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domingo, 26 de junho de 2011

Um olhar sobre a deficiência

Por Joaquim Maia Neto
Cerca de 15% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, segundo o censo 2010 do IBGE, o que representa um universo de mais de 28.600.000 pessoas. As deficiências são classificadas em visual, motora, auditiva, mental e física, e cerca de 40% dos que as têm, possuem mais de um tipo. 

Interessante notar que no dia-a-dia temos a impressão de que não há tantas pessoas com deficiência. Essa constatação é um mau sinal. Demonstra a nossa falta de preparo para lidar com esse contingente de pessoas que existem e têm o direito de usufruir dos benefícios que a vida em sociedade proporciona. Por que não vemos essas pessoas? Basicamente por dois grandes problemas: o preconceito e as barreiras. O preconceito faz com que as famílias e as próprias pessoas com deficiência fiquem reclusas, em maior ou menor grau. Isso ainda é muito comum em pequenas cidades do interior. As barreiras arquitetônicas, urbanísticas, de transportes ou de informações e comunicações, impedem ou dificultam muito o acesso de quem tem alguma deficiência, prejudicando até mesmo a sobrevivência dessas pessoas, pois as afastam do mercado de trabalho. No Brasil apenas 5% delas estão empregadas.
A inserção social das pessoas com deficiências vem crescendo no país, graças à luta de entidades comprometidas com a questão, ao avanço educacional e tecnológico e à evolução legislativa, que têm resultado em políticas públicas mais adequadas. A acessibilidade passou a ser uma preocupação obrigatória no planejamento público e nas atividades econômicas. Quando se discute acessibilidade, não estamos falando apenas das pessoas com deficiência, mas também de pessoas com mobilidade reduzida, seja de caráter permanente ou temporário, como idosos, pessoas obesas, gestantes, crianças, pessoas doentes ou com algum tipo de lesão temporária, etc.
A discussão e a implementação de políticas de acessibilidade há muito deixaram de ser vistas como mero assistencialismo. Hoje em dia o público beneficiado com essas políticas passa a ser visto como um conjunto de cidadãos com direitos e com potencial de inserção no mercado, tanto como trabalhadores, quanto como consumidores. O segmento do turismo, que é uma das atividades econômicas que mais crescem no mundo, é um exemplo de setor que passou a considerar a acessibilidade como um fator importante para aumento no faturamento e no desempenho de ações de responsabilidade social. O setor tem investido muito em construções acessíveis e em pessoal qualificado para atender pessoas com diferentes graus de limitações.
O Estado tem avançado ao criar leis para garantir os direitos das pessoas com deficiência como, por exemplo, as exigências de acessibilidade no transporte público em todas as suas modalidades e nos edifícios de uso público. As empresas com muitos funcionários têm percentuais obrigatórios de contratação de pessoas com deficiência. A regulação econômica dos serviços públicos concedidos tem incorporado exigências de atendimento às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.  
Não obstante os grandes avanços, percebemos que ainda há um grande passivo cultural e na execução das políticas públicas de acessibilidade. Na área de mobilidade urbana, deve-se tratar a questão de forma a garantir o máximo de autonomia para as pessoas que têm restrições em sua capacidade de locomoção, mas nem sempre é isso o que se vê. Ainda nos deparamos com muitas barreiras nas vias públicas. Nas calçadas são inúmeros os problemas que um cadeirante enfrenta. Faltam rampas nos cruzamentos e quando existem, muitas vezes têm uma inclinação que não atende às normas de acessibilidade, exigindo a ajuda de um terceiro para que sejam transpostas. É comum encontrar postes de sinalização, lixeiras e toldos em locais nos quais obstruem a passagem. O mesmo acontece com telefones públicos, que além de impedir a passagem, são raros os que têm altura adequada a um cadeirante. Degraus, muretas, rampas de acesso a garagens e pisos escorregadios são obstáculos igualmente comuns. Semáforos com dispositivos sonoros para cegos são raríssimos. No transporte coletivo urbano, quem se desloca com cadeira de rodas geralmente espera mais, pois muitos ônibus ainda não são acessíveis, apesar do crescimento da frota adaptada.
Não bastassem os obstáculos, ainda convivemos com situações de total desrespeito e falta de educação. Todos os dias vejo pessoas sem nenhuma limitação locomotora estacionando seus veículos, na maior cara-de-pau, nas vagas destinadas a pessoas com deficiência ou idosos. Em bares e restaurantes, muita gente utiliza o sanitário adaptado, muitas vezes emporcalhando-o, apenas para não ter que subir escadas, esquecendo-se que algumas pessoas não têm outra opção. Jovens ocupam assentos preferenciais no transporte coletivo e ainda é comum ver pessoas reclamarem do atendimento preferencial em bancos e estabelecimentos comerciais, como se não fossem ficar velhas ou com limitações. As companhias aéreas reduzem cada vez mais o espaço nas poltronas dos aviões, prejudicando principalmente as pessoas obesas.
O mesmo Estado que garante vagas separadas nos concursos públicos, exige, para alguns cargos, de maneira completamente desnecessária, um exame físico eliminatório que inviabiliza a participação no certame não apenas de pessoas que tem deficiência, mas de outras com mobilidade reduzida. Há casos em que estes exames se justificam, como para policiais militares ou agentes de polícia. Mas nos casos de peritos criminais ou delegados de polícia federal, só para citar dois exemplos, não há justificativa convincente, dada a predominância intelectual das atribuições. Até porque quando as deficiências ou reduções de mobilidade afetam esses profissionais após o ingresso na carreira, eles continuam na ativa, o que comprova a compatibilidade da condição de restrição com o exercício do cargo. A consequência prática dessa discriminação é o não aproveitamento de cérebros brilhantes que poderiam estar a serviço do Estado. Um exemplo da ficção ajuda a ilustrar a discussão: no filme “The Bone Collector”, exibido em 1999, o protagonista é um brilhante perito criminal tetraplégico, que desvenda a autoria de assassinatos em série.
As pessoas com deficiência são muito mais capazes do que pensa o senso comum. Como ocorre com todos, elas têm limitações em alguns campos, mas em compensação desenvolvem outras habilidades. O Brasil é referência mundial nos esportes paraolímpicos. As paraolimpíadas ajudam o mundo a valorizar as diferenças. Você, que agora lê este artigo, e que talvez não tenha deficiência, muito provavelmente tem um desempenho esportivo muito inferior ao dos atletas paraolímpicos. Já pensou nisso? Já pensou em uma pessoa portadora de deficiência praticando esportes de aventura?

Dadá Moreira e Joaquim Maia
no PARNA Serra da Canastra
Quando trabalhei no Parque Nacional da Serra da Canastra, tive uma lição de vida. Recebi a visita de Dadá Moreira, um advogado, jornalista e fotógrafo, portador de Ataxia Espinocerebelar, uma doença neurológica que prejudica o equilíbrio, a coordenação motora fina, a fala e a visão. Dadá é fundador da “Aventura Especial”, uma ONG que trabalha promovendo a recuperação psicossocial de pessoas que têm algum tipo de deficiência, por meio da pratica de esportes de aventura. Tive a oportunidade de assistir a uma palestra sua, após termos passeado juntos pelos principais atrativos do Parque Nacional, fazendo trilhas, nadando e tomando banho de cachoeira. A lição que aprendi com Dadá, é que a limitação está na nossa cabeça. Nosso preconceito e falta de confiança em nós mesmos e nos outros, são limitações muito superiores às limitações físicas. Vejam o vídeo da Aventura Especial no final do post, que é emocionante, e que vai fazer você rever seus conceitos. 
Dadá Moreira no
PARNA Serra
da Canastra
Dadá Moreira fez um diagnóstico sobre a acessibilidade no Parque, que infelizmente era e ainda é zero. O pior é que essa é a realidade da maioria das nossas unidades de conservação. Os Parques Nacionais e as demais unidades de conservação (UC) Federais, Estaduais, Distritais e Municipais onde a visitação pública é permitida são espaços privilegiados para a recreação em contato com a natureza e para o desenvolvimento do turismo de aventura. A visão de que, por serem ambientes naturais, não podem ser acessíveis, é equivocada e discriminatória. As pessoas com deficiência não reivindicam acesso a todos os atrativos de uma unidade de conservação, mas a alguns deles. Não se trata de negar as limitações, mas apenas de mostrar que as UCs, como qualquer outro espaço público, são de uso de todos, indistintamente. Todos os Parques deveriam ter alguns atrativos, de preferência os principais, com equipamentos de acessibilidade como rampas, passarelas, guarda-corpos, pisos adequados, entre outros, além de pessoas capacitadas para atender ao público que necessita desses equipamentos. Um pequeno impacto na paisagem poderia fazer com que o ambiente natural pudesse ser compartilhado por um número maior de pessoas.

