco mais que isso, continuará escolhendo os produtos mais baratos, mesmo se for mostrado a ele que o custo da degradação que não foi internalizado no preço do produto será pago por ele próprio de outras formas.
Em alguns setores o mercado é tão concentrado, que não há opções para a aquisição de produtos ou serviços ambientalmente corretos. Tente, por exemplo, comprar um salgadinho de milho ou uma ração de cachorro que não seja produzida com vegetais transgênicos. Tente comprar produtos em embalagens retornáveis.
A regulação ambiental, assim como qualquer regulação econômica, é fundamental para o enfrentamento do problema. A crise financeira de 2008 demonstrou ao mundo que o mercado não se auto-regula. Se o Estado não cumprir o seu papel de interferir na sociedade usando suas prerrogativas no sentido de promover o equilíbrio, imperará a “lei do mais forte”. E cabe à sociedade organizada exigir essa postura dos entes estatais, pois o Estado não é isento da pressão exercida pelos atores econômicos. Quantas instituições públicas estão capturadas por interesse privados? É necessário que os movimentos sociais se organizem e também pressionem o Estado.
Da mesma forma que os supermercados aboliriam as sacolinhas plásticas se os consumidores as rejeitassem, os consumidores também se adaptariam caso os supermercados deixassem de fornecê-las. Mas o comércio não faz isso porque não interesse a ele. Aí é que entra o papel do Estado.
Responsabilizar o lado mais fraco e menos organizado pela crise ambiental é um grande equívoco, pois não há qualquer eficácia nessa prática. Guardadas as devidas proporções, seria o mesmo que prender todos os usuários de drogas, ou interná-los, ou ainda quem sabe tentar convencê-los de abandonar seu vício, abrindo mão de combater o tráfico. Já pensou se o IBAMA contratasse uma legião de fiscais para percorrer cada casa verificando se há madeira ilegal nas construções, ao invés de combater o desmatamento e fiscalizar as madeireiras?
A crise ambiental é, sobretudo, uma crise do capitalismo e apesar das ações individuais e educativas serem muito importantes, não haverá solução se o problema não for atacado em sua raiz, o que pode ser conseguido apenas com uma ação estatal motivada pela mobilização social, voltada a colocar o interesse público acima dos interesses privados.

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