As deficiências devem ser vistas pela sociedade com naturalidade, o que não quer dizer que devam ser ignoradas. O que há de mais rico na humanidade é a diversidade. As diversas manifestações culturais, étnicas, genéticas, religiosas, filosóficas, entre outras, nos ensinam a conviver com a diferença, e tal aprendizado enriquece a sociedade e ajuda a construir uma cultura de paz e tolerância. Nesse contexto, é importante que se entendam as deficiências como diferenças inerentes à diversidade humana, assim como o são outras formas de limitação. Aprendendo a conviver com as diferenças, podemos colaborar para que as limitações sejam superadas. Agir como se as deficiências não existissem é um erro e não ajuda a resolver o problema.

domingo, 19 de junho de 2011

O que você faz com o que não usa mais?

por Joaquim Maia Neto

A pergunta acima foi formulada a algumas pessoas, inclusive a mim, por uma artista plástica que trabalha com resíduos. Apesar de simples, a questão causou certo constrangimento às pessoas, não pela dificuldade em responder, mas pelo conteúdo das respostas.

Quando jogamos alguma coisa no lixo, temos a sensação de que aquilo deixou de existir, mas não é isso o que acontece. As coisas não desaparecem como mágica, apenas são afastadas da nossa presença, o que não significa que não continuarão a produzir efeito em nossas vidas. 

Centro de Reciclagem do Varjão - DF

Uma experiência interessante, que todos deveriam ter e que eu tive na última semana, foi uma visita a uma associação de catadores de resíduos. Foi tão interessante quanto outra que eu fiz a um lixão. Lugares como esses nos mostram quão grande é nossa capacidade de emporcalhar o mundo, mas também nos ensinam como reduzir nosso impacto no planeta.

O que chamamos de “lixo” não deveria existir. Nós criamos o lixo quando consumimos mais do que deveríamos ou quando damos um destino inadequado ao que não nos é mais útil.  Desde o ano passado está vigente no Brasil a Lei 12305, uma lei moderna, que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ela estabelece a seguinte ordem de prioridade que deve ser seguida na gestão dos resíduos: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Essa hierarquia de prioridades é muito inteligente e nos ajuda a entender melhor os problemas que nosso consumo traz ao planeta.

As empresas que se utilizam do “marketing verde” têm nos levado a crer que a reciclagem é a solução de todos os problemas causados pela geração de resíduos, mas não é bem assim. Quase tudo, em tese, poderia ser reciclado, mas muitas coisas não o são porque não há viabilidade econômica. Alguns processos de reciclagem consomem mais energia ou são mais caros do que a produção com materiais virgens. Mesmo para produtos cuja reciclagem é viável economicamente, não há garantia de que realmente serão reciclados, porque em muitas cidades não há indústrias de reciclagem e a logística para o transporte dos resíduos até outra localidade pode ser muito onerosa a ponto de inviabilizar o processo. Brasília é a quarta maior cidade do Brasil, porém não há indústrias de reciclagem no Distrito Federal. Quase todo o vidro descartado na cidade vai parar no lixão, porque as empresas que compram e vendem resíduos para serem reciclados em outros estados não consideram rentável o comércio do vidro devido aos custos de transporte. Os habitantes de Brasília que descartam suas embalagens de vidros nos coletores de algumas redes de supermercados estão sendo enganados, pois acreditam que esses resíduos serão reciclados, mas seu destino é o lixão. Portanto, não devemos nos enganar com um mero símbolo de “reciclável” estampado nas embalagens dos produtos que consumimos. O Brasil recicla pouco mais de 50% das embalagens PET e menos da metade do vidro, latas de aço e papel consumidos. Apenas um quarto das embalagens longa vida são recicladas. O único produto que tem altos índices de reciclagem são as latas de alumínio, cujo percentual chega a 91,5%.

Mas será que o aumento na taxa de reciclagem está mesmo levando a uma menor utilização dos recursos naturais? Infelizmente não, porque o consumo está aumentando. Muitas latinhas de alumínio ainda são feitas com material virgem, porque as empresas estão interessadas em vender cada vez mais. É a lógica do capitalismo. A reciclagem só é feita quando representa ganho financeiro. Atravessadores e indústria são os que mais ganham e costumam jogar para baixo o preço pago aos catadores, aproveitando-se dos oligopólios regionais em que operam.

Resíduos eletrônicos abandonados

O ideal é seguir à risca a ordem de prioridade da lei. Devemos evitar a geração de resíduos. Para isso temos que rever nosso padrão de consumo. Compramos muitas coisas que não precisamos. Nosso celular novo fica obsoleto em alguns meses, mas será que eu realmente preciso comprar o último modelo? Mais fácil ainda é reduzir a geração de resíduos. Podemos comprar uma embalagem de um litro de suco, e colocar num copo reutilizável para nossos filhos levarem para a escola, ao invés de comprar cinco caixinhas de 200 ml. Muitas coisas podem ser reutilizadas. Por que comprar uma jarra se eu posso usar a garrafa de vinho vazia para armazenar água na geladeira? Antes de descartar qualquer coisa, devemos nos perguntar se esse objeto não pode ser útil para alguém, pois podemos doá-lo a quem precisa. Somente após não gerar, reduzir e reutilizar é que devemos pensar em reciclar.

Mesmo adotando uma conduta adequada, ainda assim vamos gerar muitos resíduos. Aqueles resíduos que não podemos deixar de gerar ou que não conseguimos reduzir e reutilizar devem ser encaminhados para a reciclagem. Plásticos, metais e vidros são produtos que demoram muito tempo para se decompor.  Alguns deles chegam a levar centenas de anos. Além de resolver o problema da demora na decomposição, a reciclagem pode reduzir a pressão sobre os recursos naturais, evitando o consumo de matérias primas virgens. Como a grande maioria dos municípios não dispõe de sistemas eficazes de coleta seletiva, o melhor que podemos fazer é separar nossos resíduos “secos” dos orgânicos, encaminhando-os para uma cooperativa ou associação de catadores. Caso isso seja feito de maneira organizada nos bairros, condomínios e locais de trabalho, de modo a ampliar a escala, pode-se conseguir que os catadores recolham no local de armazenamento. Essa atitude, além de contribuir com o meio ambiente, ajuda a gerar renda e a dar dignidade a milhares de famílias que ganham seu sustento a partir do que é desprezado por pessoas mais abastadas. Mesmo que você não destine seus resíduos secos a uma cooperativa, e que o sistema de coleta de sua localidade misture-os com orgânicos no mesmo caminhão, separe-os em sacos distintos, pois isso facilita muito o trabalho dos catadores e aumenta o percentual de aproveitamento dos recicláveis.

Os resíduos orgânicos tem um tempo de decomposição relativamente rápido, mas nem por isso deixam de ser um problema, porque os produzimos em grande quantidade. Nos lixões eles são responsáveis por boa parte da contaminação do solo e dos lençóis freáticos, pois se não tiverem uma disposição adequada, podem gerar muitas substâncias tóxicas. Recentemente adquiri uma composteira doméstica que utiliza minhocas para fazer o trabalho de compostagem, sem gerar qualquer cheiro desagradável. O equipamento foi desenvolvido por uma empresa de Brasília chamada “Minhocasa” e impressiona por seus resultados. É possível, com o uso dessa vermicomposteira, transformar cerca de 95% dos resíduos orgânicos em húmus de minhoca e fertilizante líquido, que podem ser utilizados na adubação de plantas. Cada brasileiro produz em média 1,152 Kg de resíduos por dia, sendo que 55% desses são de origem orgânica. O custo médio da coleta de resíduos domiciliares urbanos no Brasil é de R$ 0,10 por Kg, o que implica uma despesa ao país de quase de 9 milhões de reais por dia em coleta de resíduos orgânicos. Se o governo resolvesse subsidiar para a população vermicomposteiras que processam os resíduos orgânicos de uma família de quatro pessoas, em cerca de dois anos o equipamento se pagaria com a economia de despesas da coleta do lixo orgânico, com a vantagem de não poluir o ambiente e de estender muito a vida útil dos aterros sanitários. O único “inconveniente” seria a redução em mais da metade do lucro das poucas empresas que atuam no setor de coleta de resíduos e que embolsam milhares de reais dos cofres públicos. 

Lixão de Brasília - DF
(foto Câmara dos Deputados)

A Lei 12305 determina que os municípios tenham aterros sanitários, ao invés dos lixões, até o ano de 2014. É muito difícil que essa meta possa ser cumprida, principalmente para os pequenos municípios. Uma das soluções é a constituição de consórcios intermunicipais para que a disposição final adequada dos rejeitos possa ser feita conjuntamente, otimizando os resultados e reduzindo os custos. Uma das coisas boas que se espera do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC é o financiamento de aterros sanitários nos pequenos municípios.

Outro importante avanço contido na Política Nacional de Resíduos Sólidos é o mecanismo denominado “Logística Reversa”, que obriga a todos os envolvidos na produção e distribuição de produtos como agrotóxicos, eletroeletrônicos, lâmpadas, lubrificantes, pneus, pilhas e baterias, a estabelecer mecanismos de coleta e destinação adequada dos produtos após o seu uso. Nada mais justo, pois quem ganha com a produção deve se responsabilizar pelos danos gerados ao meio ambiente pela sua atividade.

Da próxima vez em que você for descartar alguma coisa, pense nas consequências do seu ato e procure dar ao objeto a melhor destinação possível. Clique aqui e veja algumas dicas.

domingo, 12 de junho de 2011

Imperialismo e Recursos Naturais

por Joaquim Maia Neto

Imperialismo é o termo utilizado para denominar a política de expansão e domínio territorial, econômico e cultural de uma nação sobre outra, geralmente de uma nação poderosa sobre uma mais pobre. No presente artigo, utilizo o termo no sentido amplo, abrangendo o que se denomina “colonialismo”. O colonialismo é uma espécie de imperialismo que implica o controle político da nação dominada, envolvendo a anexação do território e a perda de soberania. O imperialismo que predomina atualmente no mundo não é o colonialismo, porque se fundamenta principalmente no domínio econômico e cultural, atuando de maneira mais discreta.

Diversos países atuais são ou foram imperialistas em algum momento de sua história. Alemanha, Bélgica, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Países Baixos, Portugal, Reino Unido e Rússia adotaram essa prática política para expandir seu poderio econômico. O Império Otomano, dissolvido na década de 1920 após a derrota na Primeira Guerra Mundial, é um exemplo recente de nação imperialista que, após grande expansão, declinou drasticamente, restando hoje apenas seu núcleo político-geográfico que foi transformado na República da Turquia. Há ainda o Estado de Israel, que apesar de não ser considerado um estado imperialista, desempenha um papel de “ponta-lança” do imperialismo anglo-americano no Oriente Médio. A prática imperialista foi justificada ao longo do tempo com base em teorias etnocêntricas, doutrinas religiosas e até mesmo no “Darwinismo Social” uma deturpação da teoria evolutiva proposta por Darwin e Wallace.

O Brasil que conhecemos hoje foi em grande medida formado a partir das políticas imperialistas empreendidas pelos países europeus com as grandes navegações do final do século XV e início do século XVI.

Os ímpetos imperialistas sempre tiveram uma estreita relação com os recursos naturais. Não há notícia de qualquer iniciativa de expansão sobre outras nações que não tivesse como pano de fundo a apoderação sobre bens de origem natural, incluindo o próprio homem, que até no passado recente era capturado nas nações africanas para ser vendido como mercadoria destinada ao trabalho escravo nas Américas e na Europa.

O território é o mais elementar dos recursos naturais a despertar ambições colonialistas. A partir da aquisição do território, todos os demais recursos associados a ele poderiam ser explorados com maior tranquilidade. No Brasil, a conquista do território pela Coroa Portuguesa levou à exploração principalmente dos recursos florestais e minerais.

As maiores vítimas da expansão imperialista no mundo foram as nações da América Latina, Ásia e África, sendo este último continente objeto do chamado neocolonialismo com a partilha do seu território entre as potências europeias no final do século XIX até o início do século XX. A partilha da África trouxe consequências desastrosas para a população, mesmo depois da descolonização dos países africanos. Após a independência, a delimitação territorial de cada país obedeceu aos limites estabelecidos quando da partilha entre os europeus. Esses limites muitas vezes separavam tribos unitárias ou juntavam tribos distintas sob o mesmo território, o que provocou desagregação social e causou vários conflitos.

Durante a Guerra Fria (1949 a 1990) a bipolarização entre os blocos capitalista, capitaneado pelos EUA, e socialista, liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, levou a um imperialismo que, além de ter como objetivo a obtenção de novos territórios e seus recursos naturais, também tinha interesse na influência política que esses blocos poderiam desempenhar sob as demais nações a fim de se fortalecerem no jogo de força e poder que provocou a divisão do mundo. Até mesmo uma corrida espacial foi empreendida, fruto da competição entre as duas superpotências. No período, a América do Sul foi alvo da intervenção dos EUA. As ditaduras militares instaladas em vários países, inclusive no Brasil, foram planejadas e executadas com forte participação da Casa Branca, sob a desculpa de proteger o mundo da ameaça comunista, personificada nos movimentos de esquerda que lutavam contra a exploração econômica que impedia o desenvolvimento do continente. Nada mal para um país que se orgulha de pregar a democracia.

O recurso natural que atualmente mais desperta interesses imperialistas é o petróleo. Devido ao modelo energético predominante no mundo, baseado na queima de hidrocarbonetos, o domínio sobre o “ouro-negro” tornou-se estratégico, em especial para os países industrializados. A partir da primeira fase da crise do petróleo, desencadeada em 1956, quando o Egito nacionalizou o Canal de Suez, as principais potências industriais passaram a traçar planos no sentido de ter facilitado o acesso ao petróleo, seja por ações comerciais e diplomáticas, ou por interferências políticas, econômicas, sociais e bélicas.

O Oriente Médio e o norte da África sempre foram alvo de ambições de países dependentes de petróleo. A partir da década de 1950, EUA e União Soviética disputaram poder na região. Com o fim da Guerra Fria a bipolarização ruiu e instaurou-se no mundo a hegemonia estadunidense apoiada por seus aliados, como Reino Unido e Israel. Israel, além de ser um aliado imprescindível aos interesses dos EUA, também tem influência sobre as decisões da Casa Branca devido ao forte poder econômico da comunidade judaica na economia norte-americana.

Atualmente as estratégias do imperialismo estadunidense são mais complexas. A simples ocupação de um território estrangeiro para tomar seus recursos naturais ou o financiamento de governos autoritários de direita não são ações toleradas pela opinião pública internacional e por isso foi necessário criar os “ditadores da vez” e disseminar a ideia da “guerra contra o terror”, para tornar aceitáveis as intervenções militares dos EUA. Muitas vezes os ditadores ou terroristas são “crias” dos próprios EUA, como Saddam Hussein, apoiado pela Casa Branca na guerra contra o Irã, e Osama Bin Laden, financiado pelos estadunidenses para o combate às tropas soviéticas durante a invasão do Afeganistão nos anos 80. A estratégia do Tio Sam é fomentar e potencializar divergências econômicas, étnicas ou religiosas nas sociedades dos países sobre os quais tem interesse econômico, causando instabilidade e conflito. Com o caos instalado, fica fácil pregar o discurso da necessidade de intervenção bélica, visando resguardar as populações atingidas e prestar apoio “humanitário”. Para isso os EUA dispõem de diversos instrumentos eficazes para o alcance de seus objetivos: o controle da ONU e da OTAN; o terrorismo de Estado, executado pela própria Casa Branca e por Israel; a utilização do seu serviço de inteligência a favor de facções aliadas; o financiamento e apoio a milícias, grupos paramilitares, mercenários e traficantes de armas; além de sua bem estruturada máquina de propaganda, que inclui instrumentos culturais, como o cinema e a música.

É interessante notar que a preocupação humanitária estadunidense só é despertada contra nações não alinhadas com seus interesses. As ditaduras da Arábia Saudita e do Bahrein, além da egípcia, que vigorou até a saída de Mubarak, nunca foram contestadas pelos EUA, pois esses países sempre foram aliados da Casa Branca. Já Irã, Iraque, Líbano, Síria, Somália e Sudão recebem tratamento diferente e estão no plano intervencionista estadunidense. Coincidentemente estes países são produtores de petróleo e, no caso dos asiáticos, contrários às políticas do governo sionista. O discurso de proteção aos direitos humanos, tão fortemente utilizado para manter o embargo econômico a Cuba, não se sustenta diante da constatação de que os EUA são grandes violadores desses direitos, como já é notório no que diz respeito ao tratamento dado aos prisioneiros de Guantánamo. Recentemente os norte-americanos admitiram ter usado técnicas de tortura para obter informações sobre o paradeiro de Bin Laden. Curioso também é o fato de que a OTAN, com apoio dos EUA, está destruindo a Líbia, um país produtor de petróleo com altíssimos índices de desenvolvimento humano e qualidade de vida da população, mas fechou os olhos durante anos às atrocidades cometidas em Serra Leoa na década de 90, causadas pela exploração criminosa de diamantes, outro recurso natural, que embelezou dedos e pescoços nos Estados Unidos e no Reino Unido. O massacre que Israel impõe há anos ao povo palestino, incluindo a ocupação de territórios árabes, também não é foco da atuação humanitária da ONU ou da OTAN.

Muitos governantes que permanecem por longo tempo no poder em governos acusados de corrupção são tratados com honrarias pela Casa Branca, como foi o caso Mubarak no Egito e muito recentemente na recepção do presidente do Gabão por Barack Obama. O presidente dos EUA era uma esperança de mudança de postura em relação àquela adotada por seu antecessor, George W. Bush. Prometeu desativar Guantánamo e adotou um discurso que priorizava o diálogo e a tolerância ao invés de intervenções bélicas. Pregou uma maior reponsabilidade ambiental e reformas sociais. Ganhou o Prêmio Nobel da Paz por defender o desmantelamento dos arsenais nucleares, mas seus discursos não resistiram à possibilidade de não ser reeleito e Obama, desgastado pela crise econômica, cedeu às pressões de uma sociedade doutrinada pelo etnocentrismo e sedenta de vingança. Algumas reformas sociais foram feitas, mas a política externa mudou muito pouco. Para reaver os bons índices de popularidade que teve no início do governo, Obama prosseguiu com a “Guerra contra o Terror”. Em 1º de maio deste ano, violou a soberania do Paquistão, invadindo seu território, e assassinou um Bin Laden rendido, diante de sua filha, num episódio digno das barbáries da idade média. Por mais facínora que fosse o líder da Al-Qaeda, deveria ter sido capturado e julgado por seus crimes. O anúncio triunfal de sua morte por Obama, como quem ergue um troféu, e a comemoração da população estadunidense nas ruas, são episódios dignos de se lamentar.

As intervenções bélicas imperialistas não destroem apenas nações e cidades. Diversas espécies são dizimadas pelos bombardeios e ecossistemas inteiros, muitas vezes frágeis e raros, são completamente destruídos sem que nenhuma notícia sobre isso seja dada na mídia. Nem mesmo unidades de conservação e sítios históricos e arqueológicos são poupados.

O fortalecimento do BRICS, bloco de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul é um fator importante para o reequilíbrio mundial, eliminado com a queda do Muro de Berlim. Na América do Sul, Hugo Chávez, presidente da Venezuela eleito em 1998, foi o primeiro chefe de estado, após a guinada neoliberal do continente, a fazer um discurso duro contra o imperialismo estadunidense, porém sua influência foi muito menor que a de Lula, eleito em 2002, que apesar de ter um discurso bem mais moderado e de não romper com as bases econômicas do governo anterior, conseguiu disseminar a ideia de que seria possível a ascensão da esquerda ao poder sem que isso implicasse desestabilização econômica. De fato, a eleição de Lula foi fator catalisador da eleição de outros governos esquerdistas na América do Sul, como Evo Morales, na Bolívia, Rafael Correa, no Equador e José Mujica, no Uruguai. A recente eleição de Ollanta Humala, no Peru, contou com o assessoramento de militantes petistas. A atual conjuntura sul-americana torna o continente cada vez mais independente da influência imperialista, garantindo avanços sociais.

Se por um lado o Brasil se consolida como liderança emergente no cenário internacional e ajuda a contrapor a hegemonia norte-americana, por outro, não se livrou das vinculações aos interesses econômicos privados internos, que continuam imbricados com o Estado por meio do financiamento de campanhas eleitorais, dos contratos com a administração pública e dos lobbies junto aos poderes constituídos. As relações entre o Estado e os agentes do capitalismo nacional, estão conduzindo o país a um desenvolvimentismo ambientalmente irresponsável e insustentável. O PAC, da forma como vem sendo imposto, é o exemplo mais claro dessa postura adotada pelo Brasil. A destruição e o esgotamento dos recursos naturais causada pela política desenvolvimentista, além de retirar do país a possibilidade de se desenvolver em bases muito mais sólidas com a exploração sustentável dos recursos da biodiversidade, que são o grande diferencial do país em relação às demais nações, viabiliza o discurso imperialista de que não sabemos cuidar desse importante “patrimônio da humanidade”.

As mudanças climáticas, mais cedo ou mais tarde, obrigarão os países industrializados a mudar o rumo de suas políticas energéticas para o estabelecimento de fontes geradoras mais limpas. Os EUA e a Europa já se preparam para ampliar drasticamente a participação da energia termossolar nas suas matrizes energéticas. O petróleo perderá importância e deixará de ser o principal motivador da expansão imperialista. A diversidade biológica e os recursos hídricos serão a bola da vez. Os interesses internacionais já estão voltados para esses recursos e para o Brasil, que ainda os detém em abundância. Degradar a natureza não é uma boa estratégia para o país. Fazendo isso, perdermos oportunidades econômicas e facilitaremos a estratégia de se criar o “inimigo da vez”, que neste caso será o conjunto dos sul-americanos destruidores da floresta. E os “guardiões do mundo” encontrarão aqui uma nova Líbia. O tamanho da nossa economia ainda é o que nos livra disso, pois diversas empresas transnacionais tem no Brasil uma considerável fatia do seu mercado. Mas quando a água estiver ainda mais escassa, não haverá mercado que segure o império. Seria mais inteligente priorizarmos a conservação ambiental e continuar lutando por um mundo cada vez menos alinhado com o Tio Sam.

domingo, 5 de junho de 2011

Dia Mundial do Meio Ambiente - O que temos a comemorar?

por Joaquim Maia Neto

Hoje é o Dia Mundial do Meio Ambiente, data em que se iniciam as comemorações da Semana do Meio Ambiente.

Para a língua portuguesa a locução “Meio Ambiente” poderia ser considerada um pleonasmo, já que é formada por duas palavras que podem ter o mesmo significado. Seu uso, porém, consolidou-se na sociedade porque foi atribuído a essa expressão um significado maior do que as palavras isoladas. “Meio” pode ser considerado um lugar, “Ambiente” aquilo que nos rodeia, mas a junção das duas palavras é mais do que isso e nos reporta à natureza, recursos naturais, ecossistemas, ao próprio universo. Termo tão difundido, mas para o qual a sociedade ainda não despertou como deveria.

Nós, seres humanos, somos parte desse Meio Ambiente. Por mais que nossa sociedade adote práticas que nos desconectam da nossa essência natural, estamos ligados inexoravelmente à teia da vida, que conecta todos os seres que compartilham o planeta Terra, e quiçá os que habitam ou habitaram outros mundos. A longa saga evolutiva iniciada a partir de seres microscópicos surgidos no oceano primitivo registrou em nosso DNA e no nosso desenvolvimento embrionário os passos da nossa caminhada para que não esqueçamos jamais de onde viemos. Um pouco de atenção na observação do mundo a nossa volta, nos permite perceber que as semelhanças com nossos irmãos não humanos são muito maiores do que as diferenças. A inútil insistência do homem em romper essa ligação é a causa de desequilíbrios éticos, sociais, ambientais e fisiológicos.

O mundo abriu os olhos para a necessidade de reconexão, ou pelo menos formalizou tal preocupação, em 1972, quando 113 nações realizaram em Estocolmo, capital da Suécia, a “Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente”. O alerta da comunidade científica, demonstrando que os recursos naturais não são inesgotáveis, sensibilizou os líderes dos Estados para a discussão do problema. O crescente desenvolvimento industrial, baseado em formas de produção sujas e poluidoras, levou os países desenvolvidos a questionar o modelo vigente e a propor a contenção desse desenvolvimento, contrapondo-os às nações subdesenvolvidas que pregavam o “desenvolvimento a qualquer custo” para aproximá-las dos padrões dos países do então chamado “primeiro mundo”.

A preocupação mundial com o tema foi ganhando corpo de maneira ainda tímida. Diversos países criaram legislações de proteção ambiental e políticas públicas voltadas a um relacionamento mais amigável entre homem e natureza. O Brasil demorou a acordar, voltando os olhos mais para os exemplos dos países do norte, e focando-os nos resultados econômicos e não nas consequências ambientais do modelo desenvolvimentista. Foram estimulados, em pleno regime ditatorial, a industrialização de baixo desempenho ambiental, a abertura de estradas no meio da floresta, o desmatamento e a ocupação das planícies de inundação, tudo com pesado incentivo governamental.

Em 1982 a ONU realizou uma conferência em Nairóbi, capital do Quênia, em comemoração aos dez anos da Conferência de Estocolmo, com a finalidade de avaliar os resultados obtidos nos dez anos que a sucederam. Os resultados principais foram a reafirmação dos compromissos assumidos em Estocolmo, o reconhecimento de que eram necessários avanços maiores, o apelo à cooperação internacional e o combate à miséria, ao consumismo e ao desperdício, grandes causadores de degradação ambiental.

Em 1988 o Brasil promulga nova Constituição, que conferiu tratamento especial à questão ambiental e consolidou o direito ao meio ambiente equilibrado, atribuindo ao poder público e a toda a sociedade a obrigação de garantir esse direito às presentes e futuras gerações. Com a redemocratização e seguindo tendência mundial, o país foi modernizando a sua legislação ambiental, reconhecendo o potencial, inclusive econômico, de sua imensa biodiversidade. Em 1992 sediamos a “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento”, a Rio-92, que contou com a participação de quase todos os países e com a presença maciça de chefes de Estado e de Organizações Não-Governamentais, demonstrando a importância que era dada ao tema no início dos anos 90. Como resultado da conferência, tivemos entre outros, a consolidação do conceito de desenvolvimento sustentável, o acordo em torno da Agenda 21 e a aprovação da Convenção da Biodiversidade.

No final da década de 90 o Brasil dispunha de uma das mais modernas legislações ambientais em todo o mundo e de um aparato público voltado à sua aplicação, apesar dos inúmeros problemas em fazê-lo funcionar, relacionados à adesão do país a conceitos econômicos neoliberais que impunham uma política de “Estado mínimo”. Consolidaram-se mecanismos como o licenciamento ambiental, a criminalização dos danos ao meio ambiente e a obrigação de repará-los, a educação ambiental formal e não-formal e a participação popular nas decisões ambientais.

Em 2002, 172 nações participaram da Rio+10, a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizada em Johanesburgo, África do Sul. O encontro ocorreu em um momento no qual as preocupações sobre as mudanças climáticas dominavam o debate ambiental no mundo e não se restringiu a temas estritamente ambientais, ao contrário, teve um forte componente social envolvido nas discussões. Os resultados foram muito modestos. Os países ricos não concordaram com o perdão das dívidas dos países pobres e os grandes produtores de petróleo (o Brasil ainda não estava entre eles) juntamente com os EUA se recusaram a assumir compromissos de substituição de suas matrizes energéticas por fontes renováveis, a fim de contribuir com a redução das emissões de gases do efeito estufa. O mundo começava a sinalizar que a pressão pelo desenvolvimento e crescimento econômico dificultaria os avanços globais voltados a um planeta ambiental e socialmente mais equilibrado.

No Brasil, o início do século 21 foi marcado por uma mudança de governo que, se por um lado, não levou a uma alteração na macropolítica econômica, por outro alterou bastante a gestão da máquina pública, refletindo a diferença ideológica entre o novo governo e o antigo. O resultado da mudança foi o fortalecimento do Estado, robustecendo os órgãos e entidades federais para viabilizar as novas políticas públicas aprovadas nas eleições. Para a área ambiental essas mudanças implicaram a melhor estruturação dos órgãos e entidades federais de meio ambiente, mas também criaram  um contexto  de embates com outras áreas estatais, em especial aquelas incumbidas da execução de projetos desenvolvimentistas, eleitos como uma das prioridades da nova elite política.

Não demoraram a chegar os conflitos, causados pela maior atuação de um aparato ambiental estatal fortalecido que começava a exercer efetivamente a regulação sobre os grandes projetos causadores de grandes impactos ambientais, muitos deles executados pelo próprio Estado. É nesse momento que começa a ser detectada, no Brasil, uma contradição nas políticas públicas que levaria ao retrocesso observado hoje. Liderado por uma ambientalista de renome internacional, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) disseminou por todo o governo a internalização do discurso ambiental na formulação das políticas, alcançando muitas vezes a execução, na prática governamental, de ações propugnadas nesses discursos. Ao mesmo tempo outros setores do governo se articularam no sentido oposto, promovendo uma queda de braço que foi enfraquecendo a área ambiental. Não é difícil saber qual lado prevaleceu. Se o desmonte da legislação ambiental ainda não havia chegado, novos desafios na área eram tratados com um enfoque legal bastante distinto daquele que foi forjado na década anterior. A liberação do cultivo de organismos geneticamente modificados (OGMs) foi um dos exemplos de como as novas leis passaram a desconsiderar o consagrado princípio da precaução.

Uma série de derrotas começou a se consolidar. Além da permissividade para com os OGMs, a liberação da importação de pneus usados no início do Governo Lula (revertida posteriormente), o projeto de transposição do Rio São Francisco, que contrariava as deliberações da II Conferência Nacional do Meio Ambiente, a Usina Nuclear Angra III, as pressões para a liberação das licenças das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau e a composição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, foram embates que desgastaram a ministra Marina Silva. A gota d’água para que ela deixasse o governo foi o Plano Amazônia Sustentável, que havia sido planejado pelo MMA, mas teve sua execução atribuída à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, à época comandada pelo polêmico Ministro Mangabeira Unger.

Neste Dia Mundial do Meio Ambiente não temos muito a comemorar, pois o retrocesso ambiental parece continuar. O mundo todo permanece explorando os recursos naturais acima da capacidade de recuperação do planeta. No fim do ano passado a União Europeia, para a decepção dos cientistas e ambientalistas, decidiu continuar desenvolvendo a pesca marítima predatória de arrasto, comprometendo a sustentabilidade dos estoques pesqueiros. Ainda patinamos na redução global das emissões de gases do efeito estufa, devido à resistência dos países mais industrializados em alterar sua matriz energética para um modelo mais limpo. O acidente no Japão mostrou ao mundo a fragilidade na segurança das usinas nucleares.

No Brasil, parece que o retrocesso é maior. Diante da crise econômica, o governo reduziu impostos dos automóveis para aquecer a economia. Como resultado, entupimos ainda mais as vias das nossas cidades e aumentamos a sujeira despejada no ar e filtrada por nossos pulmões. Alternativamente, investimentos e incentivos às obras de infraestrutura para melhorar a mobilidade urbana e desenvolver o transporte coletivo poderiam trazer melhorias econômicas semelhantes, gerando empregos e possibilitando inúmeros benefícios para qualidade de vida das pessoas, mas essa não foi a escolha. A descoberta da camada pré-sal pode tornar a matriz energética brasileira mais poluente. A atual diretriz de transferir decisões ambientais aos estados, como o licenciamento e a gestão da fauna, aproximará essas decisões dos centros de pressão política, comprometendo o interesse público. As unidades de conservação, nossa esperança de proteção de pelo menos algumas ilhas de biodiversidade, sofrem ataques do Congresso no intuito de desafetar as áreas por elas ocupadas. Muitos projetos de Lei tramitam nas casas legislativas propondo a redução das áreas ou até mesmo a extinção de algumas unidades, numa nítida contradição com as metas brasileiras de proteção dos biomas. Em alguns casos o próprio executivo cedeu, fazendo acordos com fazendeiros, deputados e governos estaduais, que resultaram na redução das áreas protegidas. Para fazer justiça, deve-se destacar um importante avanço, entre os raros na atualidade: a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12305/2010), publicada no ano passado, cuja implementação encontra-se no início.

Por ironia, ou afronta, muitas decisões retrógradas que comprometerão nosso futuro, bem como acontecimentos trágicos, aconteceram às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente. A recente aprovação na Câmara dos Deputados do Novo Código Florestal, voltado a proteger os desmatadores e não as florestas, talvez seja a mais grave delas. Consequência da tramitação do Projeto de Lei, os índices de desmatamento recém anunciados demonstram um grande crescimento na comparação com os primeiros meses de 2010. Quatro ambientalistas foram brutalmente assassinados na região Norte, simplesmente porque lutavam contra crimes ambientais praticados por poderosos. O Conselho Nacional de Meio Ambiente e o IBAMA, instituições que ganharam notoriedade pelo seu rigor técnico, atualmente agem influenciados mais pelo componente político. O primeiro acaba de permitir a fabricação de motocicletas com catalizadores de baixíssima durabilidade, atendendo à pressão da indústria que prejudicará ainda mais a qualidade do ar nas grandes cidades. O segundo liberou há poucos dias a Licença de Instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, um projeto desastroso, mesmo admitindo que as condicionantes da Licença Prévia não foram cumpridas.

Já que não podemos comemorar, que este seja um dia de luta e reflexão. Essa situação negativa é fruto do não despertar da sociedade para a temática ambiental. Todos protestam quando a saúde ou a educação não vão bem, mas poucos reclamam da má gestão ambiental. Como consequência, são eleitos poucos políticos comprometidos com a causa. Parte do problema se deve ao poder econômico. O interesse do capital em explorar e obter lucro fácil e rápido mobiliza recursos pesados, e a luta é uma briga de Davi contra Golias. Outra parte deve-se a baixa capacidade do movimento ambientalista em convencer a sociedade. Estamos sendo incompetentes nisso. O perfil dos que se preocupam com o meio ambiente é, em geral, urbano, de classe média. Insistimos em falar com os que são como nós. Assim não avançaremos. A luta tem que extrapolar as redes sociais e ir às ruas e ao campo, alcançar as massas e mostrar ao povo que os primeiros e mais prejudicados pela degradação ambiental e pelo esgotamento dos recursos naturais são justamente os mais pobres, os que não se apropriam da renda gerada por esses recursos, que acaba concentrada nas mãos de poucos.

domingo, 29 de maio de 2011

Decifrando o Código (Florestal)

por Joaquim Maia Neto
Sobre este post
Este post, que trata sobre as mudanças no Código Florestal brasileiro é longo. Procurei aprofundar a discussão em vários aspectos relacionados ao tema. Talvez você não se interesse por todos, ou não tenha tempo de ler a íntegra do post. Por isso separei o conteúdo em questões. A discussão de cada questão pode ser lida isoladamente ou em conjunto, na sequência que o leitor desejar. Antes das questões há uma breve introdução, com uma explicação sobre o que significa APP e Reserva Legal. Se você quiser ir direto para a introdução ou para algumas das questões, clique em um dos links abaixo, e você será direcionado para uma nova página, com apenas o tema que você deseja ler.

Introdução
Na última terça-feira a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 1876/1999, o chamado “Novo Código Florestal”. Na realidade, o que foi aprovado foi a emenda substitutiva global nº 186, feita com base no relatório do Deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), que sofreu algumas modificações oriundas de negociações do governo com ambientalistas e ruralistas. Foi aprovada também a emenda de plenário nº 164, alterando a redação do artigo 8º da emenda 186. A tramitação e a aprovação do novo Código geraram discussões no parlamento, no governo, na imprensa e na sociedade, mas de uma maneira geral o que foi apreendido pela opinião pública é apenas o fato de que houve um embate envolvendo, de um lado, ambientalistas que querem garantir a continuidade da legislação protetora das florestas, e de outro, ruralistas querendo enfraquecer a legislação ambiental. Isso é verdade, porém a questão é muito mais complexa.
Para entender a discussão sobre o novo código florestal é desejável, em primeiro lugar, que se entenda o significado das duas principais “ferramentas” de conservação que estiveram na pauta das discussões: as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as Reservas Legais.
Áreas de Preservação Permanentes (APPs) são as áreas destinadas à preservação da vegetação nativa em locais cuja proteção é estratégica, como margens de corpos hídricos, nascentes, topos de morros, encostas, bordas de chapadas, dunas, restingas, mangues e terrenos com alta declividade. Em geral estão associadas a um determinado atributo fisiográfico. Têm como função a preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade, do fluxo gênico de fauna e flora, a proteção do solo e o bem-estar das populações humanas. São importantes na conexão entre fragmentos florestais, e na proteção das áreas de recarga de aquíferos, entre outras. A utilização das APPs é restrita a casos de utilidade pública, interesse social ou intervenções de baixo impacto, especificadas na legislação.
Reserva Legal é uma determinada fração da propriedade rural, cujo percentual varia de acordo com a região do país, na qual deve ser conservada a vegetação nativa, além da APP, podendo ser explorada de maneira sustentável. É um instrumento que visa garantir a função social da propriedade prevista na Constituição Federal, uma vez que a amostra de floresta a ser conservada em cada propriedade privada nos diversos biomas é responsável por uma série de serviços ambientais que contemplam toda a sociedade. A Reserva Legal é necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.
Como se comportaram o governo e os partidos políticos na aprovação do código florestal?

No final do governo Lula, o deputado federal Aldo Rebelo, do PC do B-SP, relator do Projeto de Lei 1876/1999 na comissão especial da Câmara dos Deputados criada para analisar a proposta do novo Código Florestal, aprovou, na comissão, o seu relatório com um substitutivo que na realidade é um verdadeiro desmonte do atual Código. Com a boa votação de Marina Silva, que trouxe o debate ambiental para as eleições presidenciais, e a ocorrência do segundo turno, Dilma, pressionada pela sociedade, se comprometeu a combater propostas que pudessem levar ao aumento do desmatamento, como a anistia aos desmatadores e a redução das áreas de preservação permanente. Já na presidência, Dilma ensaiou cumprir o prometido e deu à tropa do governo na Câmara a tarefa de melhorar o texto de Aldo. Teve algum êxito, pois o texto aprovado na comissão, acreditem, era pior do que o que foi votado no dia 24. Para melhorar o texto, a bancada governista adiou a votação algumas vezes. Só que no meio do caminho surgiu o escândalo do aumento patrimonial do ministro Palocci. A blindagem promovida pelo governo gerou desgaste e isso repercutiu nas negociações do Código, pois opositores e aliados fisiológicos tinham munição para desgastar o Planalto. Enfraquecido, o PT aceitou votar o Código no dia 24/5, mesmo sem concordar na íntegra, argumentando que patrocinaria ajustes no Senado. O texto foi aprovado por ampla maioria, com 86% de votos “sim”, mas era tão ruim que apenas 63% dos petistas votaram com Aldo. Vinte e nove deputados do PT votaram “não”, apesar da orientação em contrário da liderança.

Os principais partidos de oposição, DEM e PSDB, de base amplamente reacionária e comprometida com interesses econômicos, votaram em peso a favor do novo Código: 100% do DEM e 96% do PSDB. Apenas um tucano votou contra as motosserras. Interessante notar que esses dois partidos fazem um tremendo escândalo contra a grande maioria das propostas do governo, inclusive as que beneficiam a população, mas quando os interesses dos latinfundiários que integram seus quadros e das empresas que financiam suas campanhas está em jogo, e correspondem aos interesses do governo, aí não há problema em votar junto com os partidos governistas. Uma enorme lista de partidos, além do DEM, teve 100% de seus deputados defendendo o novo Código: PC do B, PHS, PMDB, PMN, PP, PRB, PRP, PRTB, PSL, PTB, PTC e PT do B. Apenas PSOL e PV empunharam a bandeira ambientalista e 100% de suas bancadas disseram “não” ao Projeto de Lei.

Após a aprovação do texto principal, o PMDB resolveu piorar ainda mais a mutilação da legislação de proteção às florestas. Patrocinou a aprovação da emenda 164. A base aliada rachou. O PMDB, do vice-presidente, e o PC do B, aliado histórico dos petistas e fundador da inovadora aliança de “comunistas” com latifundiários e megacorporações do agronegócio, novamente foram 100% motosserra e provocaram a ira do Deputado Cândido Vacarezza (PT–SP), líder do governo na Câmara. A aprovação da emenda foi considerada a maior derrota política do governo Dilma. Vacarezza disse na tribuna que a presidente Dilma considerava a aprovação da emenda 164 uma “vergonha”, ao que foi duramente criticado por Aldo e pelo líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN).

Pelo posicionamento do PT na votação, não há como deixar de concluir que sua forte reação após a aprovação da emenda 164 não passou de jogo de cena. A anistia aos desmatadores de APP não é inovação da emenda. Já estava presente no texto que o PT aprovou. A manutenção das intervenções consolidadas em APP também. O que a emenda 164 trouxe para piorar, foi a inclusão de atividades agrossilvopastoris, ecoturismo e turismo rural, no rol das intervenções que poderão ser mantidas em APP, e a possibilidade de os estados permitirem outras durante a aprovação do “Programa de Regularização Ambiental”, previsto no novo Código. No texto principal só constavam as intervenções de utilidade pública, interesse social e baixo impacto, e a inclusão de novas intervenções só seria permitida por meio de Decreto Federal. Portanto, ao votar a favor do texto principal, o PT concordou com anistia geral e com a manutenção de intervenções em APP. Aprovou um texto que implicaria o aumento do desmatamento. A gritaria do Vacarezza não se justifica, porque a piora não foi tão significativa.

O governo só conseguirá se redimir caso consiga modificar muito, para melhor, o texto no Senado, ou se a presidente vetá-lo integralmente. Vetar apenas a emenda 164 não resolve o problema.

          Existe a necessidade de alteração da legislação vigente?
O atual Código Florestal (Lei 4771/1965), que ainda é atual porque o projeto aprovado na Câmara precisa ainda ser discutido no Senado e depois passar pelo crivo da Presidência da República, foi sendo aperfeiçoado ao longo dos anos, conforme a sociedade amadurecia na discussão dos problemas ambientais. O texto atual é bem diferente daquele publicado em 1965, pois várias leis foram editadas modificando artigos do Código. A partir da década de 90, em especial após a Rio 92, não só o Código Florestal, mas toda a legislação ambiental brasileira passou por uma crescente melhora e hoje é considerada uma das mais modernas do mundo, destacando-se na área florestal, além do Código, a Lei de Crimes Ambientais (9605/1998) e a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (9985/2000).
Os defensores das alterações na legislação ambiental brasileira argumentam que o atual Código impede a produção de alimentos na quantidade que o país necessita e inviabiliza a produção nas pequenas propriedades rurais.
A Lei atual já possui uma série de mecanismos que permitem conferir tratamento diferenciado aos pequenos produtores rurais e às situações que poderiam inviabilizar a produtividade da propriedade rural. Na pequena propriedade rural, por exemplo, é permitido computar no percentual da reserva legal os plantios de árvores frutíferas, mesmo que exóticas, desde que cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas. Em qualquer propriedade é permitido o cômputo das áreas de preservação permanente no cálculo do percentual da reserva legal, quando a soma da vegetação nativa em APP e na reserva legal ultrapassar 80%, no caso da Amazônia Legal, ou 50% em qualquer outra região do país. Para a pequena propriedade rural, esse percentual é de apenas 25%. A averbação da reserva legal na matrícula do imóvel, que é obrigatória pela Lei, é gratuita para a pequena propriedade rural e as entidades e órgãos públicos são obrigados a prestar apoio técnico e jurídico. Caso a propriedade não possua vegetação nativa em percentual suficiente para atender à exigência de reserva legal, o atual Código permite ainda que se compense a ausência da vegetação, averbando-se a reserva em outra propriedade vegetada, desde que localizada na mesma bacia hidrográfica.
Com relação à produção de alimentos, recente estudo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e da Academia Brasileira de Ciências (O Código Florestal e a Ciência) demonstra que existem no Brasil 61 milhões de hectares de terras degradadas devido ao uso inadequado, que poderiam ser recuperados para a produção de alimentos. Segundo o mesmo estudo, “os dados científicos disponíveis e as projeções indicam que o país pode resgatar passivos ambientais sem prejudicar a produção e a oferta de alimentos, fibras e energia, mantendo a tendência de aumento continuado de produtividade das últimas décadas, desde que sejam estabelecidas políticas mais consistentes de renda na agropecuária”. Isso significa que não precisamos desmatar e nem abrir mão de recuperar os passivos ambientais para ampliar a produção.
Quais foram as mudanças aprovadas na Câmara dos Deputados?
O novo Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados não é digno de ostentar este nome. Melhor lhe cabe o nome de “Código do Desmatamento” ou “Código da Impunidade”. Melhor ainda seria “Código para caçoar dos bobos que cumpriram a Lei”. Isso porque a lógica do novo Código é a de premiar quem deixou de cumprir a Lei. Várias das mudanças aprovadas desobrigam os desmatadores a recuperar o passivo gerado, mas obrigam quem manteve as áreas nas quais é obrigatório preservar a vegetação a continuar mantendo-as intactas. Por exemplo: hoje as áreas de preservação permanente em córregos de até 10 m de largura são de 30 m de largura em cada margem. Pelo novo Código, quem desmatou é obrigado a recuperar apenas 15 m, e poderá usar os outros 15 para plantar ou criar gado. Quem manteve os 30 m e cumpriu a Lei vai ter que continuar mantendo os 30 m, ou seja, vai ser obrigado a continuar contribuindo com a sociedade, arcando com o ônus causado por quem descumpria a Lei. O mesmo ocorre com quem deixou de conservar a reserva legal. Em propriedades de até quatro módulos fiscais, o que pode chegar a 400 hectares, dependendo da região do país, quem desmatou a reserva legal não vai ser obrigado a recuperá-la, de acordo com o que foi aprovado terça-feira, mas quem conservou vai ter que continuar mantendo a reserva. Essa é apenas uma das anistias que foi aprovada pelos ilustres parlamentares. É uma anistia na esfera cível, que afronta totalmente o princípio do poluidor-pagador. Com ela, um dos maiores avanços da nossa legislação, que é a obrigação de reparar o dano por parte de quem o causou, vai por água abaixo.
Existem mais duas anistias, nas esferas administrativa e penal. Quem desmatou até 22 de julho de 2008 e aderir a um chamado “Programa de Regularização Ambiental – PRA” ficará desobrigado de pagar as multas ambientais e não responderá pelo crime que cometeu. Resolveram soltar Barrabás e condenar o Cristo.
Nas APPs, poderão ser mantidas as intervenções consolidadas até a data da anistia (22/7/2008) se forem consideradas de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ou se forem atividades agrossilvopastoris, de turismo rural ou de ecoturismo. Mais ainda: os estados poderão, para fins de adesão ao PRA, definir novas atividades e intervenções cuja manutenção será permitida nas APPs. Mais uma vez, você ingênuo cumpridor da Lei, que não construiu na APP porque era proibido, vai ver seu vizinho zombando de você dizendo: “- Não disse que iriam regularizar?”. Proponho que se mude o nome de APP para AIP, Área de Intervenções Permanentes, pois estão admitindo a consolidação dos danos ambientais. Caso o Senado aprove o novo Código, as APPs, nas quais só poderia existir vegetação nativa, vão passar a preservar ranchos, bois, pasto, culturas cheias de agrotóxicos, etc..
Ainda sobre as APPs, outra mudança pouco discutida, trata da forma de considerá-las na prática. Pelo Código atual, a APP dos corpos hídricos começa a ser medida a partir da cheia máxima sazonal, ou seja, do nível máximo em que a água chega durante o período chuvoso. Isso é essencial para que se respeite a planície de inundação dos rios, protegendo inclusive as populações humanas contra enchentes, já que se vedam ocupações próximas da água. Os nossos representantes na Câmara inovaram ao considerar a APP a partir da “borda da calha do leito regular”. E o que é esse leito regular? Pela definição constante do Projeto de Lei, é “a calha por onde correm regularmente as águas do curso d’água durante o ano”. Isso quer dizer que em muitos casos as pessoas poderão construir ou plantar até bem próximo da água, pois há locais em que a diferença entre esse chamado “leito regular” e a planície de inundação é enorme.

Nas APPs de bordas de chapadas e tabuleiros, topos de morro, áreas de alta declividade e de altitude superior a 1800 m, que hoje, por serem APPs não permitem nenhum tipo de agricultura, o novo Código permitirá a manutenção das culturas, hoje ilegais, de espécies florestais, lenhosas, perenes ou de longo ciclo, como eucalipto, maçã, uva, café e cana-de-açúcar. Até o pastoreio extensivo estará liberado nessas áreas, ou seja, estará liberada a criação de gado em APP.

O ataque às APPs não acabou. Reservatórios artificiais não decorrentes de barramento não terão mais APP. Os que se originam por barramento, como o das Usinas Hidrelétricas, cujas APPs hoje são de 100 m, poderão tê-las reduzidas para até 15 m.

O atual Código Florestal não permite, em geral, o cômputo das APPs no cálculo da reserva legal obrigatória, pois a função da APP é distinta da função da reserva legal. Existem algumas exceções a esta regra, que contemplam pequenos proprietários e propriedades onde as APPs são muito grandes. O novo Código permite que qualquer APP seja computada no cálculo da reserva legal e talvez este seja o ponto mais grave. Apesar de o texto afirmar que esse cômputo não será possível caso isso implique em conversão de novas áreas para uso alternativo do solo, não há data limite para que o desmatamento que inviabilize a averbação de reserva legal seja compensado computando-se a APP no percentual exigido. Este dispositivo previsto no texto aprovado pela Câmara é o que mais contribui para o avanço do desmatamento. O proprietário rural poderá desmatar sem autorização uma área de floresta em reserva não cadastrada e depois cadastrar como reserva legal uma APP conservada, reduzindo assim o percentual de floresta exigido na sua propriedade.

A Lei atual não detalha o georreferenciamento necessário para a averbação das reservas legais. Os órgãos e entidades públicos responsáveis por aprovar a averbação exigem uma poligonal georreferenciada para que se saiba exatamente onde fica a reserva, facilitando a fiscalização. O novo Código acaba com a averbação em cartório da reserva legal. Ela apenas seria registrada num “Cadastro Ambiental Rural”. O novo texto permite o registro da reserva com um único ponto de amarração, o que dá margem para fraudes quanto à sua localização e inviabiliza a fiscalização, pois não será possível comprovar que um determinado desmatamento ocorreu dentro de área de reserva.

Outra mudança negativa é quanto a não obrigatoriedade de cumprimento dos novos percentuais de reserva legal na Amazônia. Até o ano 2000, a reserva legal na Amazônia era de 50% do total da propriedade. Em 2000 esse percentual passou para 80%. Com o novo código, quem desmatou, até 2000, um percentual maior que 20% não precisa recompor nada desde que tenha no mínimo 50% de floresta, porque para ele será aplicado o percentual que valia na época. Este é outro dispositivo que beneficia os desmatadores e penaliza quem conservou.

Quais são as consequências da aprovação do novo Código Florestal?

As consequências do novo código foram percebidas antes mesmo de sua aprovação. A simples expectativa do afrouxamento da legislação ambiental provocou uma corrida aos cartórios visando o desmembramento de propriedades rurais em glebas de até quatro módulos fiscais, para que seus proprietários fugissem da obrigação de recompor a reserva legal. É verdade que, de acordo com o texto aprovado, no caso de desmembramento, considera-se a exigência de reserva em relação à área que a propriedade tinha antes. Mas isso só vale para depois que Lei estiver publicada. Antes, não há nada que impeça o desmembramento e quando a nova lei viger, quem já desmembrou será contemplado.

Ainda antes da aprovação aumentaram os desmatamentos de áreas localizadas fora de APP, que deveriam ser cadastradas como Reserva Legal, diante da expectativa da possibilidade de utilização das APPs no cômputo da Reserva Legal, o que acabou sendo aprovado na Câmara. Neste mês o governo divulgou que entre agosto de 2010 e abril deste ano o desmatamento na Amazônia cresceu 26% em relação ao mesmo período entre 2009 e 2010.

Leis que concedem anistias costumam ter o efeito de gerar um descrédito com relação ao cumprimento da legislação. Se houve anistia agora, pensam os infratores, poderá haver no futuro, e geralmente isso traz consequências negativas. O sentimento de impunidade aumentará e junto com ele novos desmatamentos, pois o raciocínio dos que se beneficiam com anistias é o de que sempre se pode adiar na justiça o cumprimento de penalidades, até que chegue a próxima anistia.

O novo Código aprovado, praticamente inviabiliza a execução da Política Nacional de Mudanças do Clima - PNMC (Lei 12187/2009). Isso vai trazer consequências negativas para o Brasil no cenário internacional, à medida que ficará evidente para o mundo que o país, com a nova legislação, não terá como cumprir seus compromissos em termos de redução de emissões. A aprovação do Código já repercutiu negativamente nos veículos de imprensa de todo o mundo. As manchetes dos principais jornais noticiaram a ameaça de retrocesso da política ambiental brasileira. Em breve teremos consequências econômicas. O Brasil está sendo visto como um país comprometido com a questão ambiental, e chegou a alcançar um papel de liderança os organismos multilaterais. A guinada arranhará a imagem do país e começaremos a nos deparar com barreiras comerciais, formais ou informais, uma vez que os mercados de países desenvolvidos cada vez mais exigem produtos produzidos de maneira sustentável.

As piores consequências serão aquelas que afetarão a qualidade de vida. Haverá perda de biodiversidade atrelada ao desmatamento. Mais uma vez o Brasil perderá oportunidades de se desenvolver com esse patrimônio invejado por todo o mundo. Cientistas já demonstraram que as alterações no Código Florestal prejudicarão até mesmo a agricultura. Há consenso na comunidade científica, incluindo os setores da pesquisa agropecuária, de que o novo Código é prejudicial. A Agência Nacional de Águas - ANA avalia que as alterações na legislação, em especial no que diz respeito às áreas de preservação permanente, prejudicarão a qualidade dos recursos hídricos. Estudo publicado pela agência chama a atenção para ocupação dos topos de morro, que são locais de recarga de aquíferos. A possibilidade de manutenção de agricultura e pecuária nestes locais agravará o problema da contaminação dos aquíferos.

Lamentavelmente os parlamentares tornaram-se surdos ao clamor da comunidade científica, dos ambientalistas e dos órgãos e entidades de cunho técnico do governo. Caso o Senado não reverta essa situação, pagaremos caro por essa irresponsabilidade.

Outras consequências, nem tanto da aprovação do projeto, mas da forma como agem os que o patrocinam, foram os assassinatos, na semana em que ó Código foi aprovado, de três pessoas, dois extrativistas no Pará e um líder camponês em Rondônia. Todos eles denunciavam desmatamentos ilegais e a força do dinheiro e da ganância, falou mais alto, assim como falou na votação de terça-feira.

A quem interessam as mudanças no Código Florestal?
A maior das falácias propagadas pelo Deputado Aldo Rebelo (PC do B–SP), pela senadora Kátia Abreu (DEM–TO) e seus asseclas e financiadores, é que as mudanças aprovadas pela Câmara no Código Florestal seriam necessárias à sobrevivência dos pequenos proprietários rurais. O atual código já possibilita tratamento distinto aos pequenos produtores. Diversas entidades ligadas à agricultura familiar manifestaram-se contra o texto apresentado por Rebelo, como por exemplo, a Via Campesina, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Os pequenos proprietários rurais cada vez mais percebem que práticas pouco sustentáveis no campo acabam interferindo negativamente na sua atividade. Retirar a vegetação que protege rios e nascentes, por exemplo, leva ao esgotamento dos recursos hídricos da propriedade, o que acaba por inviabilizar a produção.
Os verdadeiros beneficiários das mudanças são as corporações, empresários e fazendeiros ligados ao grande agronegócio. Pecuaristas, produtores de commodities agrícolas, madeireiros, o setor sucroalcooleiro e indústrias de agrotóxicos e de sementes geneticamente modificadas estão entre os interessados e patrocinadores dos ataques à legislação ambiental. Muitos desses grandes produtores agem com ganância e não se incomodam com a degradação dos recursos naturais, pois são capitalizados o suficiente para direcionar seus esforços para outras áreas onde ainda possam continuar explorando. A lógica dos que agem assim é a do lucro crescente e rápido, sem a internalização dos custos ambientais na sua cadeia produtiva. Esses custos são assumidos por toda a sociedade, que acaba sofrendo as consequências do sistema produtivo insustentável. O lucro é privado e o prejuízo ambiental socializado. Todos pagam pelas mudanças climáticas, falta de água e perda de biodiversidade.
O discurso do agronegócio prega que o setor é o grande responsável pelos resultados positivos na balança comercial brasileira e pela geração de alimentos. Grande parte do que o setor produz é exportada ou torna-se alimento para animais. A política de se fazer superávit comercial com exportação de produtos primários sem investir no desenvolvimento de produtos mais elaborados, que exigem mais tecnologia e agregam valor à produção, faz com que o Brasil, apesar de crescer economicamente, continue atrasado em desenvolvimento social, e nos mantém dependentes de tecnologia externa, comprada a preços muito mais altos do que o das commodities que vendemos. O setor incrementa a balança comercial sim, mas gera poucos empregos, muitos deles de má qualidade, e deixa um rastro de degradação.
Muitos dos deputados que defendem as alterações, o fazem em causa própria. A imprensa noticiou recentemente que vários deputados autuados por entidades públicas ambientais com multas milionárias serão beneficiados com a anistia que eles mesmos votaram. Onze, dos 13 deputados que aprovaram o relatório de Rebelo na comissão especial da Câmara dos Deputados, receberam doações de campanha de empresas ligadas ao agronegócio. Na última campanha Aldo recebeu 172 mil reais de cooperativas e empresas do setor. Essas empresas costumam financiar campanhas eleitorais de candidatos que defendem bandeiras que as beneficiam. A Bunge Brasil, por exemplo, empresa pertencente a um conglomerado empresarial estadunidense que atua no agronegócio, distribuiu na última campanha eleitoral cerca de 2,5 milhões de reais, concentrados principalmente em deputados da bancada ruralista.
Os ruralistas costumam dizer que as ONGs ambientalistas defendem interesses econômicos estrangeiros e protestam no Brasil para prejudicar a competitiva produção agrícola brasileira. Estamos vendo agora que os defensores do enfraquecimento da legislação ambiental é que estão comprometidos com interesses externos.
O atual Código Florestal está sendo cumprido?
O cumprimento do código florestal ainda está muito aquém do que deveria. Antes da Lei de Crimes Ambientais os mecanismos que o Estado dispunha para exercer o seu poder de polícia na exigência do cumprimento da legislação ambiental eram incipientes. Com o aprimoramento da legislação e o fortalecimento das instituições responsáveis pela sua aplicação, essa realidade passou a mudar aos poucos. O fortalecimento do Sistema Nacional do Meio Ambiente, com a criação de aparatos federal, estaduais e municipais voltados à execução de políticas ambientais e a crescente atuação do Ministério Público e das polícias judiciárias e militares na área ambiental são fatores que contribuíram muito na aplicação do código. Porém, enquanto o Estado enfrentou a questão apenas com ações de comando e controle, os resultados foram parcos e a legislação, mesmo sendo aprimorada a cada dia, não incomodou aqueles que lucram milhões com o comprometimento do patrimônio natural. Isso explica a aparente contradição que permitiu que a legislação melhorasse mesmo com uma elite ruralista conservadora tão forte e tão bem representada no Congresso. Enquanto a Lei não era cumprida, os ruralistas não reclamavam e vivíamos uma hipocrisia, fingindo que o país cuidava do meio ambiente por ter uma das melhores legislações ambientais do mundo. Essa situação passou a não se sustentar devido ao aprimoramento das tecnologias de sensoriamento remoto, que passaram a escancarar para o mundo a devastação das nossas florestas.
Um avanço mais significativo começou a ocorrer apenas muito recentemente após a implementação de mecanismos econômicos de defesa do meio ambiente, que aliados aos de comando e controle já existentes, permitiram resultados melhores. Os mecanismos mais efetivos surgiram inicialmente independentemente de ações do Estado. A opinião pública, em especial a internacional, e as mudanças nos hábitos de consumo passaram a pressionar os produtores rurais com a exigência de formas de produção que atendessem a legislação ambiental, muitas vezes com a imposição de algum tipo de certificação. Para se adequar, muitos deles, principalmente aqueles cuja produção é destinada à exportação, passaram a aderir ao cumprimento da Lei. Posteriormente o próprio Estado passou a implementar mecanismos econômicos de conservação como, por exemplo, ao exigir regularidade ambiental para a liberação de financiamentos de bancos estatais à produção agrícola.
Como os mecanismos econômicos ainda são muito recentes, continuamos com um quadro de pouco cumprimento do Código Florestal por parte do setor agropecuário, porém a legislação ambiental passou a incomodar o setor, porque ficou difícil deixar de cumpri-la. Assim, apesar de haver propostas de enfraquecimento das leis ambientais tramitando na Câmara dos Deputados há bastante tempo, a artilharia da bancada ruralista foi acionada agora para que o agronegócio, que até então afrontava a Lei, possa agora lucrar com a degradação sem que seja punido por isso, continuando a mandar a conta do passivo ambiental para todos os brasileiros.